Uma radiografia pós-eleição, por Jorge Gregoy

Jorge Gregory*

As análises das eleições municipais que se apresentam, via de regra, são uma tentativa de mensurar qual pré-candidato à Presidência saiu fortalecido ou enfraquecido. Esmeram-se em dimensionar qual partido saiu fortalecido e qual enfraqueceu. Sim, uma eleição municipal de fato é uma radiografia da correlação de forças e, consequentemente, um excelente parâmetro para se estimar os desdobramentos políticos e os possíveis movimentos de cada um dos atores. De certa forma, vai se construindo um certo senso comum de que ocorreu uma reconfiguração no tabuleiro político com o fortalecimento do centro e da direita, uma derrota do bolsonarismo e um retrocesso ou estagnação da esquerda.

Obviamente as direções partidárias e especialmente os potenciais candidatáveis à presidência se envolvem em um processo eleitoral deste porte buscando melhor se posicionar para a disputa pelo poder central. No entanto, não se pode esquecer que as bases eleitorais de deputados são fundamentalmente aquelas ligadas a prefeitos e vereadores e em se tratando de deputados, se há algo que unifica todo o Congresso, é a defesa dos mandatos. Quando se fala em prefeitos e vereadores, é absolutamente comum se estabelecer a relação entre estes e o deputado a quem estão ligados. “O prefeito ou vereador fulano pertence à base do deputado beltrano”.

Portanto, se os deputados federais são os principais articuladores das candidaturas majoritárias e proporcionais municipais, tão somente se pode afirmar que ocorreu uma reconfiguração de forças se os resultados destas eleições não corresponderem mais à correlação de forças estabelecida na Câmara dos Deputados na eleição de 2018.

Tomando este parâmetro podemos dizer que o bolsonarismo já entrou derrotado nesta eleição. Bolsonaro se filiou ao PSL para ter uma legenda pela qual concorrer em 2018. Naquele momento crescia um movimento de extrema direita, estimulado pela campanha de descrédito na política promovida em especial pelos meios de comunicação. Bolsonaro surfou na onda da antipolítica e carregou consigo uma legião de outsiders eleitos nas assembleias legislativas, câmara dos deputados e alguns governos estaduais, praticamente todos pelo PSL.

No poder, Bolsonaro não obteve êxito em transformar o movimento social de extrema direita em organização política. Rompeu com o PSL e a criação do partido Aliança, uma tentativa de reedição da ARENA, foi um verdadeiro fracasso. Entrou nessa eleição sem partido e seus candidatos, em especial os que disputaram prefeituras, ainda no PSL ou diluídos em outras legendas do centrão, sofreram retumbante derrota. De um lado esse resultado ainda não tira Bolsonaro de um provável segundo turno em 2022, pois a extrema direita permanece ativa enquanto fenômeno social, mas provavelmente terá que se sujeitar a uma legenda do Centrão para ser candidato. Por outro lado, ao se pensar apenas no PSL, que, dividido e tendo obtido um quantitativo de prefeitos e vereadores não condizente com a bancada de deputados que possui, inevitavelmente terá uma redução no seu número de deputados em 2022. Talvez consiga se manter com uma bancada média, mas deixará de ser a segunda na Câmara Federal.

Economia

No campo da direita, o DEM é apresentado pelos analistas como uma surpresa nestas eleições municipais, praticamente se nivelando em número de vereadores e prefeitos eleitos ao PSDB, credenciando-se na disputa da liderança deste campo. Nas eleições de 2018, no entanto, o DEM já havia obtido um crescimento em sua bancada, passando de 21 para 29 deputados, quase se equivalendo à bancada do PSDB com 31. Podemos afirmar, portanto, que tal crescimento em 2022 não traz surpresa, pois corresponde à consolidação de uma tendência de crescimento já apresentada em 2018. Em 2022, tende a aumentar ainda mais a sua bancada e deverá superar o PSDB caso não haja substanciais alterações no curso político. Consolidou-se como a terceira força no Sudeste e Norte e a força hegemônica no Centro Oeste.

O PSDB, em número de vereadores e prefeitos eleitos se mantém hegemônico na região Sudeste, em especial no estado de São Paulo, e seu desempenho reflete o tamanho da bancada na Câmara Federal, bem como a origem de seus deputados. A queda do PSDB em nível nacional, deu-se em 2018, quando perdeu 25 cadeiras na Câmara. De 2018 para 2020, na verdade a situação mostra uma estabilização. Não deverá ter grande alteração de bancada em 2022, mas, com o crescimento do DEM, o PSDB perde a hegemonia no campo da direita.

Ao centro, em 2018, o MDB foi o partido que mais perdeu espaço na Câmara dos deputados. Da maior bancada eleita em 2014 caiu para a quinta em 2018, perdendo 31 deputados. Se comparado seu desempenho em 2020 com 2016, mostra uma queda, mas comparado com 2018, teve uma leve recuperação. Mostra muita força principalmente nos pequenos municípios, mas também em todas as regiões do país. Elegeu prefeitos em capitais e grandes centros, de forma que tende a recuperar parte da perda de 2018.

Os três partidos centristas apontados como vitoriosos nestas eleições municipais – PL, PSD e PP – na verdade reproduzem o status alcançado em 2018 com pequenas variações. Em tamanho de bancadas, o PL havia constituído a terceira maior, o PP, a quarta e o PSD, a sexta. Em 2020 o MDB recupera sua posição em relação aos três e o PP e PSD superam o PL, mas os quatro desbancam o PSL da segunda posição obtida em 2018. Os resultados de 2020 não apontam substancial mudança nas bancadas destes partidos para 2022, exceto no caso do PL, que tende a ter uma pequena desidratação, mas deve manter uma bancada média.

Dirigindo o olhar para a centro-esquerda, aqui posicionados o PDT e PSB, em ambos os casos se apresenta uma queda significativa se comparados os resultados com os obtidos em 2018. O PDT, de 20 deputados eleitos em 2014 havia saltado para 28 em 2018 o que projetaria uma elevação de quantitativo de vereadores e prefeitos em 2020 se comparado com 2016. No entanto, perdeu 21 prefeitos e teve uma queda de 10% no número de vereadores. Já o PSB sofreu uma queda brutal, perdendo 164 prefeitos e quase 20% dos vereadores. Compensa relativamente tais perdas a obtenção de algumas prefeituras relevantes.

No campo da esquerda – PT, PSOL e PCdoB – em 2018, o PT já havia apresentado uma perda de treze deputados e o PCdoB de um, enquanto o PSOL dobrava sua bancada passando de cinco para dez parlamentares. Em 2020, o PT perdeu 72 prefeitos e 152 vereadores. Nas capitais e nas três cidades com mais de um milhão de habitantes, não conseguiu eleger nenhum prefeito, mas obteve duas vitórias em municípios com mais de quinhentos mil habitantes e outras duas em municípios com mais de duzentos e cinquenta mil. Seu grande retrocesso foi nas cidades com menos de 100 mil habitantes. Com relação a vereadores, subiu de 39 para 48nas capitais, praticamente manteve o número de cadeiras nas cidades com mais de 100 mil habitantes e apresentou uma queda grande nos municípios com menos de 100 mil. O que se percebe é que, acima de tudo, o PT apostou na sobrevivência dos mandatos federais e, com a manutenção de posições nos grandes centros e crescimento do número de vereadores nas capitais, obteve sucesso. Em resumo, tende a manter a bancada em 2022.

O PSOL demonstra grande crescimento nas capitais, não só pelo desempenho de Boulos em São Paulo e eleição de Edmilson em Belém, mas também pelo crescimento do número de vereadores de 23 para 33. Destes, 2 no Rio, 2 em Belo Horizonte e 6 em São Paulo. No geral, apresenta um crescimento quantitativo modesto, mas qualitativo elevadíssimo. Qualifica-se para um aumento substancial da bancada federal em 2022, podendo até mesmo dobrar o número de deputados.

Quanto ao PCdoB, obteve um ótimo desempenho na Bahia, Maranhão e Porto Alegre, elegeu 2 vereadores em Recife e 1 em Natal, Manaus e Aracaju, mas apresentou perdas no restante das capitais e grandes municípios, em especial nas regiões Sudeste e Sul. Um resultado muito aquém do obtido quando elegeu sua bancada federal, indicando que terá grande dificuldade para mantê-la na próxima eleição, quando precisará redobrar os esforços de sua militância.

*Jorge Gregory é jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC).

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