Parlamento europeu debate ‘perseguições judiciais’ do ‘lawfare’ latino-americano

O que têm em comum o ex-presidente Lula e o separatista catalão Carles Puigdemont? Para seus advogados, é claro: ambos são vítimas do ‘lawfare’, o recurso a procedimentos judiciais para perseguir adversários, um tema debatido nesta quarta-feira (19) na Eurocâmara.

Na América Latina, Luiz Inácio Lula da Silva denuncia um ‘lawfare’ contra ele e seu Partido dos Trabalhadores, assim como os ex-presidentes do Equador, Rafael Correa, e do Peru, Ollanta Humala, entre outros.

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O presidente argentino, Alberto Fernández, assegurou na véspera que essa prática “se instalou na Argentina” nos “últimos anos”. Sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, denuncia também uma “guerra jurídica” contra ela.

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Mas, o que é o ‘lawfare’? “São as formas sutis, modernas, do século XXI, que substituem os golpes militares”, resume Humala, intervindo no Peru durante ato organizado pela esquerda e ambientalistas na Eurocâmara, em Bruxelas.

A Fundação do Espanhol Urgente (Fundéu) descreve essa prática como “o uso de procedimentos judiciais com a finalidade de perseguição política, descrédito ou destruição da imagem pública ou inabilitação de um adversário político”.

“O juiz é o instrumento. Sempre há um homem invisível por trás (…) que usa todo tipo de disfarce: luta contra o terrorismo, contra a corrupção, contra a sedição”, explica o ex-presidente de Honduras de 2006 a 2009, Manuel Zelaya.

Zelaya foi deposto em julho de 2009 pelo exército com o apoio do Congresso e do poder judiciário após se voltar para a esquerda e se alinhar com os países bolivarianos da Alba, liderada na ocasião pelo então presidente venezuelano Hugo Chávez.

Para o ex-presidente hondurenho, aqueles que constituíram “a Alternativa Bolivariana para as Américas” sofreram o “ataque direto” do “Plano Condor número 2 para a América Latina, promovido pela direita mais reacionária e conservadora”.

“Uso estratégico das leis”
O caso de Lula costuma ser dado como exemplo do ‘lawfare’, sobretudo quando o então juiz anticorrupção Sergio Moro, que o condenou em 2017 no âmbito da operação Lava Jato, se tornou ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro.

Para sua advogada, Valeska Teixeira, que denuncia o “uso estratégico das leis” contra adversários, detalha que uma das partes dessa estratégia consiste na escolha da corte “mais vantajosa para atacar um inimigo”.

Usar e controlar os meios de comunicação, a prisão arbitrária, a reinterpretação da lei, a falta de um julgamento justo ou penas desproporcionais são outras características, explica o advogado Andreu Van den Eynde, no Parlamento Europeu.

Van den Eynde defende o político catalão Oriol Junqueras, condenado a 13 anos de prisão na Espanha por tentativa de secessão de 2017. Para os independentistas, o ‘lawfare’ “é um tema também europeu”, nas palavras de seu líder, Carles Puigdemont.

O ex-presidente regional catalão, que como eurodeputado presidiu o ato, partiu em 2017 para a Bélgica para evitar as ações judiciais na Espanha. Para seus detratores, é um foragido da justiça. Para seus partidários, busca justiça na Europa.

A justiça espanhola fracassou até o momento em obter sua demanda. A primeira solicitação foi retirada, e a segunda também, depois que a Alemanha aceitou sua extradição, mas não pelo crime mais grave, e agora a Bélgica tem a terceira em suspenso.

“Demonstramos em tempo real que estávamos diante do ‘lawfare'”, assegura o advogado Gonzalo Boye, para quem “enquanto se estava detendo políticos na Espanha”, em Bruxelas eram enviados “para casa pelos mesmos atos”.

A luta contra essa prática demanda “força, coragem e criatividade”, assegura Christophe Marchand, advogado de políticos catalães, mas também do ex-presidente equatoriano Correa e inclusive do fundador do WikiLeaks, Julian Assange.

No caso de Correa, residente na Bélgica e que denuncia uma perseguição do governo de seu sucessor, Lenin Moreno, mediante processos judiciais para impedir seu retorno político, seus advogados conseguiram frear os pedidos de extradição enviados à Interpol.

“A luta não acabou (…) No fim do dia, queremos que os juízes nacionais virem realidade”, acrescenta Marchand, em alusão às ações em nível internacional para contrabalançar, em sua opinião, o ‘lawfare’.

Por RFI