Romanelli: “Coronavírus escancara mazelas de um país desigual”

“A cidade não para, a cidade só cresce. O de cima sobe e o de baixo desce” (Chico Science)

*Luiz Claudio Romanelli*

Desde as primeiras medidas para conter o avanço da covid-19, o Brasil vive perto de um caos generalizado, principalmente nas regiões e bairros periféricos sem acesso decente aos serviços básicos de saúde, transporte e habitação. E não é para menos, os números e a percepção mostram que a população pobre é a mais vulnerável e que mais sofre com os efeitos da pandemia.

Das mais de 150 mil vítimas que morreram da doença no Brasil, grande parte vive em favelas, cortiços, periferias e pertence a grupos vulneráveis como os negros, desempregados ou pessoas com baixa renda. São esses, inclusive, que dependem quase que exclusivamente do transporte público e que muitas vezes não têm como se manter em isolamento e distanciamento social.

Embora não haja nenhuma pesquisa específica, percebe-se claramente que houve também um aumento do número de pessoas que passaram a morar nas ruas, por conta da pandemia. E os números no Brasil são alarmantes.

Como exigir o isolamento num país que ainda faltam 6,3 milhões de moradias dignas, que o adensamento excessivo responde por 330 mil habitações e a coabitação por 2 milhões de moradias. Os números, levantados em 2015 pelo professor Eduardo Marques, da USP, num estudo para a Fundação João Pinheiro.

A situação se agrava nas favelas, que, segundo o Censo 2010, abrigavam de 11,4 milhões de pessoas. O estudo classificou como déficit habitacional todas as habitações que não dispunham de melhores condições de habitabilidade, incluindo aí a população pobre em bairros de classe média ou alta.

Economia

São nas pequenas comunidades, como favelas ou até mesmo em bairros mais distantes, que os pequenos negócios tiveram de fechar as portas. São estabelecimentos considerados de serviços não essenciais, mas que garantem emprego para muitas famílias.

Vale lembrar que o Brasil é o segundo país do mundo em número de mortes, mas infelizmente poderá ocupar o topo da lista, pois os números não param de crecer. No Paraná, embora as medidas do Estado sejam em partes cumpridas pela maioria da população, o número de contaminados ainda é crescente.

Medidas como o uso de máscara e a higienização das mãos ajudam a evitar a proliferação do vírus. Da mesma forma, o distanciamento e isolamento social protege o cidadão.

Temos ainda mais outro problema grave: é na utilização do transporte público onde está um foco premente de transmissão, o que denota as más condições e a péssima qualidade do serviço prestado por esse modal nas médias e grandes cidades.

Atento ainda à outra pesquisa – do Observatório de Conflitos Fundiários do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo – sobre desigualdades e vulnerabilidade no contexto de coronavírus. O resultado aponta que autônomos, donas de casa e usuários do transporte público são as maiores vítimas da covid-19 na capital paulista.

Os dados que não devem ser diferentes, guardando as proporcionalidades, na maioria das cidades e reforçam a percepção de que pessoas mais pobres, que se deslocam para o trabalho durante a pandemia, são as maiores vítimas.

Os pesquisadores criaram um índice de correlação, cujo valor máximo é 1. Desta forma, o índice de contágio entre usuários do transporte público é de 0,8083. No caso dos trajetos a pé, é de 0,7897. Já no caso do automóvel a correlação é muito menor, de 0,3901.

Ou seja, os trabalhadores que dependem exclusivamente do transporte público acabam sendo as maiores vítimas do contágio pelo coronavírus. Por outro lado, empregadores têm taxa muito menor (0,008), seguido dos profissionais liberais (0,024) e funcionários públicos (0,254).

É claro que a desigualdade social no Brasil não é fruto da pandemia. Mas se constata que com a chegada do vírus evidenciou a tamanha desigualdade e exclusão social no país.

A tendência da doença é de aumentar e vai agravar ainda mais o desemprego, perda de renda, recrudescimento da pobreza e da fome e violência. As famílias que vivem em bairros mais distantes dos centros comerciais ou industriais acabam sendo as maiores vítimas justamente por conta da dificuldade de manter o distanciamento social.

São trabalhadores que diariamente percorrem grandes distâncias para chegar ao trabalho e, quando retornam, dividem o mesmo imóvel com outras pessoas (família, amigos, agregados), o que intensifica o potencial de contágio.

Outro problema: o número de ações de despejo por decisões judiciais, extrajudiciais ou administrativas aumentou durante a pandemia, com milhares de famílias ameaçadas por conta de não conseguir recursos suficientes para pagar o aluguel do imóvel.

Além disso, tem o fator psicológico. Estima-se que os casos de doenças neurológicas também aumentem por conta da covid-19, tamanha a preocupação e o medo das pessoas em vulnerabilidade social com a doença e com os efeitos das medidas de isolamento, sobretudo o desemprego e a queda na renda.

O que fazer diante desse quadro é assunto que merece uma próxima abordagem. É o que farei.

*Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná.*