Quem desdém quer comprar a dívida

Enio Verri*

O poder econômico do mercado financeiro impõe sua narrativa na imprensa comercial, alardeando contra um suposto risco do crescimento da relação dívida pública/PIB, que já passa dos 90%. Ao mesmo tempo, o seu poder político baliza o discurso de parlamentares do Congresso Nacional, todos ultraliberais, tanto de um tal Centrão, quanto da assumida ultradireita. A solução orquestrada pelos banqueiros é um combo de reformas e privatizações. As reformas, invariavelmente, se dão no sentido de suprimir direitos da classe trabalhadora, responsabilizando-a pelo déficit nas contas públicas. Já a venda do patrimônio nacional seria o único caminho para se ter recursos pagar serviços da dívida, que podem ser traduzidos em juros dos bancos.

É necessário um esclarecimento sobre essa relação, dívida/PIB. A dívida pública de um país se refere a tudo que ele deve, já descontados os ativos financeiros, como os investimentos em obras de infraestrutura, ou gastos de cunho social. Já a dívida bruta, grosso modo, é a somatória da dívida líquida com todos os recursos aplicados no desenvolvimento do país. Ao final dos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a dívida líquida do Brasil representava 60% do PIB. Era uma época em que o ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, recorria periodicamente ao Fundo Monetário Internacional pra suplicar, por exemplo, US$ 30 bilhões para este grande país pagar contas. Os empréstimos, que não eram investidos no desenvolvimento, apenas aumentaram a dívida do Brasil, mantendo-o num ciclo vicioso sem fim. Quando o tucano ultraliberal deixou o governo, o PIB brasileiro era de R$ 1,5 trilhão e as reservas cambiais somavam US$ 37 bilhões. Isso esclarece parte da inexplicável mendicância a que o País era submetido.

Entre os anos de 2003 e 2014, durante os governo dos Partido dos Trabalhadores, a dívida líquida brasileira caiu para 33% do PIB. Foi quando Lula e Dilma passaram o Brasil da condição de devedor para credor do FMI. Aquela sistemática sangria de recursos para o Fundo foi quase que estancada por completo. Por se tratar de um país ainda muito dependente, cultural e tecnologicamente, essa relação ainda se manteve, mas em patamares muito menores. Foi o período da história brasileira em que o Brasil passou a ser uma das seis mais fortes economias do mundo. Depois do golpe, de 2016, Temer e Bolsonaro, lacaios do sistema financeiro internacional, conduziram o País a uma espiral recessiva e fiscalista. Hoje, o Brasil passou a ser a 12º economia do mundo, graças a essa ideologia ultraliberal.

Já a dívida bruta, durante os governos do PT, se manteve no mesmo patamar, cerca de 57%. Porém, ao contrário de Temer e Bolsonaro, que desinvestiram no País, Lula e Dilma criaram as estruturas para esse patamar não ser um problema, com políticas que fizeram o Brasil crescer e reduzir a sua cruel distribuição de renda e de acesso à riqueza produzida pela classe trabalhadora. Foram diversas políticas de investimento, tanto no social, quanto na infraestrutura, que levaram o Brasil, em 2015, à marca histórica do pleno emprego, com 4,8% de desempregados. De cada R$ 1,00 investido no Bolsa Família, R$ 1,78 contribui para a formação do PIB. Entre, 2002 a 2013, a renda per capta passou de, R$ 7,6 mil para R$ 24 mil. O lucro o BNDES, do Bando do Brasil e da Caixa, passaram, respectivamente, de R$ 550 milhões; R$ 2 bilhões e R$ 1,1 bilhão, para R$ 8,1 bilhões; R$ 15,8 bilhões e R$ 6,7 bilhões.

A transposição do Rio São Francisco, as construções de ferrovias e rodovias, 18 universidades, mais de 170 campi, 3,5 milhões de unidades habitacionais, navios petroleiros, estaleiros, entre outros vários investimentos que não cabem nesse pequeno espaço, fizeram o PIB do Brasil passar de R$ 5 trilhões e as reservas internacionais chegarem a US$ 380 bilhões. A relação da dívida/PIB dos EUA passa de 100% e, a do Japão, é superior a 200%. Já a da China, país que mais cresce no mundo, é de 285%. Não se ouve dizer que os chineses pretendem vender seu patrimônio e, muito menos, reduzir os investimentos no seu desenvolvimento, como apregoam Bolsonaro e Paulo Guedes, para o Brasil. Pelo contrário, são essas aplicações que projetam, para 2021, um crescimento do PIB do país asiático, em 8,2%. O Brasil deverá se dar por satisfeito se crescer 3%. Portanto, quando editorias da imprensa comercial vociferam contra a relação dívida/PIB do Brasil, saiba que é a voz do mercado financeiro, com seus interesses inconfessáveis sobre este País, cujo potencial está sendo destruído pela ideologia nefasta de ultraliberais provincianos e subalternos.

Economia

*Enio Verri é economista e professor aposentado do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e está deputado federal e líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados.