O Estado Democrático de Direito em transe, por Enio Verri

Enio Verri*

O Brasil passa por um período da sua história diante do qual não pode fechar os olhos, sob pena de repetir processos não resolvidos, como os 400 anos de escravidão sem reparação e uma ditadura que não foi devidamente julgada. As mensagens trocadas entre os golpistas traidores da operação Lava Jato são várias confissões de tudo o que eles têm sido acusados, desde 2016, por quem já denunciava a cadência de suas ações suspeitas. O crime, por si só, é um escândalo inescondível dos olhos da democracia e inexpugnável para os seus autores. Porém, a omissão dos órgãos de fiscalização e controle diante da delinquência dos procuradores e do então juiz do processo será um abalo sísmico de magnitude catastrófica para o Estado Democrático de Direito. O fato de as conversas terem sido obtidas por meio de invasão hacker não invalida o conteúdo das mensagens, cujas edição e adulteração podem ser facilmente atestadas, ou não, por perícia técnica.

A conjuntura é mais delicada do que se pode imaginar e a contundência dos fatos deve ser analisada à altura. A equipe do Ministério Público Federal e a 13ª Vara de Curitiba desmantelaram a engenharia pesada brasileira e entregaram para o governo dos EUA segredos da defesa brasileira, como a tecnologia de enriquecimento de urânio, criada pelo almirante professor doutor Othon Bastos. Assim como a riqueza do pré-sal e a tecnologia da Petrobras para explorá-lo. Porém, não é de hoje que a defesa do presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores denunciam a farsa que assola o Brasil. Antes mesmo da série de reportagens da Intercept Brasil, com informações não menos comprometedoras, já havia muitos elementos que fariam os conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público Federal agirem. Por que não o fizeram não se sabe, mas isso não compromete as instituições apenas com os malfeitos da operação, mas a própria credibilidade delas. Talvez, com a descoberta de mais um crime, haja reação. O procurador Dallagnol, esbanjando confiança na sua inimputabilidade, lançou mão de, em conluio com servidores da Receita Federal, quebrar o sigilo fiscal de ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Em 2016, veio a público o grampo que os delinquentes Moro e os membros da força-tarefa colocaram no tronco telefônico do escritório dos advogados do ex-presidente Lula. Esse tipo de ação criminosa é coibida e punida apenas em países onde a democracia e as leis são respeitadas, inclusive e, principalmente, pelas instituições encarregadas de protegê-las. E o que dizer do grampo ilegal no telefone de uma agente pública no legítimo exercício do cargo e vazado para a maior rede de televisão do país? Já em 2018, o ex-advogado da Odebretch Rodrigo Tacla Duran denunciou que sofreu uma tentativa de extorsão por parte de Carlos Zucolotto, igualmente advogado, padrinho de casamento de Sérgio Moro. Sem fazer parte da força-tarefa, mas falando em nome dela, o amigo do juiz pediu a Duran US$ 5 milhões para livrar-lhe de uma multa de US$ 15 milhões. A afirmação de Sérgio Machado, ex-diretor da Petrobras, “com o Supremo, com tudo”, está mais confirmada que nunca. Escandalosamente, nenhuma investigação, ou sanção contra a força tarefa.

Os vazamentos colocam, cada qual com seu grau de cumplicidade, STF, MPF, CNJ, CNMP e imprensa comercial no colo da operação Lava Jato. O único ministro da Suprema Corte que tentou que a força-tarefa cumprisse a Constituição morreu num acidente de avião. Já o PGR da época, Janot, foi aliado fiel do Primeiro Comando de Curitiba. Os órgãos de fiscalização e controle internos estão, até o momento, comprometidos. Já a imprensa comercial, com toda sua estrutura tecnológica e competência de seus profissionais, assumir que se aliou aos quinta-coluna lesa-pátria será menos vexatório que escudar-se em equívoco de apuração, falha da fonte ou do estagiário. E a Polícia Federal, como vai alegar um volume tão grande de falhas nas investigações? Deixar de passar a limpo toda essa conspiração fará sombra nas relações republicanas, lançando nelas a chaga da desconfiança que a insegurança jurídica produz na democracia. Somente um corajoso, sereno e firme enfrentamento pode remir o Brasil do golpe de 2016.

*Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.

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