Artigo de Marcos Coimbra: “Os tucanos se bicam”

por Marcos Coimbra*, via CartaCapital

Sociólogo Marcos Coimbra.
Como se dizia antigamente, com os amigos que têm os tucanos não precisam de inimigos. Dia sim, outro também, seus líderes se atacam e se acusam, expondo, sem qualquer comedimento, as desavenças em público.

O protagonista do capítulo mais recente foi ninguém menos que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Justo o presidente de honra da legenda, a quem, imagina-se, estaria confiado o papel de sábio estadista!, de eixo de equilíbrio entre seus grupos e facções. Se, aos 80 anos, FHC continua a atiçar as fogueiras, imagine do que são capazes seus correligionários (e o que ele próprio fazia quando era mais jovem).

Semana passada, ele aproveitou a oportunidade de uma entrevista à  edição eletrônica da revista inglesa The Economist para falar coisas extraordinárias. Os velhos bordões a respeito de seus governos !“ na linha do fui eu que fiz tudo de bom que hoje existe! !“ estavam lá, mas em meio a algumas novidades.

Foi, provavelmente, a mais explícita manifestação sobre José Serra e suas tentativas de chegar à  Presidência. Em uma avaliação cruel e sem meias-palavras, colocou no colo do ex-candidato a responsabilidade pelas derrotas. E deixou claro seu temor de que Serra volte a representar o PSDB em futuras eleições presidenciais.

(à‰ possível que a franqueza do ex-presidente tenha uma explicação prosaica: ao que parece, preferiu dar a entrevista em inglês. Embora FHC se orgulhe de conseguir se expressar muito bem nesse idioma, nunca é a mesma coisa que falar em português. Fogem as palavras para os eufemismos e os circunlóquios. As coisas ficam mais duras: pão é pão, queijo é queijo.)

Economia

Não que fizesse revelações. A história de como Serra tornou-se candidato em 2002, por exemplo, era conhecida. Mas não havia sido contada por FHC ou outra autoridade peessedebista: a tensão! entre os pré-candidatos do governismo de então, o modo como Serra se impôs sobre eles, sua vitória inconvincente!. Diz FHC que seu candidato natural! seria Mário Covas, se a fatalidade não o tivesse levado um ano antes. Serra foi apenas quem sobrou (depois de eliminar seus concorrentes), mas não conseguiu convencer! o eleitorado. Ou seja, a vitória de Lula !“ e o início do ciclo petista no Planalto, que não dá sinais de que terminará em 2014 !“ nada tem a ver com o julgamento desfavorável de seu governo. A culpa é de Serra.

Como é ele, também, a explicação da derrota em 2010. Sua arrogância! o impediu de formar alianças, seu isolamento! o levou a conduzir uma campanha onde erros enormes! foram cometidos. Perguntado se teria sido possível ao PSDB vencer Dilma, apesar do endosso de Lula, disse que sim. Desde que o candidato não fosse Serra.

O fascinante na formulação é que ele nunca se considera responsável pelo que faz o partido que preside. O presidente da República era ele em 2002, mas, como estava cansado de exercer a liderança política! !“ e não apenas por generosidade! !“, resolveu lavar as mãos. Em 2010, achava que Serra não era a melhor opção, mas ficou quieto (ou não conseguiu fazer nada para impedi-lo de, outra vez, se arrogar o direito de ser candidato).

Essa liderança que não lidera conflita com a autoimagem que tem. Sem qualquer modéstia !“ e pouca visão da realidade !“, FHC acha que ele e Lula são os dois únicos líderes! brasileiros dos últimos 20 anos! (o que entende ser pouco para um país tão grande!).

Como se houvesse qualquer semelhança entre as trajetórias de ambos: sem três ou quatro acidentes (a morte de Tancredo, o fracasso de Sarney, o impeachment de Collor, o desaparecimento de Covas), FHC não existiria (ou seria muito menor do que é), enquanto Lula continuaria a ser Lula, pois não precisou do acaso !“ e nem de um Plano Real !“ para chegar aonde chegou. Fernando Henrique diz que o PSDB tem de reorganizar a hierarquia da liderança! (o que, em tucanês, quer dizer definir quem manda no partido), pois ninguém surgiu para ocupar o lugar que tinha. Quanto a si mesmo, explica que tomou a decisão (!¦) de abrir espaço!, pois, na altura da vida em que está, perdeu a vontade! de liderar.

A entrevista reflete o clima em que vive o PSDB. Seu presidente de honra divide, em vez de somar. à‰ magnânimo na repartição das responsabilidades pelas derrotas, mas avaro na reivindicação dos sucessos. Acredita que cabem (somente) a Serra as culpas pelas decepções recentes. Parece ter de Geraldo Alckmin uma opinião nada elevada, nem ao menos o considerando um ator na próxima sucessão presidencial.

Quanto a Aécio, foi enfático ao dizer que é o candidato óbvio! do PSDB em 2014, mas, perguntado se teria condições de ganhar, tergiversou. Repetiu a trivialidade de que ele tem algum apoio! em Minas, mas que será obrigado a brigar com Serra para se tornar candidato. Não disse sim, nem sequer que poderia vencer.

Com lideranças desse tipo, é impossível que um partido esteja bem.

* Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.

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