Desenvolvimentismo de PowerPoint, por Jorge Gregory

O jornalista Jorge Gregory, um dos ideólogos do PCdoB nacional, em artigo especial, chama a “Pauta Guedes” para retomar o desenvolvimento de “PowerPoint” numa alusão irônica ao procurador Deltan Dallagnol, da Lava Jato, que usou da multimídia para iludir a opinião pública e imputar crimes não cometidos ao ex-presidente Lula.

“A implementação da pauta reformista de Paulo Guedes só irá aprofundar ainda mais a grave crise econômica e social decorrente da pandemia e deve ser vigorosamente combatida”, escreve o articulista vermelho.

O jornalista do PCdoB denuncia que a velha mídia promove uma confusão conceitual do termo “desenvolvimentista” para mobilizar o antipetismo das elites, principalmente contra a lembrança da era Lula e Dilma, período de pleno emprego e desenvolvimento econômico no País.

Para Gregory, todo desenvolvimentismo atribuído ao governo do presidente Jair Bolsonaro se resume a um PowerPoint. Ou seja, não passa de tapeação.

Desenvolvimentismo de PowerPoint

*Jorge Gregory

Após a renúncia dos secretários da desburocratização e desestatização, utilizando-se do fato, Paulo Guedes foi à porta de seu Ministério e mandou um recado a Bolsonaro, alertando-o de que ouvir conselho de ministros “fura teto” poderia conduzi-lo ao impeachment. Tal atitude expôs publicamente um embate que se trava no interior do governo. Rachas e contradições nessa federação de interesses contraditórios e alguns até inconfessáveis não são novidade, mas qual é o real pano de fundo da disputa anunciada por Guedes?

Economia

Mais que um recado ao Presidente, claramente Guedes se dirigiu à elite, avisando que sua política fiscalista e as reformas neoliberais estavam correndo risco. Fez, de fato, um chamamento a seus aliados, de que era necessário se mobilizarem para exercer o poder de pressão, pois Bolsonaro estava a um passo de abandonar tal programa. Imediatamente a grande imprensa, defensora da pauta Guedes, anunciou que se trava uma batalha entre Guedes e a corrente “desenvolvimentista” do governo.

A grande imprensa se utilizar dessa rotulação é compreensível. Quando se fala em desenvolvimentismo, logo vem à mente as políticas econômicas da era PT. Com erros e acertos na economia, que não vem ao caso aqui analisar, os governos Lula e Dilma faziam questão de ser assim reconhecidos. Ao atribuir o conceito de desenvolvimentistas aos que no governo não rezam pela cartilha guedista, tais veículos não pretendem outra coisa senão mobilizar o antipetismo em apoio a Guedes. Promovem intencionalmente uma confusão conceitual.

Na guerra e na política, explorar as contradições e conflitos no campo adversário sempre foi uma jogada estratégica. A fissura nas hostes governistas é real e para Guedes vir a público, da forma que fez, significa que é de largas proporções. Não é questão menor. Constitui-se, assim, como importante elemento no tabuleiro político que não pode ser menosprezado, mas que, no entanto, deve ser devidamente situado e conceituado para que não caiamos em uma perigosa armadilha.

Devemos ter permanentemente claro que duas pautas são prioritárias neste momento: o combate ao autoritarismo do governo Bolsonaro e o enfrentamento à política econômica, fiscal e neoliberal. Como a política é dinâmica, em um momento uma pauta se sobrepõe à outra e no momento seguinte as posições se invertem. O fato de em um determinado momento as circunstâncias colocarem os neoliberais no campo da defesa da democracia não muda seu caráter neoliberal, assim como, se as circunstâncias colocarem os autoritários no campo de enfrentamento às políticas neoliberais não muda o seu caráter antidemocrático.

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A implementação da pauta reformista de Paulo Guedes só irá aprofundar ainda mais a grave crise econômica e social decorrente da pandemia e deve ser vigorosamente combatida. Isto, no entanto, não transforma nem Braga Netto e menos ainda Bolsonaro em desenvolvimentistas. E, mesmo que fossem, é bom lembrar que não há desenvolvimento que possa interessar ao povo se não houver democracia.

Em sua nova versão paz e amor, Bolsonaro descobriu que distribuir auxílio emergencial e até reunir público em inauguração de ponte sobre valeta lhe dá mais ibope que fazer discursos de ruptura para grupelhos de fanáticos. Ainda que o auxílio emergencial e políticas de renda mínima sejam cruciais para o povo – e a pauta do povo é prioritária – e ainda que obras públicas sejam fundamentais para gerar empregos e renda, isso não torna Bolsonaro um desenvolvimentista. É apenas um oportunista que busca surfar na onda das necessidades do povo para ganhar popularidade e galgar um segundo mandato.

Rogério Marinho, um tucano para lá de conservador, também está longe de ser um desenvolvimentista. Em que pese, em seu passado, ter defendido algumas causas relacionadas à educação, no presente se mostrou um defensor da retrógrada ideia da escola sem partido. No governo Temer, foi favorável à reforma trabalhista e votou a favor da PEC do teto dos gastos públicos. Já no governo Bolsonaro, foi um dos responsáveis pela redação da reforma da previdência e um dos articuladores de sua aprovação no Congresso. Esta última atuação lhe rendeu o Ministério do Desenvolvimento Regional, que lhe foi confiado com a missão de ser um interlocutor entre os parlamentares das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste com as propostas do governo de reforma tributária e mudanças no pacto federativo.

Esse tipo de relação, em especial com uma base de deputados extremamente fisiológicos, acrescida agora pelos membros do Centrão, não se faz sem o investimento de gordos recursos. Obras em municípios sob sua influência é o que garante votos e, ainda, atrai apoio financeiro para as campanhas eleitorais. Cumprir a missão de interlocutor com parlamentares, comandando um ministério responsável pela liberação de recursos para obras nos municípios, não se faz só com saliva. Reivindicar recursos para que possa cumprir sua tarefa não o transforma em um desenvolvimentista. Apenas o torna cúmplice do compadrio na utilização de verbas públicas.

E os militares? Com toda sua formação patriótica e missão de defesa do território nacional, não seriam eles desenvolvimentistas?

Convenhamos, quem se presta ao papelão de não só respaldar, como também de conduzir uma política sanitária genocida, que mata, debilita e ou condena à miséria milhares de brasileiros, pode ser chamado de desenvolvimentista? Quem executa políticas de associação com garimpeiros e madeireiros ilegais, com grileiros de terras, pode ser chamado de desenvolvimentista? Quem, quando a urgência do país é o desenvolvimento e obtenção de uma vacina, coloca os seus laboratórios para produzir comprimidos de cloroquina, pode ser chamado de desenvolvimentista? Quem subtrai recursos da educação, da saúde, da pesquisa e da inovação tecnológica para engordar o orçamento da defesa, pode ser chamado de desenvolvimentista?

O desenvolvimentismo dos militares, pelo que demonstraram a partir de sua participação no governo até agora, não vai além de seus próprios bolsos, ocupando cargos e mais cargos de responsabilidade civil. O que justifica, neste momento de profunda crise pandêmica, social e econômica, o privilegiado orçamento do Ministério da Defesa frente a outros necessários ou estrategicamente importantes para o desenvolvimento da nação e do povo? Seria a ameaça de invasão de nosso território por Maduro e seu poderoso exército? Seria a possibilidade de a turma de Evo Morales ganhar as eleições e nos ameaçar com suas imbatíveis forças armadas? Quem sabe, seria a enorme chance de Solano Lopes se levantar do túmulo e buscar revanche? Me poupem! Patriotismo e desenvolvimentismo de mesquinharia.

Não compreender a necessidade de flexões táticas na política é suicídio, pois demonstra incompreensão dos cenários políticos. Inimigos de ontem podem ser aliados hoje e novamente inimigos amanhã. Não compreender, no entanto, o verdadeiro caráter e as verdadeiras motivações dos atores em ação, em cada cenário político, é se lançar em um voo às cegas. Quem atribuiu a Braga Netto e Marinho o título de desenvolvimentistas, ou está, a exemplo da grande imprensa, agindo de má fé, ou demonstra profunda ingenuidade política. Todo desenvolvimentismo dos dois ministros se resume a um PowerPoint.

*Jorge Gregory é jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC).