Democracia em risco

Enio Verri*

A jovem e frágil democracia brasileira está sob risco. Não é novidade que Bolsonaro é uma terrível mistura de belicismo, ignorância e irascibilidade. Segundo ele, “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”. E é burro. Mesmo em desvantagem, admite o uso da força e não da diplomacia para resolver as diferenças. O presidente é um covarde que, como diria o poeta Chico Buarque, fala grosso com a Bolívia e fino com os EUA. Enfim, desde quando parlamentar, Bolsonaro foi agressivo nas votações de matérias que tratavam dos direitos humanos e das minorias e com colegas, mas sempre contra mulheres. O número de mortos pela COVID-19, no Brasil, passa dos 240 mil, 31% da população está desempregada ou desistiu de procurar emprego, o gás de cozinha já passa dos R$ 100 e a inflação da alimentação está acima dos 43%.

Diante da conjuntura, o que faz o presidente da República? Baixa um decreto que facilita o acesso a armas de fogo. Tanto civis, quanto jornalistas, advogados, agentes de trânsito, que não são força policial, poderão adquirir armas. As mais baratas custam R$ 4 mil. Já um pacote de munição com 10 projeteis pode ser comprado por pouco mais de R$ 60. Mais de 75% dos trabalhadores ganham não mais que dois salários-mínimos. Mal conseguem comprar um pacote de arroz, ou um litro de álcool para se protegerem do novo coronavirus. Portanto, essa medida não foi feita para a classe trabalhadora. Ela atende, fundamentalmente, duas populações distintas. Uma, com poder econômico para comprar quantas armas e munição quiser. A outra, é o tráfico de armas, que saberá como tingir de sangue o dia a dia das periferias do Brasil.

Já há algum tempo, Bolsonaro tem o seu nome e o da sua família ligados intimamente a mafiosos do Rio de Janeiro. Um vizinho de condomínio e amigo do presidente está umbilicalmente comprometido com o assassinato da vereadora do PSOL/RJ, Marielle Franco, cujo mistério já passa dos 1000 dias. Adriano da Nóbrega, que dispensa apresentações, foi instrutor de tiro do então deputado estadual, Flávio Bolsonaro, e teve a esposa e a mãe empregadas no gabinete do filho do presidente. Durante uma entrevista, em 1999, o presidente deu destemperadas e desprezíveis declarações contra a democracia, pregando, publicamente, uma guerra civil na qual “morressem pelo menos uns 30 mil”. Em 2020, declarou desconfiança na urna eletrônica que confirmou sua eleição. Sem apresentar uma única prova, como é do seu feitio, disse que foi prejudicado, ora vejam, na contagem de votos.

Para ele, somente o voto impresso é confiável. Porém, colocou suspeitas sobre a eleição de Joe Biden, aprovado pela maioria do povo americano, por voto direto e impresso. Bolsonaro afirmou que, de um jeito ou de outro, não aceitará das urnas, em 2022, outro resultado que não a sua vitória, sob ameaça de insurreição. É a partir dessa declaração que devemos repassar as demais e os atos do presidente, no sentido de resistir à sua inclinação autoritária, sob qualquer pretexto. Diga-se de passagem, ele não apresentou uma única medida que mereça a confiança e o apoio dos trabalhadores, para quem ele virou as costas. Já das forças armadas, pelas declarações do General Villas-Boas, sobre a ostensiva e vergonhosa participação das Forças Armadas, no golpe de 2016, não se pode esperar qualquer defesa da democracia.

A conjuntura é delicada. A Presidência da República é ocupada por um já consagrado genocida, mais preocupado com a dívida do Estado que com a vida dos brasileiros. Seu discurso diário é de ódio e marginalizante contra minorias e quem vive em conflito com a lei. Defende a máxima, bandido bom é bandido morto. O problema é que, para o bolsonarismo, quem ele não vence pelo argumento é enquadrado como bandido e deve ser submetido aos tribunais penais onde a apelação não encontra o direito à ampla defesa. Ele negou a pandemia, que chamou de “gripezinha”; negou as vacinas que transformariam as pessoas em jacaré, negou suas digitais na máfia e nega sua responsabilidade no oferecimento institucional de medicamentos ineficazes. Não se pode permitir que ele negue a democracia que o levou ao governo. Fora da política é a barbárie. Atenção.

Economia

*Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.