O Senado avançou no combate aos danos sociais das apostas online ao aprovar, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o escalonamento da tributação sobre as bets, movimento que desmonta a falsa narrativa do lobby do setor de que impostos maiores estimulariam o mercado clandestino. O texto-base passou com 21 votos favoráveis e caráter terminativo, podendo seguir direto para a Câmara.
A aprovação integra o PL 5.473/2025, de Renan Calheiros (MDB-AL), que também cria um programa de regularização para pessoas físicas de baixa renda e corrige distorções na tributação de lucros enviados ao exterior.
O relator Eduardo Braga (MDB-AM) retirou trechos que afetavam lucros e dividendos após pressão da equipe econômica, mas manteve o acordo da semana passada, incluindo o aumento da alíquota de JCP para 17,5% e o escalonamento específico para as plataformas de apostas. Ele também ajustou artigos sobre vigência das regras, garantindo que o novo desenho tributário entre em vigor no quarto mês após a publicação da lei, enquanto as normas relativas ao crédito tributário para residentes no exterior valerão apenas no ano seguinte.
Para as bets, a alíquota sobe para 15% em 2026 e 2027 e chega a 18% em 2028. As mudanças atingem também fintechs e instituições financeiras, que terão elevação gradativa de CSLL, variando de 9% a 12% em 2026 e 15% em 2028, e de 15% a 17,5% em 2026, chegando a 20% em 2028. A nova arrecadação será direcionada à seguridade social, com prioridade para ações de saúde, e poderá ser parcialmente repassada a estados e municípios entre 2026 e 2028 para compensar perdas na arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Física.
A aprovação desmonta a pressão das casas de apostas, que tentam convencer parlamentares de que a tributação empurraria jogadores para sites ilegais. A tese carece de comprovação. O que efetivamente amplia o submundo da jogatina é a falta de fiscalização, a ausência de rastreabilidade e a captura regulatória. Imposto não cria crime, mas impunidade cria. O projeto ainda introduz mecanismos robustos de combate à lavagem de dinheiro, exigindo relatórios semestrais de conformidade e responsabilizando a divulgação de propaganda de operadoras ilegais, além de integrar empresas financeiras a sistemas antifraude.
A ofensiva das bets cresce à medida que o setor tenta blindar lucros bilionários. Mesmo com impostos maiores, as plataformas seguem amplamente rentáveis. E lucram sobre uma atividade que produz adoecimento, endividamento e destruição familiar. Pesquisas do SUS, da USP e de especialistas do Hospital das Clínicas apontam o vício em apostas como uma epidemia que já pressiona serviços de saúde mental. O PL aprovado reconhece essa realidade ao instituir o Índice de Conformidade Regulatória em Apostas (ICRA), que medirá o grau de adesão das operadoras às regras de prevenção ao endividamento e irregularidades, podendo restringir ou liberar benefícios conforme o desempenho.
Os danos vão além da saúde psíquica. Há casos constantes de perda de casas, carros e renda, levando famílias ao colapso financeiro. Esse impacto recai sobre o Estado, que precisa ampliar atendimento em CAPS, assistência social e emergências psiquiátricas. O lobby tenta esconder essa realidade e insiste em falsos dilemas, como o risco de fuga para plataformas clandestinas, argumento sem sustentação técnica. Para enfrentar o endividamento crescente, o PL cria o Pert-Baixa Renda, programa que regulariza dívidas de pessoas com renda mensal de até R$ 7.350, com descontos integrais para quem ganha até R$ 5 mil.
Outro vetor que agrava o vício é a publicidade. Por isso, cresce a defesa de proibir propaganda de bets na internet e na radiodifusão, como ocorreu com cigarros. A publicidade atua como gatilho para dependentes, normaliza o vício entre jovens e reforça a ilusão de ganho fácil. A restrição protege vulneráveis, previne recaídas e reduz danos de forma imediata. O projeto votado na CAE também responsabiliza financeiramente empresas que facilitam ou veiculam anúncios de operadores ilegais.
O estudo da LCA Consultoria, citado pelo próprio lobby, indica que quase metade das apostas ocorre em plataformas ilegais. O dado reforça que a solução é mais regulação, mais rastreamento e mais presença do Estado. Impostos são parte do mecanismo, não o inimigo. O SUS, universidades e especialistas são unânimes: sem responsabilização do setor, a epidemia do vício tende a piorar. Estimativas oficiais apontam impacto fiscal positivo de R$ 5 bilhões em 2026, R$ 6,3 bilhões em 2027 e R$ 6,7 bilhões em 2028, recursos vitais para reforçar a saúde pública.
A decisão da CAE sinaliza que o Parlamento entendeu o tamanho do problema e não aceita ser tutelado pelo lobby da jogatina. Nas discussões, Eduardo Braga demonstrou indignação com mudanças solicitadas pelo Ministério da Fazenda, enquanto o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), defendeu que o acordo anterior fosse mantido, assumindo o risco político para garantir a aprovação.
Regular com firmeza, tributar com responsabilidade e proibir a propaganda não são medidas isoladas. São instrumentos que protegem vidas, financiam o SUS e impedem que o crime organizado avance sobre uma atividade que opera à margem do interesse público.
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Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
