Por que a Finlândia e o Canadá não militarizaram suas escolas? Por quê?

O educador Nélio Spréa, Doutor em Educação Pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em artigo especial, critica a militarização de 215 escolas da rede estadual de ensino do Paraná. Segundo ele, a disciplina que resulta em avanços pedagógicos nada tem a ver com controle alheio, vigilância externa, conduzida por terceiros, pouco identificados com o ato educativo. “Também não tem a ver com obediência ou com o medo de punição”, desmistifica.

Spréa afirma que as poucas escolas militares existentes no País [são apenas catorze] têm bom desempenho porque recebem mais investimentos federais enquanto a maioria das escolas públicas sequer possuem rede de esgoto, acesso à internet e quadra de esportes. Por isso, assegura ele, creditar melhoria pedagógica à disciplina e punição seria dar mais um passo na direção de um abismo que, há décadas, pacientemente espera os brasileiros.

“Alô Finlândia! Alô Cingapura! Alô Canadá! Por que é que vocês não militarizam suas escolas?”, questiona o Doutor em Educação. “Vocês, que ocupam as melhores posições no ranking do PISA, por que investem tanto em seus professores?”, insiste.

Nélio Spréa arremata com mais uma desconcertante pergunta aos países que deram certo na educação e no processo de aprendizado. “Por que não fazem como nós, que difamamos educadores e supomos que militares da reserva possam saber mais sobre o ato educativo do que aqueles que estudaram e se dedicam a vida toda a educar?”

Segundo o Doutor, a Educação, historicamente, sempre foi subfinanciada no Brasil. “Desde a redemocratização, isso começou a mudar. Mas estamos apenas começando”, escreve.

Leia a íntegra do artigo de Nélio Spréa:

Economia

Por que a Finlândia, a Cingapura e o Canadá não militarizaram suas escolas? Por quê?

O modelo não é democrático. Depende de uma intervenção externa. Sujeita-se a uma autoridade não eleita pela coletividade. Flerta com pressupostos pedagógicos arcaicos, pouco afeitos à escuta, à participação e ao protagonismo. É excludente e se baseia numa fantasia, a de que existiria uma pedagogia da ordem, ou do controle comportamental, capaz de oferecer soluções ao fracasso educacional brasileiro.

Sim, muitos ainda apostam todas as fichas no controle disciplinar e na padronização de comportamentos. Por isso, na corneta insurdecedora do atual senso comum, ecoa longe a ideia de militarizar escolas. A crença de que o hábito da obediência é capaz de afetar positivamente resultados pedagógicos ainda é muito forte. Mas quem estuda pedagogias ou conhece de perto o cotidiano escolar sabe que não é bem assim. Onde o autoritarismo se espraia, a Educação morre na praia.

Disciplina é bom. Mas a disciplina que resulta em avanços pedagógicos nada tem a ver com controle alheio, vigilância externa, conduzida por terceiros, pouco identificados com o ato educativo. Também não tem a ver com obediência ou com o medo de punição. Muito menos com tentativas de padronização do comportamento, que fazem vista grossa à diversidade, à diferença e à originalidade, condições fundamentais da aprendizagem.

O buraco é mais embaixo. Você dirá: – Mas então por que as escolas militares apresentam bons resultados pedagógicos? Ora, o que de fato garante o êxito destas escolas nos testes avaliativos não tem relação direta com questões disciplinares. É o alto investimento federal nas 14 instituições escolares do exército e a natureza do processo seletivo que elas impõem, que fazem delas centros de referência na obtenção de altas notas nos testes.
14 instituições apenas? Sim. É um sistema de ensino dos sonhos.

O custo anual de um estudante de escola militar é quase três vezes superior ao custo de um estudante em escola pública comum. E tem mais. Os altos investimentos nestas instituições não apenas favorecem o aperfeiçoamento dos seus métodos de ensino como também acabam atraindo estudantes com alta performance para os seus processos seletivos. Estudantes com alto desempenho se submetem à alta concorrência da seleção e excluem do processo os menos aptos. Reúnem-se ali, nas escolas militares, os que já detinham melhores resultados pedagógicos. E os que não se adaptam a esta lógica de seleção, sequer entram na instituição.

Então, como comparar? Como dizer que a metodologia é a mais adequada? Ora, ainda que as novas escolas cívico militares não façam processos seletivos, basta que comecem a forçar uma padronização de comportamentos, um controle excessivo da opinião e da corporalidade, para que os menos aptos à esta sujeição sejam, progressivamente, excluídos. Sabemos o quão forte isso é na cultura escolar militarizada. Alguns desistirão da escola, outros buscarão novas instituições, mantendo assim a mesma lógica excludente já presente nas atuais escolas militares. – Que triunfem os mais fortes! Essa é a base excludente sobre a qual o modelo quer se sustentar. E, assim, atraindo pra si os “melhores” e obtendo fartos investimentos, fará crer que sua metodologia funciona melhor que as demais.

Não há dúvida de que as escolas que migrarem para esse modelo, em pouco tempo, produzirão melhores resultados. Com mais investimento e atraindo estudantes mais qualificados, qualquer pedagogia se expande. Mas há milhares de escolas públicas no Brasil que sequer tem acesso a rede de esgoto, que não possuem biblioteca, laboratório de informática ou quadra de esportes e que recebem estudantes das mais variadas origens sociais, numa luta diária para mantê-los na escola.

A escola pública não exclui ninguém, tampouco está atrás dos “melhores”. Está na base de sua configuração a noção de inclusão e a busca por equidade. O foco não está nos melhores, mas nas diferenças. A melhor escola nunca será a que obtém as melhores notas, mas aquela que provoca, sobretudo nos mais desamparados, um entusiasmo em aprender. Ofereça dignidade, espaço e material adequado, adense seu planejamento pedagógico, crie boas conexões culturais e invista afeto num jovem “deseducado”, ou “indisciplinado”, e aí sim poderemos comparar resultados.

Que existam escolas militares, ok, faz parte, pois ainda é preciso formar militares. Agora, militarizar escolas públicas, aí já é outra coisa, é dar mais um passo na direção de um abismo que, há décadas, pacientemente nos espera.

Alô Finlândia! Alô Cingapura! Alô Canadá! Por que é que vocês não militarizam suas escolas? Vocês, que ocupam as melhores posições no ranking do PISA, por que investem tanto em seus professores? Por que não fazem como nós, que difamamos educadores e supomos que militares da reserva possam saber mais sobre o ato educativo do que aqueles que estudaram e se dedicam a vida toda a educar?

A Educação, historicamente, sempre foi subfinanciada no Brasil. Desde a redemocratização, isso começou a mudar. Mas estamos apenas começando. Há muito o que se fazer ainda. Soluções paliativas, impulsionadas por radicalismos ideológicos, por furor doutrinário, pouco podem fazer pela melhoria nos processos pedagógicos.
Estamos atentos. Há muito o que se debater sobre o tema. Ninguém que se considere Educador poderá ficar fora deste debate no momento.

Grato pela atenção

*Nélio Spréa é Doutor em Educação pela UFPR, músico, jornalista e advogado. É diretor da Parabolé Educação e Cultura.