Câmara aprova homeschooling, mas proposta pode parar no Senado

A Câmara dos Deputados concluiu nesta quinta-feira (19/05) a votação do projeto de lei que regulamenta a prática da educação domiciliar no Brasil, prevendo a obrigação do poder público de zelar pelo adequado desenvolvimento da aprendizagem do estudante. A matéria será enviada ao Senado, que pode desacelerar a tramitação devido ao período eleitoral.

O deputado José Guimarães (PT-CE), vice-presidente nacional do PT, disse que o homeschooling é retrocesso na educação brasileira.

Os parlamentares da oposição se manifestam em plenário contra a proposta de homeschooling aprovada hoje.

– Quem defende o homeschooling não entende nada de educação. As escolas são espaços fundamentais para garantir o direito pleno à educação e à socialização. Isso é consenso desde a Revolução Francesa. Esse é o tamanho do retrocesso – afirmou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Segundo o PSOL na Câmara, o projeto do “homeschooling” é promessa de campanha de Bolsonaro a setor cristão conservador – que se acha no direito de segregar crianças com a desculpa de “afastar os filhos de influências e ideologias.

Ao encaminhar o voto contrário do PT, a deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) enfatizou que a educação brasileira, conforme a Constituição, é dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade. “Onde a sociedade e o Estado brasileiro estarão se a criança ou o adolescente tiver a educação escolar dentro de sua casa? Como é que vamos aceitar uma situação dessas?”, indagou.

Economia

A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que era preciso discutir a proposta a partir do que está na Constituição, nossa legislação: o direito maior da criança. “A criança é prioridade absoluta, a única prioridade absoluta, na nossa Constituição. O direito da criança a uma socialização, a um espaço onde ela possa lidar com o outro, onde ela possa lidar com as diferenças, é absolutamente fundamental. O direito dos pais não pode sobrepassar ou suplantar o direito das crianças”, reiterou.

Ao se posicionar contra o projeto, o deputado Rogério Correia (PT-MG), que é professor, enfatizou que a educação tem sido o alvo predileto do ataque do bolsonarismo. Ele afirmou que desde que o governo Bolsonaro entrou, “nós recebemos ataques quase que diários no sistema educacional público brasileiro. Mas não é de se estranhar. A ultradireita sempre fez isso em qualquer parte do mundo. Hitler chegou a queimar livros — ele e seus nazistas na Alemanha — porque discordava de um ensino que pudesse ser público e queria impedir que as ideias fossem plurais e que a sociedade tivesse conhecimento delas”.

Essa ideia de homeschooling, segundo Rogério Correia, é uma contraposição, na verdade, à ideia da escola pública. Ele afirmou que o que há por trás dessa proposta é uma visão elitista, “um certo medo de que as coisas se misturem na sociedade”. E elas, enfatizou o deputado, precisam se misturar, “porque nós defendemos uma igualdade social, defendemos que todos tenham pleno direito”, argumentou.

Na avaliação do deputado, é preciso fortalecer a escola pública, fazer da escola pública um local de ensino integral para aqueles que dela precisam e ampliar o ambiente escolar. “Ter as crianças na escola, ter diversidade de cultura, ter diversidade de cor, ter diversidade de ideologia, isto ajuda a formatar um sentido de convivência e de solidariedade entre as pessoas. A escola é isto também, um local onde as ideologias se confrontam. A partir daí, o convívio passa a ser democrático. Retirar das crianças a oportunidade de estar na escola é fazer com que, em vez da diversidade, a individualidade prevaleça na sociedade”.

O deputado Pedro Uczai (PT-SC), que também é professor, rebateu o argumento dos defensores da escola domiciliar de que o ponto de partida do processo educacional é o pai, a mãe ou o responsável. “Esse conceito é falso. Nós conquistamos, no mundo contemporâneo, no mundo moderno, o direito de a criança ter o processo educacional. O que a maioria está votando aqui é dizer que os milhões de professores deste País, que fizeram faculdade, pós-graduação, mestrado e doutorado, são incompetentes para produzir o processo educacional. Estão nos chamando de incompetentes, de despreparados”, denunciou.

Contrário à escola domiciliar, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) alertou que o projeto se esconde em um verbete que não é na nossa língua, homeschooling. “Está escondendo alguma coisa. Educação é na escola. Nós deveríamos estar falando disso neste momento. E nós estamos renegando o nosso português, é o absurdo dos absurdos. Além disso, hoje é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, e sabemos que 80% desses abusos ocorrem dentro das suas casas”, afirmou.

“Ora, se o Estado não tem condição de, em toda a extensão territorial deste País, produzir um ensino de qualidade, imaginem assegurar e fiscalizar poucos, cerca de 11 mil famílias, no homeschooling. Só pode ser uma brincadeira, um escárnio. Qual a urgência que tem isso?”, indagou Joseildo.

O texto do homeschooling aprovado pela Câmara, que pode ser barrado no Senado

Por unanimidade, TJPR declara inconstitucional lei de homeschooling sancionada por Ratinho Junior
Por unanimidade, TJPR declarou inconstitucional lei de homeschooling sancionada por Ratinho Junior em 2020

O texto aprovado é um substitutivo da deputada Luisa Canziani (PSD-PR) para o Projeto de Lei 3179/12, do deputado Lincoln Portela (PL-MG). Para usufruir da educação domiciliar (também chamada pelo termo em inglês, homeschooling), o estudante deve estar regularmente matriculado em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do aprendizado.

Pelo menos um dos pais ou responsáveis deverá ter escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica em curso reconhecido. A comprovação dessa formação deve ser apresentada perante a escola no momento da matrícula, quando também ambos os pais ou responsáveis terão de apresentar certidões criminais da Justiça federal e estadual ou distrital.

Nas votações desta quinta-feira, o Plenário rejeitou todos os destaques apresentados pelos partidos na tentativa de mudar trechos do texto.

“O projeto traz uma série de balizas para que possamos assegurar o desenvolvimento pleno dessas crianças. Defender o homeschooling não é lutar contra a escola regular, é defender mais uma opção para as famílias brasileiras”, disse Luisa Canziani.

Crime e encarceramento

Ao defender a matéria, o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que o texto aprovado descriminaliza a atividade. “Hoje, temos polícia na porta dos pais e conselho tutelar cobrando a presença das crianças na escola”, afirmou.

Já o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) lembrou que 11 mil famílias já optaram pela educação domiciliar. “Nós temos que atender a todos”, argumentou.

Contra o projeto, o deputado Rogério Correia (PT-MG) teme que o ensino domiciliar prejudique o convívio social das crianças. “O que se está propondo é um encarceramento de crianças e de jovens. Encarceramento ideológico, religioso, político, social. É uma visão errada”, afirmou.

O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) acusou a proposta de seguir interesses do mercado. “A partir do momento em que se aprova e se regulamenta a educação domiciliar, aumenta a necessidade de produção de materiais didáticos específicos para o atendimento a essas famílias.”

Transição

Se o projeto for aprovado pelo Senado e virar lei, as regras entrarão em vigor 90 dias após sua publicação e para quem optar pela educação domiciliar nos dois primeiros anos haverá uma transição quanto à exigência de ensino superior ou tecnológico.

Deverá haver a comprovação da matrícula em instituição de ensino superior ou de educação profissional tecnológica, comprovação anual de continuidade dos estudos com aproveitamento e conclusão em período de tempo que não exceda em 50% o limite mínimo de anos para seu término.

Obrigações da instituição

O texto lista algumas obrigações das escolas nas quais o aluno de educação domiciliar estiver matriculado, como a manutenção de cadastro desses estudantes, repassando essa informação anualmente ao órgão competente do sistema de ensino. A escola deverá ainda acompanhar o desenvolvimento do estudante por meio de docente tutor da instituição de ensino, inclusive com encontros semestrais com os pais ou responsáveis, com o educando e, se for o caso, com o preceptor.

No caso de estudante com deficiência ou transtorno global de desenvolvimento, equipe multiprofissional e interdisciplinar da rede ou da instituição de ensino em que ele estiver matriculado deverá fazer uma avaliação semestral de seu progresso.

A escola ou a rede de ensino deverão fazer encontros semestrais das famílias optantes pela educação domiciliar para intercâmbio e avaliação de experiências.

Já o conselho tutelar, nos termos da legislação, deverá fiscalizar a educação domiciliar.

O texto também garante isonomia de direitos e proíbe qualquer espécie de discriminação entre crianças e adolescentes que recebam educação escolar e educação domiciliar, inclusive quanto à participação em concursos, competições, eventos pedagógicos, esportivos e culturais.

Apesar de poderem receber educação domiciliar, estudantes com direito à educação especial também deverão ter acesso igualitário a salas de atendimento educacional especializado e a outros recursos de educação especial.

Pais ou responsáveis

Para garantir o aprendizado na educação domiciliar, os pais deverão cumprir os conteúdos curriculares de cada ano escolar do estudante de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, admitida a inclusão de conteúdos curriculares adicionais.

Os responsáveis terão de garantir a convivência familiar e comunitária do estudante e a realização de atividades pedagógicas para promover a formação integral do estudante, contemplando seu desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural.

Nesse sentido, terão de manter registro periódico das atividades pedagógicas realizadas e enviar, à escola na qual está matriculado, relatórios trimestrais dessas atividades.

Quando a escola à qual o aluno estiver vinculado for selecionada para participar de exames do sistema nacional, estadual ou municipal de avaliação da educação básica, o estudante de educação domiciliar deverá também participar dessas avaliações anuais de aprendizagem.

Impedimentos

O PL 3179/12 proíbe que pais ou responsáveis sob determinadas condições optem pela aplicação da educação domiciliar. Assim, não poderão fazer a opção aqueles condenados ou em cumprimento de pena por crimes previstos:

  • no Estatuto da Criança e do Adolescente;
  • na Lei Maria da Penha;
  • no Código Penal, quando suscetíveis de internação psiquiátrica;
  • na Lei de Crimes Hediondos; e
  • na lei de crimes relacionados a drogas (Lei 11.343/06).

Entretanto, aqueles que puderem optar pela educação domiciliar não responderão por abandono intelectual da instrução primária, conforme previsto no Código Penal, que prevê detenção de 15 dias a um mês ou multa.

Avaliações

Quanto às avaliações para certificar a aprendizagem, o texto aprovado remete sua realização à escola na qual o estudante está matriculado. Para a educação pré-escolar, será realizada uma avaliação anual qualitativa e cumulativa dos relatórios trimestrais que os pais devem enviar.

Nos ensinos fundamental e médio, além desses relatórios, deverá haver avaliação anual com base no conteúdo curricular, admitida a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB).

Se o desempenho do estudante nessa avaliação anual for considerado insatisfatório, uma nova avaliação, em caráter de recuperação, será oferecida no mesmo ano.

Quanto à avaliação para o estudante com deficiência ou transtorno global de desenvolvimento, ela será adaptada à sua condição.

Perda do direito

Os pais ou os responsáveis legais perderão o direito de optar pela educação domiciliar em quatro situações:

  • se forem condenados pelos crimes tipificados nas leis citadas;
  • quando a criança, na educação pré-escolar, mostrar insuficiência de progresso em avaliação anual qualitativa em dois anos consecutivos;
  • se o estudante do ensino fundamental ou médio for reprovado em dois anos consecutivos ou em três anos não consecutivos ou se não comparecer a elas sem justificativa; ou
  • se o estudante com deficiência ou transtorno global do desenvolvimento, de acordo com suas potencialidades, obtiver insuficiência de progresso em avaliação semestral por duas vezes consecutivas ou três vezes não consecutivas.

Com informações são da Agência Câmara