Deltan Dallagnol vê água batendo na bunda da Lava Jato

O procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa Lava Jato, deixou transparecer nesta sexta-feira (3) que a água começou bater na bunda.

No dia em que o PT deixou vazar que pretende pedir sua prisão, o moço que se compara ao Tom Cruise, do filme Missão Impossível, concedeu uma longa entrevista para CNN Brasil.

Deltan acha que o presidente da República, Jair Bolsonaro, os presidentes da Câmara (Rodrigo Maia) e do Senado (Davi Acolumbre) e políticos da oposição querem embargar a candidatura do ex-juiz Sérgio Moro em 2022.

Note o caríssimo leitor que o procurador admite a força-tarefa como um partido político.

Segundo Deltan, o trabalho realizado hoje é o mesmo dos últimos anos, mas que “passou a interessar ao governo e aos seus aliados” enfraquecer a operação de olho nas eleições gerais de 2022, depois que o ex-juiz Sergio Moro deixou o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Eu não vejo uma mudança do nosso trabalho nos últimos seis anos. Com o desembarque do ex-ministro Sergio Moro da parte da Justiça, passou a interessar ao governo e aos seus aliados a desconstrução do ex-ministro Sergio Moro e da Lava Jato, de que ele é símbolo, pelo receio de que ele venha eventualmente a concorrer em 2022”, afirmou o procurador.

Economia

A fala acontece após um acirramento dos conflitos entre a operação e a atual gestão da Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras, que foi indicado para o cargo por Bolsonaro em 2019. Deltan evitou dizer diretamente se considera que Aras e a subprocuradora-geral Lindôra Araújo, denunciada à Corregedoria do Ministério Público após uma visita à Curitiba, se encaixam nestes aliados.

“Eu quero acreditar que o Ministério Público é um órgão independente e continuará a se comportar de modo independente e que eventuais mudanças na conjuntura política não deverão influenciar o apoio institucional às forças-tarefas contra a corrupção”, disse, questionado sobre a postura de Lindôra a respeito da operação.

Sobre a visita da subprocuradora-geral, Deltan deu a versão da Lava Jato. Segundo ele, Lindôra Araújo pediu acesso a toda a base de dados da operação, o que incluiria informações fiscais e bancárias de investigados. Para o coordenador da força-tarefa, o compartilhamento deve tratar de casos específicos, lastreados em investigações judiciais.

“[Esses dados] Podem ser usados para chantagem e perseguição política. É material para dossiês inesgotáveis”, disse. “Não se explicou o objeto, o que se queria buscar e qual era a decisão que baseava isso”.

Em nota, a PGR disse que a visita feita pela subprocuradora foi agendada e faz parte do intercâmbio de informações entre a entidade e as forças-tarefas nos estados. O órgão negou que houve inspeção, e sim uma “visita de trabalho que visava a obtenção de informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos”.

Ainda sobre o conflito com Aras, Deltan foi questionado a respeito de uma eventual delação premiada de Rodrigo Tacla Durán, ex-advogado da empreiteira Odebrecht. O procurador confirmou a divergência a esse respeito, antecipada pelo âncora da CNN Caio Junqueira, e disse que a Lava Jato recomendou a Aras não prosseguir com as negociações com Tacla Durán porque ele teria mentido diversas vezes para os investigadores da operação.

“O que nós constatamos e fizemos um relatório para o procurador-geral da República é que ele falseou a verdade em coisa de 20 oportunidades, pelo menos”, disse. Deltan cita ao menos dois episódios, um que envolveria uma tentativa de desbloqueio de bens em Cingapura e outra que, para uma CPI do Congresso Nacional, ele teria dito que a Lava Jato não o procurou para depor. O coordenador da operação disse ter documentado que o advogado informou que ficaria em silêncio.

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Bolsonaro

O procurador da Lava Jato fez críticas ao presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, as “eclarações do presidente da República contra a corrupção acabaram não se convertendo em ações na prática”.

“Não aprovou o pacote anticrime, não apoia a segunda instância, não barrou medidas que dificultam o combate à corrupção, seja porque ataca a democracia e as instituições essenciais da nossa sociedade, que são essenciais pro nosso pacto comunitário, mas também pro combate à corrupção”, disse o procurador.

Ainda em relação às acusações de politização da operação, Deltan afirmou estar tranquilo com o julgamento de uma representação movida contra ele pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que trata da denúncia contra o petista apresentada em um PowerPoint à imprensa. “O CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] é um órgão independente e eu acredito que eles vão saber se basear em provas e fatos.”

Ele ainda comentou menções aos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em documentos da Lava Jato. Maia e Alcolumbre possuem foro privilegiado e não podem ser investigados pela força-tarefa.

Uma das acusações levantadas recentemente é que a operação teria ocultado sobrenomes para que pudessem seguir investigando os dois. Deltan Dallagnol negou à CNN que haja qualquer investigação contra ambos no âmbito da Lava Jato e afirmou que eles foram citados em uma acusação que não tratava deles, como destinatários de possíveis recursos, mas sim de pessoas sem foro privilegiado.

Força-tarefa

Deltan Dallagnol afirmou temer pela proximidade do vencimento da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná, que precisará de uma decisão sobre renovação em setembro.

“Depois daquele episódio [visita de Lindôra Araújo], foi isso que nós vimos, uma nota agressiva do procurador-geral e o asfixiamento da força-tarefa da Operação Greenfield”, disse, alegando que os procuradores desta outra operação de combate à corrupção passarão a ter que se dividir entre esse e outros casos.

Dallagnol disse não ser contra o fim do modelo de forças-tarefas, nas quais o procurador responsável por um caso recebe uma equipe para ajudá-lo, mas defende que seja apresentada uma alternativa. “Se for para acabar com o modelo de força-tarefa, é preciso que tenha outro modelo aprovado. O que não pode é acabar com o modelo e não ter nada no lugar, porque aí o trabalho para”, disse.

Ele ainda disse ser positiva a movimentação do procurador-geral Augusto Aras para formar uma divisão nacional centralizando as investigações sobre corrupção. Para Deltan, no entanto, essa medida só ajudará os trabalhos se as investigações individualmente seguirem tendo independência em relação à chefia do MPF.

“Se órgão não tiver independência, é pegar todas as investigações contra a corrupção do Brasil sob a guarida de uma única pessoa”, disse, mencionando que a escolha de Aras por Bolsonaro não foi feita através da lista tríplice, votação informal conduzida junto aos procuradores.

Com informações da CNN