Câmara aprova projeto que autoriza governo quebrar patente para produzir vacinas

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (6/7) o Projeto de Lei 12/21, do Senado, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), que permite ao governo federal quebrar a patente para produzir medicamentos e vacinas nos casos de emergência nacional ou internacional em saúde. Devido às mudanças, a proposta retorna ao Senado.

Segundo o texto aprovado, o detentor da patente ou do pedido dela, caso ainda não obtida, receberá o valor de 1,5% do preço líquido de venda do produto derivado da patente a título de royalties até que seu valor venha a ser efetivamente estabelecido.

Entretanto, no caso de pedidos de patente, os valores somente serão devidos se ela vier a ser concedida; e o pagamento corresponderá a todo o período da licença compulsória concedida a outros fabricantes não autorizados antes da quebra da patente.

Esforço suprapartidário

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que relatou a matéria na Câmara, lembrou que o tema da licença compulsória de patentes tem merecido destaque em todo o mundo, principalmente por causa do processo de imunização contra a Covid-19. “Vamos dotar o Brasil de uma das mais avançadas leis sobre licença compulsória de patentes”, afirmou.

O texto aprovado prevê ainda que, no arbitramento da remuneração, serão consideradas as circunstâncias de cada caso, levando-se em conta o valor econômico da licença concedida, sua duração, as estimativas de investimentos, os custos de produção e o preço de venda no mercado nacional.

Segundo o texto, a quebra poderá ocorrer ainda quando o Congresso Nacional reconhecer estado de calamidade pública de âmbito nacional.

Economia

A quebra de patente é uma expressão usualmente usada para situações em que o poder público deixa de reconhecer a exclusividade de exploração de um determinado produto pelo desenvolvedor ou inventor em momentos excepcionais, atribuindo a fabricantes aptos uma licença compulsória para a produção por tempo determinado.

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Para o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) é um absurdo, diante de uma pandemia com essa proporção, com as mortes espalhadas por todo o mundo, estarmos com o monopólio de quem detém as patentes em vigência, como existe nesse momento.

“Ninguém aqui quer quebrar a patente. Nós queremos suspender o monopólio. Não à toa essa necessidade internacional que os Estados Unidos, que é a pátria do capitalismo, começou a fazer a defesa da suspensão no monopólio das patentes nos organismos internacionais, como a China, com debate na União Europeia, e como um país que sempre fez essa defesa”, argumentou.

Limite da propriedade intelectual

Ao defender o projeto, o deputado Henrique Fontana (PT-RS), que também é médico, afirmou que o direito à propriedade intelectual precisa ter limites. “Não é razoável que o direito à propriedade intelectual tenha mais força que o direito à vida, muito especialmente em momentos de crise sanitária profunda, global e muito mais grave no nosso País, como é o enfrentamento da pandemia de coronavírus” argumentou.

Fontana lembrou que o Brasil tem, neste momento, em dados do dia 5 de julho, 525.112 mortes. É o segundo país com o maior número de mortes do mundo e o 68º país mais atrasado do mundo na vacinação. “E o que chama a atenção aqui é que o esforço do Parlamento, que chega em boa hora, sempre é mais lento do que a ação do Executivo, porque esta licença compulsória para a produção de vacinas no Brasil e de outros insumos necessários já poderia estar sendo executada neste momento”, afirmou.

O deputado do PT gaúcho lamentou ainda a decisão “equivocada do presidente Bolsonaro”, que embarcou no caminho de não atuar a favor da liberação de patentes, enquanto países, como a Índia e outras nações, reivindicavam, no debate internacional, a licença compulsória de patentes. Bolsonaro colocou o Brasil numa posição atrasada de manter o licenciamento, de não autorizar esse licenciamento compulsório.

“Então, aqui está claro neste projeto que, tanto o Parlamento, como o Executivo, em situações de emergência sanitária, poderão, sim, abrir mão deste mecanismo da licença compulsória”, afirmou Fontana, citando que isso já foi feito durante o governo Lula para enfrentar a Aids, fazendo o licenciamento compulsório. “E aqui, o Brasil deve, sim, perseguir a produção das suas próprias vacinas porque o País tem acúmulo, do ponto de vista do seu desenvolvimento científico e tecnológico, para produzir vacinas, para avançar neste processo.

Lista

Para poder quebrar a patente, o Executivo deverá publicar uma lista de patentes ou de pedidos de patente de produtos potencialmente úteis ao enfrentamento das situações de emergência.

A publicação deverá ocorrer em até 30 dias do reconhecimento da emergência ou calamidade pública. Para sua elaboração, deverão ser consultados entes públicos, instituições de ensino e pesquisa e outras entidades representativas da sociedade e do setor produtivo.

Na lista não poderão figurar as patentes e os pedidos de patentes que forem objetos de acordos de transferência da tecnologia de produção ou de licenciamento voluntário se capazes de assegurar o atendimento da demanda interna.

Nessa lista, deverão constar o número individualizado das patentes ou pedidos; a identificação dos titulares; e a especificação dos objetivos para os quais será autorizado cada licenciamento compulsório (produção de vacinas, por exemplo).

Avaliação

Depois de 30 dias da publicação da lista, prazo prorrogável por igual período, o Executivo fará uma avaliação individualizada das tecnologias listadas. A licença compulsória somente será concedida a produtores que possuam capacidade técnica e econômica comprovadas para a produção do produto.

O texto aprovado pelos deputados determina ainda que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) deverá dar prioridade de análise aos pedidos de patente que forem objeto de licença compulsória.

Se o Executivo federal considerar que o titular da patente assumiu compromisso objetivo capaz de assegurar o atendimento da demanda interna, o produto poderá ser retirado da lista daqueles que podem ser licenciados compulsoriamente.

Esse atendimento de demanda deve ser quanto ao volume, preço e prazo compatíveis com as necessidades da emergência nacional, de interesse público ou do estado de calamidade pública.

Compartilhamento de dados

O titular da patente quebrada deverá fornecer as informações necessárias e demais aspectos técnicos e testes para a produção do produto, sob pena de nulidade da patente. De igual forma, as instituições públicas também deverão compartilhar dados que possuam.

Os produtos que estiverem sujeitos ao registro da vigilância sanitária somente poderão ser comercializados após a concessão de autorização definitiva ou em caráter emergencial.

Países carentes

A lei de patentes (Lei 9.279/96) também será alterada para garantir a licença compulsória para o Brasil exportar o produto a países com insuficiente ou nenhuma capacidade de fabricação no setor farmacêutico para atender sua própria população. Essa ação será fundamentada em razões humanitárias e deverá ser tomada nos termos de tratado internacional do qual o Brasil seja parte.

Segundo o texto aprovado, independentemente das novas regras, o Brasil deverá se esforçar perante a comunidade internacional, principalmente junto à Organização Mundial da Saúde (OMS), a fim de viabilizar o acesso da população mundial aos produtos farmacêuticos, vacinas e terapias necessários ao combate efetivo de crises de saúde pública de interesse internacional.

Emenda rejeitada
O Plenário rejeitou emenda do deputado Bohn Gass (PT-RS) que pretendia mudar várias regras no procedimento de quebra de patentes, como um limite máximo de 3% de royalties após a definição do preço.

Após apelos do relator, o PT e o Psol desistiram dos outros destaques apresentados.