“É claramente uma tentativa de intimidação”, diz presidenta da FENAJ sobre denúncia do MPF contra Greenwald

Presidenta da FENAJ, Maria José Braga.
O Ministério Público Federal (MPF) de Brasília apresentou na terça-feira (21) uma denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald sobre a acusação de participação no hackeamento de dados que estão na origem da série de reportagens do site Intercept Brasil sobre a atuação dos procuradores e juízes na Operação Lava Jato. Para repercutir esta denúncia, a RFI entrevistou a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas, Maria José Braga.

“A FENAJ primeiramente se espantou com a denúncia porque o jornalista Glenn Greenwald não havia sido investigado na fase de inquérito policial e portanto não havia sido indiciado. A Polícia Federal não encontrou elementos para apontar qualquer atividade irregular ou ilegal do jornalista”, diz a presidenta da entidade.

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Maria José aponta a controvérsia deste episódio: “Para a nossa surpresa, um procurador da República, que já tem uma atuação bastante criticada em relação principalmente ao ex-presidente Lula denuncia o jornalista à Justiça, pedindo o indiciamento dele por crime de associação criminosa e interceptação telefônica”.

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Além disso, a jornalista avalia que houve desrespeito à investigação prévia da Polícia Federal – que já havia concluído não haver arbitrariedades da parte do jornalista Greenwald – e da Constituição neste caso.

“No nosso entendimento, o MPF desconheceu o trabalho da Policia Federal, desconheceu ou desrespeitou a decisão do STF, que em 2019 já havia determinado que o jornalista não fosse investigado, baseado no princípio constitucional do sigilo da fonte, e o MPF desrespeitou também a Constituição brasileira, que é bastante clara na expressão da liberdade de imprensa”, afirma.

Impacto no trabalho dos jornalistas investigativos no Brasil
Sobre o impacto desta denúncia do MPF contra o jornalista, a presidenta da FENAJ pede que os colegas não se intimidem. “A gente espera que veículos e profissionais de comunicação – e principalmente o jornalista Glenn Greenwald e o site Intercept Brasil – não se deixem intimidar”.

“É claramente uma tentativa de intimidação, uma tentativa de cerceamento ao trabalho do jornalista e o que nós, profissionais, temos de fazer é não nos deixar impactar por esta e outras acusações que estão, infelizmente, sendo frequentes no Brasil para impedir o livre exercício do jornalismo”, acrescenta.

Sobre a declaração do presidente Jair Bolsonaro, que comentou que Greenwald poderia passar um tempo na prisão, e sua recusa a dar entrevistas para jornalistas, na manhã desta quarta-feira (22), Maria José adverte que isso é uma ameaça à liberdade de imprensa.

“Em relação à frase dele sobre o Glenn Greenwald, nós da Fenaj já denunciamos lá atras que o presidente da República, ao dar esta declaração, estava ameaçando o jornalista, já que o presidente tem o controle do Ministério da Justiça e Segurança, que tem o controle da Polícia Federal. Houve claramente uma ameaça, uma tentativa de intimidação. Esta, infelizmente, tem sido uma atitude frequente do presidente da República”, lamenta.

Ameaça à democracia
A jornalista à frente da entidade de classe afirma que o presidente não cumpre com a obrigação da transparência de um cargo público e ainda descredibiliza a imprensa.

“Nós dissemos publicamente na semana passada, quando apresentamos um relatório sobre a violência contra jornalistas no Brasil, que o presidente tem sistematicamente dado declarações para descredibilizar a imprensa. E hoje, na sua passagem matinal pela porta do Alvorada, ele se recusou a dar entrevistas e de alguma forma tentou culpabilizar a Fenaj por sua atitude, dizendo que a Federação o havia criticado ao afirmar que ele ataca a liberdade de imprensa no Brasil e que por isso ele não ia mais dar entrevista”, aponta.

“Lembramos que cabe a qualquer funcionário público, principalmente às autoridades constituídas, como é o caso do presidente, respeitar os princípios da administração pública brasileira, e entre eles está o da transparência e da publicidade. Um presidente e qualquer outra autoridade pública tem o dever de informar à sociedade sobre os seus atos de governo. O presidente tem o dever, sim, de conceder entrevistas. Agora o que a FENAJ não quer e não admite é que, a pretexto de entrevistas, o presidente ataque profissionais e veículos de comunicação”, adverte.

Para ela, o que está acontecendo no governo é muito sério. “Infelizmente grande parte da sociedade brasileira ainda não percebeu a gravidade que é uma autoridade pública atentar contra a liberdade de expressão. Isso é uma ameaça real à democracia. Mas, felizmente, outra parte considerável da sociedade brasileira já percebeu e está do lado do jornalismo e do jornalista que está sendo atacado. A gente acredita que a liberdade de imprensa vai prevalecer neste caso”.

Por RFI