Retórica de Bolsonaro contra fatos é ‘estratégia’ para reforçar sua base de apoio


Para a antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz, a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de minimizar a pandemia de coronavírus e negar a realidade dos fatos nada tem de “boba ou maluca”. Ao contrário, trata-se de uma performance estrategicamente pensada para reforçar a retórica “antissistema”, usando da imagem de “vítima”, “perseguido”, como uma forma de se sustentar junto ao seu consolidado eleitorado de 30% como “mártir”, ou ainda, um “mito”.

“A tática é essa de estabelecer uma relação íntima pelo Whatsapp, com o sujeito ali na esquina, como se ele fosse ao mesmo tempo o profeta, o chefe tribal, não um chefe de Estado”, analisa. “É o chefe do clã, aquele que vai fazer você atravessar com ele as vicissitudes da vida. Esse é um discurso afetivo, totalitário e pautado em uma lógica messiânica, de explorar a religiosidade de todos nós. (Bolsonaro) faz uso de algo muito sério que é a boa fé, a fé pública e a fé religiosa das pessoas”, afirma a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), em entrevista a Marilu Cabañas e Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, nesta sexta (3).

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Em artigo publicado na quarta-feira (1º), a professora da UFF chegou a classificar a retórica do presidente como a “santíssima trindade bolsonariana na cruzada contra os mensageiros do Covid-19”. De acordo com ela, o que tem permitido que Bolsonaro se comporte como um “profeta” seria justamente o esvaziamento de suas ações, uma vez que é a sua equipe “que governa em seu lugar”, como evidencia, por exemplo, a atual relação entre o presidente da República e o Ministério da Saúde.

Economia

Lógica bolsonarista
Na medida em que se desresponsabiliza, a situação ainda permite que ele “ganhe por todos os lados”, atualizando o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todo”, por “Bolsonaro acima de todos, Bolsonaro acima de tudo, inclusive dentro do seu próprio governo”, como destaca Jacqueline.

“Isso é o que dá a ele esse lugar de ganhar por todos os lados. Ganha quando perde e quando os outros fazem coisas que ele discorda. Se der ruim com os governadores, ele ganha; se der certo com os governadores, ele também. Porque o governo (como um todo) conseguiu fazer coisas, a despeito ou não do que ele (Bolsonaro) disse em público”, explica.

A antropóloga alerta que essa lógica bolsonarista produz um cenário de “desgoverno”, que impõe sobre a sociedade um estado de medo, com ameaças. Essa aposta do presidente, apresentada ainda durante a campanha eleitoral, fica, no entanto, ainda mais alta no contexto de pandemia.

A tendência, na opinião da professora universitária, é que esse papel de mártir, no entanto, seja cada vez mais desconstruído, porque, ao contrário de seu eleitorado, o “vírus não se comporta como um cristão, um católico, alguém do candomblé, ou crente. O vírus se comporta como vírus”, compara Jacqueline.

“A expectativa é que a gente não precise contar os nossos mortos o tempo inteiro para nos desencantarmos de um discurso que nos leva para o precipício. Porque a proposta do presidente é o Estado como espetáculo, um governo que vive em estado de alerta, ele está em estado de alerta e emergência na sua lógica narcísica, deixando a sociedade refém. Nós vamos descobrir isso no próprio processo de pandemia no Brasil, essa é uma crise de saúde pública gravíssima que revela o drama político que vivemos”, finaliza.

Por RBA