Um governo de coabitação do ‘toma lá, dá cá’ entre Bolsonaro, generais e o Centrão

Por Milton Alves*

Nada como um dia após o outro para mostrar a verdadeira face política do presidente Jair Bolsonaro aos que se deixaram enganar pela pregação moralista de ocasião empregada por ele durante a campanha eleitoral de 2018. Evidente, que tiro dessa conta os núcleos militantes do bolsonarismo e o “partido militar”, envolvido em bilionárias falcatruas nos escaninhos ministeriais de Brasília.

Segundo Bolsonaro, em entrevista concedida à rádio Banda B, nesta quinta-feira, 22, ele se define como um político profissional do Centrão. “O Centrão é um nome pejorativo. Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo. Fui do PTB. Fui do então PFL. […] O tal Centrão são alguns partidos que lá atrás se uniram na campanha do Alckmin. Algo pejorativo. Não tem nada a ver. Eu nasci de lá”, afirmou.

Bolsonaro é um dos frutos podres da farsa da Lava Jato. Após o golpe de 2016, que degolou o mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, ganhou impulso no país a campanha de demonização e criminalização do PT e da política, criando o caldo de cultura para emergência da extrema direita bolsonarista, montada no cavalo de troia do combate à corrupção.

A farsesca campanha anticorrupção do então candidato presidencial Jair Bolsonaro catalisou e agrupou o eleitorado de classe média, principal segmento envenenado pelo ódio contra o Partido dos Trabalhadores, esvaziando a campanha da velha direita representada por Geraldo Alckmin [PSDB].

O fenômeno político da onda bolsonarista só foi possível graças ao trabalho de sapa da operação Lava Jato. Ou seja, a praga política do bolsonarismo, primo tropical do neofascismo, foi nutrida pela engrenagem movida nos diversos escalões do Ministério Público Federal e das estruturas do Poder Judiciário, açambarcadas pela visão classista do lavajatismo — que operava um arbitrário sistema de justiça, com acentuada prática punitivista e autoritária.

Economia

No quadro de histeria golpista provocada pela Lava Jato, que armou a condenação e prisão de Lula sem crime para tirá-lo da disputa presidencial, Bolsonaro cavalgou na demagogia antissistêmica contra a “velha política” e o indecifrável presidencialismo de coalizão – eufemismo para o velho toma lá, dá cá -, inaugurado pelo presidente José Sarney durante a transição pactuada com a moribunda ditadura militar.

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Sob desgaste político crescente e sem resposta para debelar a crise econômica e social, agravada pela gestão criminosa da pandemia causada pela Covid-19, o governo Bolsonaro recorreu ao bloco parlamentar do Centrão, — em troca da blindagem para não correr o risco de impeachment — e liberou mais ainda a prática do velho toma lá, dá cá. Um vale tudo de fisiologismo: Liberação de recursos para os parlamentares do grupo, entrega de cargos em ministérios e empresas estatais e a criação de uma espécie de governo de coabitação entre Bolsonaro, os generais e o Centrão.

O bloco parlamentar do Centrão, um ajuntamento de diversos partidos no Congresso, ganhou mais musculatura política no interior do governo bolsonarista, reduzindo o espaço dos generais. Bolsonaro teve que ceder a estratégica Casa Civil para o senador Ciro Nogueira [PP-PI].

Com isso, o PP, principal partido do Centrão, amarra Bolsonaro que depende, cada vez mais, da trinca pepista: Nogueira na Casa Civil, Arthur Lira [PP-AL] na presidência da Câmara dos Deputados e do enrolado Ricardo Barros [PP-PR] na liderança do governo.

Todo o esforço de Bolsonaro busca assegurar a coabitação do “toma lá, dá cá” e sobreviver até 2022, aplicando as medidas a favor do grande capital nacional e estrangeiro contra o povo trabalhador, ou seja, passando a boiada neoliberal das privatizações e da retirada de direitos, com a providencial ajuda da turma da terceira via — integrada pelos partidos da velha direita neoliberal [PSDB, MDB, DEM, Novo e de setores do PDT].

Uma saída política progressiva da crise somente virá da mobilização popular. É um erro político grave cultivar ilusões de que a maioria do atual Congresso – sob o comando de Lira e Pacheco – que sustenta o governo, sob tutela militar, votará o impeachment de Bolsonaro. Não há nada mais urgente para deter a destruição da nação do que derrubar o governo Bolsonaro, responsável pela volta da fome, do desemprego e do genocídio de quase 500 mil brasileiros pelo coronavírus.

A nova jornada de mobilização do #24J será mais um momento do combate da frente única de esquerda e dos movimentos sociais para acumulação de forças na luta pelo fim do governo de Bolsonaro e dos generais golpistas — e também para barrar as manobras políticas urdidas pela velha direita, como a proposta de semiparlamentarismo. Um expediente feito sob medida para a possibilidade de uma vitória do ex-presidente Lula nas eleições presidenciais de 2022.

*Milton Alves é ativista político e social. Autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020) e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) – todos pela Kotter Editorial. Escreve semanalmente em diversas mídias progressistas e de esquerda.