Senado pode rejeitar André Mendonça, ministro terrivelmente evangélico de Bolsonaro, para vaga no STF

Pode bater na trave a indicação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) aberta pela aposentadoria do decano Marco Aurélio Mello. O mandatário ungiu o atual ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), André Luiz de Almeida Mendonça, 48 anos, para a corte máxima. O senado da República pode rejeitar o nome terrivelmente evangélico escolhido pelo inquilino do Palácio do Planalto.

Não é comum o Senado “gongar” as indicações presidenciais para o STF, no entanto, isso já ocorreu. Em 1894, a Casa barrou o emblemático Cândido Barata Ribeiro –que na época já atuava como ministro do Supremo. Os senadores de antanho não chancelaram a indicação do presidente da novata República, Marechal Floriano Peixoto.

Na história do Senado, apenas cinco indicações do presidente para o STF foram derrubadas pelos senadores. Todas elas ocorreram no governo de Floriano Peixoto.

Há um histórico de animosidades entre o presidente da República e as instituições, que pode atrapalhar a aprovação de André Mendonça, ministro terrivelmente evangélico. Bolsonaro vem sistematicamente atacando o Judiciário e o Congresso Nacional. Aliás, Bolsonaro sempre defendeu o fechamento dessas duas instituições republicanas.

Na semana passada, durante uma live, Jair Bolsonaro acusou senadores da CPI da Pandemia de serem “patifes” e “picaretas” e disse que estava cagando para os parlamentares que investigam possíveis omissões do governo no enfrentamento da pandemia. O contexto da explosão do mandatário são mais de 530 mil mortes pela doença no País.

A indicação de Mendonça foi formalizada no Diário Oficial da União desta terça-feira (13/7). Agora é a vez dos senadores.

Economia

Se o Senado barrar pela sexta vez na história um nome para o Supremo, isso poderá ser entendido como um recado do Congresso a Bolsonaro. André Mendonça é tido como ‘porta-voz’ do presidente da República nesse ambiente turno.

O Congresso e o Judiciário ficaram nas últimas horas com o cabelo em pé, especialmente o ministro Alexandre de Moraes, ante as ameaças do presidente da República de não realizar eleições de 2022 e de não reconhecer a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso esse vença nas urnas.

O Brasil espera um Supremo Tribunal Federal terrivelmente laico, como prescreve a Constituição de 1988.

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Quem é André Mendonça, o terrivelmente evangélico indicado para o STF

Advogado, pastor e ex-ministro da Justiça por um período no governo Bolsonaro, Mendonça já era aventado como um nome possível para o posto devido a alegações anteriores, por parte do presidente, de que o novo ocupante da Suprema Corte seria um jurista “terrivelmente evangélico”.

Natural de Santos, no litoral paulista, o advogado de 48 anos é formado pela Faculdade de Direito de Bauru, no interior de São Paulo. Tem também o título de doutor em Estado de Direito e Governança Global e mestre em Estratégias Anticorrupção e Políticas de Integridade pela Universidade de Salamanca, na Espanha.

Mendonça atua na Advocacia-Geral da União (AGU) desde 2000. Na instituição, exerceu os cargos de corregedor-geral e de diretor de Patrimônio e Probidade, dentre outros. Em 2019, ele assumiu o comando da AGU com a chegada de Bolsonaro à presidência, mas não ocupou apenas este cargo desde então.

Após a saída do ex-ministro Sergio Moro, Mendonça assumiu a pasta da Justiça e Segurança Pública em abril de 2020. No entanto, voltou para a AGU em abril de 2021 após a mais recente reforma ministerial do governo Bolsonaro, ocasionada após crise com o alto-escalão das Forças Armadas.

Nos últimos dias, com a proximidade da aposentadoria compulsória de Marco Aurélio Mello pelo seu aniversário de 75 anos, Mendonça limitou-se a comentar que qualquer indicado à vaga “certamente será um grande ministro”.

Senado já rejeitou médico e general para o Supremo Tribunal Federal

O Senado aprovou há duas semanas o advogado Luiz Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal (STF). A toga de ministro não veio fácil. Indicado pela presidente Dilma Rousseff, ele passou 11 horas sendo interrogado pelos senadores e, no final, recebeu 52 votos a favor — só 11 além do mínimo necessário — e 27 contra.

Se Fachin tivesse sido barrado, uma tradição teria se quebrado. O STF foi criado em 1890, após a Proclamação da República. Nestes 125 anos, apenas cinco indicações do presidente foram derrubadas pelos senadores. Todas as rejeições ocorreram em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto.

O caso mais emblemático foi o de Cândido Barata Ribeiro, que amargou a reprovação quando já atuava como ministro do STF. Na época, o escolhido podia assumir as funções antes de o Senado votar a indicação. Após dez meses julgando processos, Barata Ribeiro foi obrigado a deixar o casarão da Rua do Passeio, no Rio, onde os juízes da alta corte despachavam.

O breve ministro hoje é mais conhecido por ser tio-avô do comediante Agildo Ribeiro e dar nome a uma rua de Copacabana. Seu currículo, no entanto, vai muito além.

Barata Ribeiro foi uma das figuras mais influentes do país. Ele era médico-cirurgião e lecionava na Faculdade de Medicina do Rio. Foi expoente dos movimentos pelo fim da escravidão e da monarquia e, mais tarde, prefeito do Distrito Federal (o status do Rio após a queda de dom Pedro II).

Apesar dessas credenciais, os senadores concluíram que Barata Ribeiro não poderia ficar no STF. Motivo: ele não tinha formação jurídica.

Floriano havia feito a nomeação aproveitando-se de uma brecha na lei. A Constituição de 1891 exigia dos ministros do STF “notável saber” — sem especificar o tipo de saber.

O Arquivo do Senado, em Brasília, guarda o histórico parecer emitido pelos senadores no Palácio Conde dos Arcos, a sede da Casa, em setembro de 1894. Diz o documento:

“Mentiria a instituição [STF] a seus fins se entendesse que o sentido daquela expressão ‘notável saber’, referindo-se a outros ramos de conhecimentos humanos, independesse dos que dizem respeito à ciência jurídica, pois que isso daria cabimento ao absurdo de compor-se um tribunal judiciário de astrônomos, químicos, arquitetos”.

Senso jurídico

Em outro ponto do parecer, os senadores foram ainda mais duros e escreveram que, na qualidade de prefeito do Distrito Federal, ele havia demonstrado “não só ignorância do direito, mas até uma grande falta de senso jurídico”. De fato, Barata Ribeiro várias vezes agiu com truculência e governou passando por cima do Conselho Municipal (a atual Câmara Municipal).

Para Barata Ribeiro, o “não” dos senadores não foi novidade. Em 1893, ele havia passado por um constrangimento parecido. Após meses governando a capital, nomeado por Floriano, o médico foi defenestrado porque os senadores não lhe deram a aprovação. Naquele tempo, também o prefeito do Rio precisava do crivo do Senado.

Para o historiador Marco Antonio Villa, autor de A História das Constituições Brasileiras (ed. Leya), não é saudável que o STF abrigue juízes com passado político:

“Os embates são muito comuns na política, e os rancores acabam ficando. Quem garante que esse ministro vai julgar os casos políticos com a isenção necessária?”, indaga.

A recusa dos senadores não foi exclusivamente técnica. Houve razões políticas. Nem o Senado nem o STF viam Floriano com simpatia. O segundo presidente, que governou de 1891 a 1894, protagonizou episódios de desrespeito às leis e de violência — daí a alcunha Marechal de Ferro.

Sua própria posse foi feita na marra. Como o marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente, renunciou menos de dois anos depois de ter sido eleito pelo Congresso, a Constituição previa nova eleição. O vice Floriano atropelou a lei e assumiu o poder.

Por causa da Revolução Federalista, nos estados do Sul, e da Revolta da Armada, no Rio, o presidente pôs boa parte do país em estado de sítio. Isso lhe permitiu prender os adversários com facilidade, sem processos policiais ou judiciais. Vários presos, porém, ganharam a liberdade graças aos habeas corpus pedidos pelo advogado e senador Ruy Barbosa e concedidos pelo STF. Irritado, Floriano ameaçou prender os juízes:

“Se os ministros do tribunal concederem ordens de habeas corpus contra os meus atos, eu não sei quem amanhã dará aos ministros os habeas corpus que eles, por sua vez, necessitarão”, disse o presidente.

Reuniões secretas

Depois de Barata Ribeiro, Floriano indicou onze nomes para o STF. O Senado rejeitou quatro. Dois deles também não tinham formação em direito: Ewerton Quadros, general que havia sido decisivo para o fim da Revolução Federalista, e Demóstenes Lobo, diretor-geral dos Correios.

Os outros recusados eram graduados em direito, mas não chegavam a ser expoentes do mundo jurídico: o general Galvão de Queiroz e o subprocurador da República Antônio Seve Navarro. De qualquer forma, nunca se souberam os motivos exatos que levaram o Senado a não aceitar as indicações. As sessões eram secretas, e as atas se perderam. A divulgação do parecer sobre Barata Ribeiro foi exceção.

Sem ter detalhes sobre as sessões do Senado, o jornal O Paiz precisou se desculpar com os leitores: “Não entram cronistas nem repórteres no recinto, os empregados mais familiares da Casa são banidos do local e as próprias paredes pouco ouvem”.

Diz a servidora do STF Maria Ângela Oliveira, autora de um estudo sobre as cinco nomeações recusadas em 1894:

“Apesar dos problemas, não se pode dizer que o método de escolha dos ministros era ruim. Antes, o imperador escolhia livremente os conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça [antecessor do STF]. Depois, a indicação do Executivo para o Judiciário passou a depender do aval do Legislativo. Isso tornou a escolha dos ministros democrática e fortaleceu a independência dos três Poderes.”

Constatada a lacuna da Constituição de 1891, todas as Constituições posteriores deixaram claro que os ministros do STF precisariam ter notável saber “jurídico”. O processo no Senado foi aperfeiçoado. As sessões se tornaram públicas, e o indicado passou a ser sabatinado pelos senadores.

Barata Ribeiro era uma personalidade poderosa. A perda dos cargos de prefeito e ministro não lhe abalou o prestígio político. Poucas semanas depois de ser retirado do STF, ele fundaria o Partido Republicano Constitucional. Cinco anos mais tarde, ironicamente, seria eleito senador e passaria a ser colega de muitos dos políticos que lhe haviam negado a prefeitura e o Supremo Tribunal Federal.