Romanelli: O dia que derrotamos o obscurantismo da Escola Sem Partido

O deputado Luiz Claudio Romanelli (PSB) relata o périplo para derrotar o obscuro e inconstitucional projeto Escola Sem Partido na Assembleia Legislativa do Paraná.

“O cerceamento do exercício docente fere a Constituição ao restringir o papel do professor”, escreve o parlamentar socialista.

Romanelli explica o distinto público o conceito de pluralidade de ideias no ambiente escolar.

“A escola é, por natureza, um ambiente essencialmente político, assim como todas as nossas relações também são políticas. Não é um espaço da doutrinação política e nem religiosa. A escola é laica, e é também política. Não é política partidária. É um espaço para a disseminação do pensamento crítico.”

Leia a íntegra do texto:

O dia em que derrotamos o obscurantismo

Economia

Luiz Claudio Romanelli*

“Luz, mais luz” (Goethe)

O dia 16 de setembro de 2019 ficará marcado como um dia histórico na Assembleia Legislativa do Paraná. Por 27 votos contrários e 21 a favor, o plenário derrotou o projeto da Escola sem partido. Foi uma decisão acertada, porque o projeto é terrivelmente inconstitucional e ilegal.

Entre outras excrescências, o projeto previa que cartazes fossem colocados nas escolas públicas e privadas do Paraná, determinando limites aos educadores para evitar o “doutrinamento ideológico” por parte de professores em salas de aula. Uma proposta obscurantista e retrógrada, digna de um Estado de exceção.

Desde que o projeto de lei foi apresentado, fui uma firme opositor da proposta. Em 2015, quando a primeira versão do projeto foi apresentada, escrevi: “A escola sem partido é uma ação de grupos conservadores que pretendem interromper a consolidação de valores básicos, no ambiente escolar, como o respeito à diversidade e pluralidade. O que a escola sem partido defende é uma escola sem pensamento. Ou talvez, sem alguns pensamentos que eles julgam inconvenientes.

Como deputado, jurei defender a Constituição e o projeto é flagrantemente inconstitucional.

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A Constituição Federal estabelece em seu artigo 22 que é competência privativa da União dispor sobre diretrizes e bases da educação nacional. A liberdade de ensinar e o pluralismo de ideais constituem diretrizes para a organização da educação impostas pela própria Constituição. Compete exclusivamente à União dispor a seu respeito. O Estado não pode sequer pretender complementar essa norma, deve se abster de legislar sobre o assunto.

A proposta contraria princípios legais, políticos e pedagógicos que orientam a política educacional brasileira, que no processo de consolidação da democracia, apontam para autonomia dos sistemas de ensino na elaboração dos projetos político pedagógicos, a liberdade de ensinar e aprender, o pluralismo de ideais e concepções pedagógicas, a gestão democrática da escola, a valorização da diversidade humana e a inclusão escolar.

O cerceamento do exercício docente fere a Constituição ao restringir o papel do professor, estabelecer censura a determinados conteúdos e materiais didáticos, além de proibir o livre debate no ambiente escolar. Seria um enorme retrocesso se tivesse sido aprovado.

Instituições como o Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), o Ministério Público Estadual e o Conselho Estadual de Educação também manifestaram-se publicamente contra a proposta. Foram unânimes em rejeitar a constitucionalidade do projeto, que fere a liberdade de ensino.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inconstitucionalidade em todas as ações diretas contra projetos similares a esse. Foram suspensas as aplicações desse tipo de lei.

No dia 18, apenas dois dias depois de rejeitarmos o projeto, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de medida cautelar, para suspender qualquer ato do poder público que autorize ou promova censura a professores no ambiente escolar.

De acordo com a PGR, a medida foi motivada pelo crescente número de leis e movimentos que buscam implantar um modelo de ensino que contraria o modelo educacional vigente, definido pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Entre os movimentos apontados pela PGR, está o escola sem partido.

“A escola é o espaço estratégico para a construção de uma sociedade de pessoas que se dirigem umas às outras de forma ética, sendo essencial, a tal propósito, a abordagem de questões como gênero, identidade de gênero e orientação sexual”, defendeu Dodge.

Pesquisei na Ouvidoria da Secretaria de Estado da Educação os atendimentos realizados referentes ao tema “doutrinação”. No Paraná temos com 2143 escolas, 35 mil turmas, 100 mil professores e aproximadamente um milhão de alunos. Somente neste ano letivo já foram ministradas 22 milhões de aulas. De fevereiro a agosto deste ano, a Ouvidoria recebeu 15.690 registros de reclamações. E quantas foram as queixas sobre “doutrinação”? Trinta e quatro queixas ou 0,0001%. É um percentual absolutamente irrisório e que comprova que o ambiente escolar no Paraná não é de doutrinação ou permissividade.

A escola é, por natureza, um ambiente essencialmente político, assim como todas as nossas relações também são políticas. Não é um espaço da doutrinação política e nem religiosa. A escola é laica, e é também política. Não é política partidária. É um espaço para a disseminação do pensamento crítico.

Os deputados estaduais do Paraná reconheceram que o ambiente escolar do Paraná é um espaço de amor, de respeito, de acolhimento, de reconhecimento das diferenças, um ambiente absolutamente plural de pensamento e liberdade.

Boa Semana! Paz e Bem!

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PSB.