Argentina não deve pagar hoje juros da dívida e se encaminha para o calote total

A Argentina negocia com seus credores para tentar evitar o default.
O governo argentino não pagará hoje o vencimento de US$ 503 milhões de títulos públicos, antecipou o ministro da Economia, Martín Guzmán, abrindo, assim, um período de 30 dias para o país entrar formalmente em moratória total da dívida.

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O vencimento desta quarta-feira (22) é relativo aos juros de três títulos públicos (Global 2021, 2026 e 2046), emitidos sob legislação estrangeira e que estão entre aqueles que o governo incluiu na proposta de reestruturação, formalizada na segunda-feira perante a Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês).

“Nós partimos do princípio de que a Argentina já está numa situação de virtual moratória. Durante alguns meses, decidimos fazer um esforço para estabelecer um processo e continuamos a pagar com reservas (do Banco Central), mas a Argentina já não tinha capacidade de enfrentar os pagamentos da dívida. Com o coronavírus, menos ainda”, disse o ministro da Economia, Martín Guzmán.

Economia

A partir de hoje, inicia-se automaticamente um período de 30 dias extras para o governo argentino regularizar o pagamento antes de o calote ficar formalizado.

“A Argentina não poderá pagar nada de dívida nos próximos dias. Temos de fazer política econômica com base na realidade”, descartou Guzmán em relação a um posterior pagamento.

Oferta sem melhoras
Os 30 dias que separam a Argentina do “default” – quando o devedor deixa de pagar corretamente sua dívida – correm em paralelo com outro prazo: o de 20 dias que o governo argentino deu para os credores internacionais privados aceitarem a oferta de redução aproximada de 65% da dívida de US$ 66,2 bilhões compreendida em 21 títulos públicos sob legislação estrangeira. Por cada dólar de dívida, a Argentina propõe pagar em torno de 35 centavos.

“Não podemos oferecer mais porque não é sustentável. Propomos algo absolutamente sério e razoável, baseados na boa fé. Essa é a oferta que há. Chegou a hora de os credores decidirem”, pressionou o ministro.

Nas últimas horas, os três principais comitês de credores internacionais privados da dívida argentina rejeitaram a oferta. Esses três grupos possuem juntos cerca de US$ 23,5 bilhões em papéis do Tesouro argentino. Separadamente, eles emitiram comunicados com alguns pontos em comum.

Credores rejeitam proposta argentina
Os três grupos reclamam de não terem tido as suas opiniões levadas em consideração e da forma unilateral como o governo argentino definiu a proposta. Acusam o governo de não fazer um ajuste fiscal de longo prazo e de colocar todos os esforços sobre os credores. Porém, todos também se dizem prontos para continuar as conversas e pedem negociações com boa fé.

“Essas expressões de rejeição eram esperadas. Fazem parte do processo de negociação na qual a outra parte tenta pressionar”, minimizou o ministro da Economia, Martín Guzmán. “Mas nós não vamos oferecer mais”, insistiu.

“Os credores dizem que a Argentina deveria aprofundar o esquema de austeridade fiscal para gerar confiança, mas isso nunca acontece e nós vamos proteger a Argentina”, rebateu.

“Um desses grupos apresentou uma oferta que não implica nenhuma redução nem de juros nem de capital. Simplesmente reorganizava o pagamento de juros ao longo do tempo. Isso é algo absolutamente insustentável”, citou o ministro como exemplo.

Posterior negociação com FMI
A proposta argentina suspende pagamentos de juros e de capital por três anos. Além disso, impõe uma redução de 62% nos juros (a média atual de 6,15% cai a 2,33%) que permite diminuir a dívida em US$ 37,9 bilhões, apenas com o recorte dos juros. Por último, a proposta reduz em média 5,4% do capital (em alguns títulos a redução chega a 18%), permitindo diminuir a dívida em outros US$ 3,6 bilhões. Os novos títulos vencerão entre 2030 e 2047 com rendimentos entre 0,75% e 4,5%.

Depois dos credores privados, a Argentina deverá enfrentar negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para também reestruturar outros US$ 44 bilhões. Essa negociação, no entanto, não envolve nenhuma redução. Apenas um alargamento dos prazos.

“Procuramos ter com o FMI um novo cronograma de pagamento no qual a Argentina não tenha que pagar nada durante os próximos três anos, nem sequer em 2023”, indicou o ministro Martín Guzmán.

Nestas negociações com organismos internacionais, o presidente argentino, Alberto Fernández, ganhou um apoio de peso, o do presidente Emmanuel Macron. No sábado (18), por meio de uma rede social, o chefe de Estado francês manifestou apoio e solidariedade com as medidas econômicas e sociais das autoridades argentinas neste período de pandemia.

Por Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires.