O quase ‘churrasquinho’ de Borba Gato e a lata do lixo da história

Por Milton Alves*

Em meados dos anos 80, trabalhei por alguns meses em um escritório da Sabesp – companhia de saneamento de São Paulo – que ficava na Avenida Santo Amaro, bem próximo da gigantesca estátua do símbolo bandeirante paulista, Manuel Borba Gato — uma geringonça feiosa e falaciosa.

O monumento, que expressa uma ideologia de dominação, nunca me agradou. E todos sabem que tipo de “serviço civilizatório” foi prestado por Borba Gato e seus homens: saques, massacres, violações de índias e índios pelo interior do país, captura e repressão de negros, ações de pilhagem de ouro e de pedras preciosas em áreas de mineração, entre outras barbaridades. É um fato documentado pela história, apesar de uma certa visão patrioteira defender algum papel positivo no celerado personagem.

As remoções e as derrubadas organizadas de estátuas e monumentos de reis, ditadores, generais, almirantes, brigadeiros, mercadores de escravos, navegadores a serviço de potências coloniais em diversos países, recoloca o debate acerca da necessidade de uma abrangente revisão histórica dessas homenagens. É um movimento global que foi impulsionado pela onda antirracista desatada a partir do assassinato do negro George Floyd — ocorrido em 2020 na cidade de Minneapolis [EUA].

A revisão criteriosa das homenagens aos entes históricos e de seus monumentos — estátuas, obeliscos, mausoléus, ruas, edificações, placas — é uma necessidade do tempo presente. Cada período histórico é comandado por determinadas classes dominantes, que vencem e impõem uma narrativa aos dominados e derrotados. Portanto, uma visão predominante, de conjunto, sobre a história, a cultura, os costumes e a ideologia.

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A ação de movimentos sociais e de segmentos da população questionando as homenagens é positivo, é parte integrante da luta pela hegemonia na sociedade. É a roda da história caminhando — e às vezes capotando. “Nada é permanente, exceto a mudança”, já disse Heráclito por volta de 540 a.C.

Economia

A ação dos ativistas do grupo Revolução Periférica, que tentou incinerar a estátua de Borba Gato no sábado, provocou um aceso debate nas redes sociais no fim de semana. Até o bolsonarismo buscou tirar uma lasquinha das cinzas para chamuscar a esquerda. É do jogo…Teve também alucinados que atacaram a rapaziada incendiária como agentes de uma pretensa guerra híbrida contra o Brasil.

A pergunta que fica: A estátua de Borba Gato deve permanecer imponente e desafiadora em seu pedestal ou ser removida para a “lata do lixo” da História?

*Milton Alves é ativista político e social. Autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020) e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) – todos pela Kotter Editorial. Escreve semanalmente em diversas mídias progressistas e de esquerda.