O desencanto dos americanos com a economia de Donald Trump cresce a cada nova pesquisa, nove meses depois do início de seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, em meio a inflação persistente, tarifas que encarecem produtos básicos, juros altos e a sensação de que a Casa Branca governa mais para bilionários e grandes corporações do que para a maioria trabalhadora.
Os números contam essa história com clareza.
Uma pesquisa recente da AP-NORC mostra que apenas cerca de um terço dos adultos nos Estados Unidos, 33%, aprovam a forma como Trump administra o governo, queda de dez pontos desde março, com erosão inclusive entre eleitores republicanos.
Na prática, o “desencanto econômico” não é apenas discurso de opositores, mas algo que aparece na base social que o levou de volta à Casa Branca prometendo “fazer a vida ficar mais barata”.
Enquanto Trump insiste publicamente que a economia está “forte” e que os preços estariam caindo, o cotidiano dos americanos mostra o oposto.
Índices de confiança do consumidor medidos pela Universidade de Michigan despencaram em novembro para perto das mínimas históricas, em torno de 50 pontos, patamar associado a recessões, com queda forte na avaliação das finanças pessoais e pessimismo sobre o futuro.
Em linguagem simples, as pessoas sentem que o salário some no supermercado, no posto de gasolina e na hora de pagar o aluguel ou a hipoteca.
Um dos focos de irritação é a própria marca registrada da política econômica de Trump, a escalada tarifária.
Depois de meses defendendo tarifas generalizadas sobre importados como “armas” para proteger empregos americanos, o governo começou a recuar seletivamente diante da revolta com o custo de vida.
A Casa Branca já sinalizou cortes de tarifas sobre café, bananas e outras frutas, justamente itens que pesam no carrinho de compras, numa tentativa de aliviar o bolso e mostrar sensibilidade com o tema da “acessibilidade”.
O recuo mais vistoso veio no acordo firmado com a Suíça.
Washington havia imposto uma tarifa punitiva de 39% sobre boa parte dos produtos suíços, encarecendo medicamentos, relógios, chocolates e maquinário importados pelos Estados Unidos.
Agora, após pressão política e diplomática, o governo Trump aceitou reduzir essa alíquota para 15%, em troca da promessa de investimentos suíços de cerca de 200 bilhões de dólares até 2028 no território americano.
Críticos apontam a contradição óbvia, criada e desfeita pelo próprio governo: aumenta tarifas, provoca choques de preço, depois aparece como “salvador” ao recuar de parte do estrago.
Apesar de algum ganho real de salários este ano, a combinação de inflação ainda elevada com juros altos e aluguel caro faz com que muitos americanos sintam que andam para trás.
O longo shutdown recente, com suspensão de serviços federais e atraso em benefícios como cupons de alimentação, agravou a sensação de abandono entre trabalhadores de baixa renda, que lotam bancos de comida para garantir o básico na mesa.
Na outra ponta, os grandes índices de ações seguem perto de recordes, alimentados pela euforia em torno da inteligência artificial e de empresas ligadas à defesa, como a Palantir, hoje avaliada em centenas de bilhões de dólares apesar de faturamento bem inferior ao de gigantes tradicionais do setor bélico.
Essa contradição é explosiva politicamente.
De um lado, Wall Street comemora lucros e valorizações, aplaudindo cortes de impostos, desregulação e contratos com o complexo militar–digital.
Do outro, a classe média endividada, trabalhadores informais, pequenos comerciantes e jovens enfrentam aluguel proibitivo, crédito caro e insegurança no emprego.
Pesquisas apontam que mais da metade dos americanos acredita que a economia está piorando sob Trump, mesmo com a inflação oficial recuando em relação ao pico da era Biden, porque o que pesa é a percepção diária de preços altos e falta de perspectiva.
A própria base trumpista começa a mostrar rachaduras.
Reportagens da imprensa americana registram a irritação de setores do movimento MAGA com o fato de o presidente ter voltado a cortejar bilionários de Wall Street, ter autorizado um polêmico pacote de ajuda de 20 bilhões de dólares à Argentina em plena paralisação do governo e ter abraçado acordos com grandes laboratórios para baratear remédios contra obesidade, em choque com o discurso anti–Big Pharma de seu secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr.
Ao mesmo tempo, Trump flerta com fóruns globais de elites econômicas, cogita ir a Davos, insiste em cortes de impostos para grandes fortunas e aceita flexibilizar vistos para mão de obra estrangeira qualificada, o que irrita a ala mais nativista do trumpismo.
Nas pesquisas, esse mal-estar aparece como queda acentuada de aprovação entre republicanos e independentes, justamente os grupos que sustentaram a volta de Trump à Casa Branca.
Quando parlamentares do próprio Partido Republicano cobram um plano consistente para saúde, custo de vida e emprego, a resposta do presidente oscila entre culpar o governo Biden pelo “desastre herdado” e prometer soluções fáceis, como hipotecas de 50 anos, cheques de 2 mil dólares financiados por tarifas e milagres tecnológicos.
Especialistas alertam que alongar demais o prazo das hipotecas pode apenas empurrar dívida para frente e inflar ainda mais o mercado imobiliário, sem resolver o problema de oferta de moradia acessível.
A agenda econômica de Trump, que se vendia como “populista” e “América Primeiro”, hoje se parece com uma mistura de nacionalismo retórico, neoliberalismo clássico para o topo da pirâmide e improviso permanente para o andar de baixo.
Tarifas agressivas abrem espaço para barganhas pontuais, isenções e acordos bilaterais que agradam setores específicos, enquanto o grosso da população continua lutando para pagar comida, energia e aluguel.
O resultado é um desencanto difuso, mas profundo, com a própria ideia de que o governo federal possa melhorar a vida concreta das pessoas.
Para o Brasil, a experiência americana é um alerta em tempo real.
A combinação de promessas fáceis, guerra cultural permanente e políticas econômicas desenhadas sob medida para os oligarcas do sistema financeiro tende a produzir o mesmo roteiro já conhecido por aqui, com concentração de renda, precarização do trabalho e frustração em cadeia.
Quando a conta chega, o “antiestablishment” de direita se revela, na prática, o fiador de um novo bloco de poder, formado por fundos, big techs, indústria bélica e velhas oligarquias do dinheiro.
O desencanto dos americanos com a economia de Donald Trump, portanto, não é apenas mais um capítulo da política interna dos Estados Unidos.
É um espelho incômodo para todas as sociedades que apostam em líderes autoritários com discurso de povo e prática de Faria Lima globalizada.
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Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.






