O jurista e professor Luiz Fernando Pereira, especialista em Direito Eleitoral, encaminhou ao blog um artigo de sua lavra no qual defende a “Judicialização da Política” em contraposição à opinião deste blogueiro (Quer ser prefeito? Contrate um grande escritório de advocacia!) que vê exagero do Judiciário que, junto com advogados de grandes escritórios, parece querer criar uma “República da Judicialização” para legislar e governar o país.
A seguir, leia a íntegra do artigo do nobre jurista:
Judicialização da Política?
Luiz Fernando C. Pereira*
à‰ recente o anúncio que fez o Presidente do TSE sobre a cassação de mandatos pela Justiça Eleitoral no Brasil. Nos últimos dez anos foram mais de seiscentos vereadores e prefeitos. Só nos últimos três anos foram três os governadores cassados. Em algumas pessoas o anúncio causou desconforto. Logo surgiu a acusação de indevida judicialização da política!. Houve até quem ressuscitasse a conhecida frase de Carl Schimitt para embalar a crítica: com a judicialização da política, a política não tem nada a ganhar e a justiça tem tudo a perder!. Nada mais equivocado.
A assim chamada judicialização da política! tem múltiplos significados, mas nenhum pode ser cogitado em qualquer crítica que se articule ao rompimento com a antiga cultura de leniência da Justiça Eleitoral. Cassar mandato conquistado mediante fraude é manifestação de maturidade do sistema político-eleitoral brasileiro.
Nem sempre foi assim por aqui e há países que ainda não atingiram este grau de maturidade. A revolução de 1930 foi impulsionada pela crítica ao sistema eleitoral viciado da Primeira República. Daí surgiu a Justiça Eleitoral em 1932 e a justiciabilidade das questões eleitorais. Desde então a Justiça Eleitoral pode reconhecer que uma eleição foi vencida mediante fraude e restabelecer a vontade popular com a cassação do mandato viciado. Grossíssimo modo, se pode dizer que a Justiça Eleitoral revisa! o processo eleitoral, garantido a higidez do sistema político democrático. Sustentar que esta revisão! significa indevida judicialização da política! é admitir infensa ao controle do judiciário a prática de corrupção eleitoral.
A possibilidade da revisão! !“ do controle jurisdicional da higidez do processo eleitoral !“ começou na Inglaterra em 1868 (corrupt practices at elections act). Desde então, é nítida uma tendência global em direção à jurisdicionalização do contencioso eleitoral. Há países que resistem, mas se trata de inequívoco sinal de atraso. O Partido Revolucionário Institucional ficou setenta anos no poder no México, em boa medida graças à s fraudes eleitorais. Lá o Judiciário não controlava as eleições. Só na década de 90, com a eleição escandalosamente fraudulenta de Carlos Salinas, é que o México (pressionado pela Comissão Interamericana de Direito Humanos) criou um organismo eleitoral independente. O Paraguai só criou um sistema de controle depois de três décadas de eleições fraudadas, responsáveis por sustentar Alfredo Stroessner no poder. Na Europa, a Itália foi chamada a se explicar na Corte Europeia de Direitos Humanos por excluir do judiciário o combate das irregularidades eleitorais. Não por acaso, é freqà¼ente a denúncia de fraude eleitoral na Itália.
A serenidade e a estabilidade do regime democrático dependem de uma Justiça Eleitoral que exerça o efetivo controle do sistema. Este controle deve obedecer a parâmetros racionais e é insuprimível alguma tensão com os representantes eleitos. Mas nada pode justificar a crítica à própria possibilidade de controle. Mais do que isso, as críticas sugerem irresignação ao combate à s fraudes eleitorais. à‰ até de se desconfiar, portanto, de quem vocaliza a resistência ao papel da Justiça Eleitoral.
* Luiz Fernando C. Pereira, Doutor e Mestre em Direito pela UFPR, professor de Direito Eleitoral na Escola da Magistratura e em diversas instituições; ex-coordenador da especialização em Direito Eleitoral do Unicuritiba. Coautor do livro Direito Eleitoral Contemporâneo. Autor de diversos artigos na área e palestrante em eventos de Direito Eleitoral. Diretor Geral da Revista Brasileira de Direito Eleitoral. Atualmente Preside a Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PR e o Instituto Paranaense de Direito Eleitoral – IPRADE.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
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