Congresso vota “cassação de Bolsonaro” nesta terça-feira disfarçada de autonomia do BC

Na prática, o Congresso Nacional irá votar nesta terça-feira (3) a cassação do mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A autonomia do Banco Central significa o efetivo esvaziamento da caneta BIC do inquilino do Palácio do Planalto.

Se atualmente Bolsonaro já se mostra raquítico diante de banqueiros e da velha mídia corporativa, sem o BC, então, ele se transformará em um zumbi. Um morto vivo.

Um dos mais críticos ao projeto da autonomia, o ex-senador Roberto Requião (MDB) voltou a denunciar o que ele considera a “venda do Brasil” na bacia das almas.

“Amanhã o Brasil estará à venda no Senado. Independência e autonomia do BC, mais contas remuneradas e voluntárias do sistema financeiro no BC. Quantos brasileiros de verdade teremos? quantos néscios ou simplesmente canalhas votarão a venda do Brasil?”, disparou.

Talvez Bolsonaro ainda não tenha sacado que estão lhe cassando o mandato eletivo, ou talvez ele ache que sem caneta lhe deixarão com o cargo. Talvez.

O problema é que essa “cassação”, se aprovada, também valerá para os próximos presidentes da República.

Economia

Autonomia do Banco Central vai à votação sem consenso

Propostas que dão autonomia ao Banco Central para executar a política monetária (determinar a quantidade de moeda em circulação, a oferta de crédito e as taxas de juros na economia brasileira para controlar a inflação) estão em discussão no Congresso Nacional desde a década de 1990 e nunca se chegou a um consenso para aprová-las.

Divergências a respeito da função do Bacen e do que a economia e o país podem ganhar ou perder com diretores tendo mandato fixo nunca foram apaziguadas entre os dois campos opostos. Para os favoráveis à garantia de mandato com prazo determinado para o presidente e os diretores do Banco Central, a autonomia impedirá trocas de dirigentes pela simples vontade presidencial ou por pressões político-partidárias e eleitorais. Também acreditam que dará segurança jurídica às decisões econômicas e evitará cenários como os de presidentes da República concorrendo à reeleição que não permitem ao BC elevar juros, causando instabilidade no mercado antes de renovar seu mandato, por exemplo.

Já os que são contra a tese defendem que o desalinhamento institucionalizado entre a diretoria do banco e o Executivo gera prejuízos ao país, já que o governo perde a capacidade de estimular o crescimento da economia em épocas de crises, como a que o mundo vive com a pandemia de covid-19, utilizando a política monetária em sintonia com a política fiscal (arrecadação de receitas e execução de despesas buscando crescimento com baixo desemprego, estabilidade de preços e distribuição de renda). Além disso, o Bacen poderia passar a se submeter aos interesses do mercado financeiro.

Tornar o Banco Central autônomo foi uma das promessas de campanha do então candidato a presidente da República, Jair Bolsonaro, em 2018. Outros candidatos como Fernando Haddad (PT) defendiam a ação autônoma do BC, mas sem aprovar legislação específica para isso, mais ou menos o que já ocorre hoje.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, decidiu pautar o Projeto de Lei (PLP) 19/2020 – Complementar para terça-feira (3), para que a maioria finalmente decida o destino da instituição. A pauta completa da Sessão Deliberativa Remota da terça-feira será divulgada no dia 2 de novembro.

O PLC 19/2020 dá autonomia, não independência ao BC: sendo autônomo, ele ainda tem algum grau de subordinação ao governo federal, sendo independente, pode implantar políticas monetárias sem discussão prévia com nenhuma esfera de poder.

Missão do BC

O Banco Central é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, cujo propósito fundamental é manter a inflação sob controle, próxima à meta estabelecida que varia ao longo dos anos. Para fazer com que as expectativas de inflação se aproximem dessa meta (4% para 2020), a instituição usa como instrumento a taxa de juros básica (Selic), elevando-a ou diminuindo-a de acordo com o cenário econômico.

“Uma inflação alta penaliza toda a sociedade e especialmente os mais pobres que não conseguem se proteger da perda do poder de compra. Assegurar níveis baixos de inflação, ou proteger o poder de compra da população, aliados à promoção de crescimento econômico, é o principal objetivo do Banco Central”, explicou à Agência Senado o consultor legislativo Benjamin Tabak.

O Bacen também é o “banco dos bancos”, atua para manter o fluxo de recursos necessários ao bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional (SFN), para que as instituições cumpram suas obrigações e para que haja a quantidade ideal de moeda disponível e circulando, liquidez no mercado.

Algumas correntes econômicas defendem que o Bacen deveria ter “mandato legal duplo”, como já ocorre em outros países desenvolvidos como os Estados Unidos, com o Federal Reserve Board (Fed), o banco central americano, ou seja: que ao lado de conter a inflação (o mandato oficial, no caso brasileiro), esteja explícito que sua missão também seja a geração de emprego e renda, o que garantiria a atuação sintonizada de Banco Central e Tesouro Nacional. A versão do PLP 19/2019 que vai ao Plenário nos próximos dias menciona a preocupação com o emprego e a renda, e o presidente do Bacen, Roberto Campos Neto, veio ao Senado na quinta-feira (29) para referendar o texto elaborado pelos parlamentares.

Mandato no BC

A presidência do Banco Central, hoje ocupada pelo economista Roberto Campos Neto, e os outros oito integrantes da diretoria colegiada são indicados pelo presidente da República e passam por sabatina e aprovação no Senado Federal. Mas o Executivo pode demiti-los quando quiser, sem precisar de justificativas. Esse é o principal ponto a ser alterado pelo PLP 19/2019 – Complementar. Ao estabelecer um mandato fixo para os diretores, o Bacen ganha autonomia em relação ao governo federal, apesar de ainda precisar se submeter ao Conselho Monetário Nacional (CMN). No entanto, a ideia está longe de ser consensual.

Para o economista Bruno Moretti, o Bacen não deveria atuar com autonomia em relação ao governo federal, principalmente num contexto de crise econômica, quando o governo precisa usar instrumentos monetários e fiscais combinados para estimular a retomada do crescimento e a geração de emprego e renda. Por isso, para ele, a proposta não deveria ser aprovada.

“Não concordo com a tese de que é preciso se livrar das influências políticas para que o Banco Central desempenhe adequadamente a sua função. Na verdade, esse conceito de autonomia do Banco Central é um conceito falso, ele não será um Banco Central autônomo, haverá um risco muito grande de captura da política monetária pelas pressões de mercado, e é isso que me preocupa e me faz ser contrário à autonomia, precisamente o risco que há de captura do Banco Central e da política monetária pelo mercado”, disse em entrevista à Agência Senado.

Moretti explicou que o Bacen operando em harmonia com o Tesouro Nacional é fundamental para não ceder a pressões do mercado, e a autonomia em relação ao governo eleito, seja ele qual for, pode causar dificuldades de coordenação dos esforços de política econômica e fiscal para promover o crescimento econômico.

O economista acrescentou que não adianta comparar o Brasil com outros países desenvolvidos com bancos centrais autônomos (Japão e Estados Unidos, além da União Europeia), já que o momento em que isso foi feito por lá é totalmente distinto do que os brasileiros vivem agora, de crise.

“O momento atual é dos BCs passarem a usar instrumentos de política econômica não convencionais. Ou seja, as taxas de juros já estão muito baixas, você precisa atuar com outras políticas para estimular a retomada da economia, com o lado monetário. São as chamadas políticas de afrouxamento monetário. O momento do mundo é de integrar os BCs ao esforço de reconstrução da economia, não de fazer um BC autônomo e com mandato único”, detalhou.

Oposição aponta equívoco

A oposição é contra a iniciativa e já anunciou o voto pela rejeição. Segundo o senador Humberto Costa (PT-PE), é desnecessária uma lei para garantir autonomia ao BC, que já atua com bastante independência no país há décadas.

“Eu entendo que essa é uma proposta equivocada, pois significa tirar todo o poder do governo em relação à determinação da política monetária. Entregamos o controle do Banco Central nessa linha a segmentos que são fortemente vinculados ao próprio setor financeiro. Perde o governo a capacidade de utilizar a política monetária para estimular as atividades de crescimento, subordinando-se apenas à busca do controle da inflação”, avaliou o petista.

O líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), também se manifestou, via Twitter: “O PT é CONTRA este projeto! E ainda tem gente que quer colocar o nosso posicionamento em dúvida com suposições fantasiosas”.

Antes do adiamento da análise da proposta, na sessão plenária do último dia 21, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) criticou a votação segundo ele apressada de um tema tão controverso, em plena pandemia, e refutou a justificativa de que a matéria está há muito tempo em discussão e precisa ser votada logo (o texto de Plínio Valério reproduz o teor de uma proposta de 2007 do ex-senador Arthur Virgílio).

“Outro argumento que é muito reiterado aqui, gostaria de enfatizar, é a questão de a matéria ser antiga. A matéria, às vezes, é antiga por quatro razões: ou porque é muito polêmica, ou porque é inconclusa, ou porque é complexa, ou porque é irrelevante. Eu não acredito que a autonomia do Banco Central seja irrelevante. Portanto, se está tramitando há muito tempo, é porque é polêmica e inconclusa. Portanto, não deveria ser pautada na pressa”, afirmou.

Na mesma reunião, o senador Weverton (PDT-MA) se posicionou contra o PLP 19/2019:

“O PDT é totalmente contra a questão da autonomia do Banco Central.”

Relatório

O senador Telmário Mota (Pros-RR) apresentou seu relatório de Plenário à proposta no último dia 19. Para ele, é importante aprovar a matéria para evitar que um governo “com viés populista, seja de esquerda ou direita”, deixe de agir para, por exemplo, elevar a taxa básica de juros da economia por causa de pressões político-partidárias ou eleitorais.

“Quando um governo concede autonomia a um banco central, ele está abdicando do poder de manipular a política monetária. Com isso, deixa de influenciar no crescimento econômico fugidio de curto prazo, mas ganha credibilidade junto ao público”, opinou o relator.

Telmário acatou uma emenda do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e utilizou no relatório uma sugestão do senador Eduardo Braga (MDB-AM) para buscar ampliar a chamada missão do Bacen. Se hoje o seu principal objetivo é o controle da inflação e a estabilidade dos preços, com o projeto, a instituição deve também — sem prejuízo do combate à inflação — suavizar as flutuações econômicas (ou seja, ao decidir aumentar os juros, não o fazer muito rapidamente, para que não se reduza a atividade econômica de forma abrupta), zelar pela solidez e eficiência do Sistema Financeiro Nacional e buscar o pleno emprego.

Esse dispositivo, segundo Bejamin Tabak, ameniza as críticas dos contrários à autonomia, pois fica claro que a instituição deve atuar também para diminuir o desemprego.

Mas Bruno Moretti não concorda com esse ponto:

“Na minha visão, quando o projeto fala ‘sem prejuízo de seu objetivo fundamental’, na verdade ele confere ao Banco Central um mandato único. Todas as medidas do Banco Central vão poder ser justificadas no mandato dele, que é o controle da inflação, o que não é errado, mas ele precisaria ter os dois instrumentos operando juntos. O Fed tem os dois instrumentos, o mandato para cumprir as duas metas relacionadas a emprego e inflação, e não é por outra razão que ele é, entre os bancos centrais, o que está atuando mais ativamente para retomar as condições de crescimento da economia americana.”

Outro aprimoramento apresentado por Telmário foi explicitar a determinação legal para que o Conselho Monetário Nacional estabeleça as metas para a política monetária, cabendo ao Banco Central cumpri-las, o que deixa clara a autonomia, não a independência da instituição.

“Além das prestações de contas ao Parlamento, essa é uma forma de submeter um banco central autônomo aos ditames de um governo eleito”, justificou o relator.

Vício no projeto

Outro ponto de divergência na proposta diz respeito a um suposto vício de iniciativa. Bruno Moretti acredita que a autoria do texto deve ser do Executivo, como é o caso do PLP 112/2019, e não do Legislativo, como o PLP 19/2019.

“Sou economista, não advogado, mas entendo que ela tem vício de iniciativa. O projeto de iniciativa do Poder Legislativo está se referindo a matérias administrativas, da organização pública, do Poder Executivo. Creio que, ainda que no mérito haja divergências, é preciso discutir essa questão do vício de iniciativa em torno desse projeto. Não acredito que ele tem condições legais, formais de ser aprovado”, opinou.

Em seu relatório, Telmário Mota refuta a tese de que o texto fere a Constituição, pois cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

“Ademais, o assunto não figura entre as competências privativas do presidente da República, previstas nos arts. 61 e 84 de nossa Constituição. Quanto à espécie normativa utilizada, verifica-se que a escolha de veiculação da matéria por um projeto de lei complementar revela-se adequada. Conforme dispõe o art. 192 da Constituição Federal, o Sistema Financeiro Nacional será regulado por leis complementares”, diz o relatório.

https://www.esmaelmorais.com.br/2020/10/ao-vivo-requiao-cobra-lula-ciro-haddad-e-dino-sobre-independencia-do-bc/

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