As cinzas da democracia

Ricardo Cappelli*

Tresloucado ou estrategista tentando “trucar” o sistema? O que move Bolsonaro?

O país foi dormir apreensivo no último dia de carnaval. As revelações da jornalista Vera Magalhães confirmaram o que já se suspeitava: o “Foda-se” é articulado diretamente pelo Palácio do Planalto.

Depois de o general Heleno agredir o Congresso, o presidente espalhou pelas redes a convocação para a manifestação do próximo dia 15 de março. Seu alvo? O Congresso Nacional.

As primeiras reações na oposição foram de espanto e repúdio. No calor da emoção, o impeachment voltou a circular. Há correlação de forças na sociedade para derrubá-lo?

As últimas pesquisas convergem em duas questões. A aprovação do Capitão subiu, pela primeira vez superando sua reprovação. E a imagem do Congresso continua na lona.

Economia

Não existe na história do país caso de presidente impedido gozando de razoável apoio popular. Collor e Dilma estavam com suas popularidades esmagadas quando foram depostos.

Qual o estopim da atual manobra? A ofensiva de deputados e senadores pra cima do orçamento, ampliando sua rigidez e garantindo vultosas emendas impositivas para suas bases eleitorais. A convocação da manifestação diz que eles estão assaltando o país em 30 bilhões.

As emendas impositivas têm tudo para virar o próximo escândalo nacional. A polícia federal está “atenta”. Basta o deslize de um prefeito para o carro alegórico da corrupção voltar para a avenida com tudo, atropelando os deputados.

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Quem vai para a arquibancada defendê-los?

Bolsonaro procura fazer o que muita gente na esquerda defendia que Lula fizesse. Um governo em permanente movimento, com suas bases sociais mobilizadas em torno de uma agenda, pressionando o Congresso e as instituições de fora para dentro.

Além de apoio popular, Jair possui ao seu lado os homens armados do país. Não é pouco. Toda semana ele frequenta formaturas da tropa nas Forças Armadas. Olavo de Carvalho montou um curso gratuito pelas redes para polícias militares. Que tal?

São estes elementos que dão sustentação à escalada autoritária. Sem sair do palanque, ele mantém inalterado seu posicionamento de “herói anti-establishment”.

É um figurino conveniente. Para qualquer sobressalto em seu governo, uma resposta única: “enfrento a sabotagem permanente de um sistema corrupto e viciado”. Estressar as instituições é parte do plano.

É pouco provável que o jogo tenha algum desfecho no parlamento ou no STF. E será curioso se a esquerda – que acabou de gritar “É Golpe!”- apostar neste caminho.

Já imaginaram Bolsonaro nas manifestações defendendo a vontade das urnas contra os “golpistas”? Um prato cheio para um contragolpe que “resguarde a soberania popular”.

Temos no poder uma extrema direita com base social, apostando na sua força popular. Batalhas deste tipo são decididas nas ruas, na sociedade.

Apesar de ainda incipiente, a construção de uma Ampla Frente em Defesa da Democracia parece ser o único caminho para a oposição.

Na quarta-feira de cinzas, um cheiro ruim ronda o Brasil. É a democracia que está no fogo.

*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.