Ratinho e o leite derramado da agricultura familiar, por Enio Verri

O deputado Enio Verri (PT-PR) denuncia que a adoção de novos padrões no processo de ordenha do leite, se imediatamente implantados, poderão quebrar os pequenos produtores rurais. Segundo o parlamentar, 60% do leite produzido no Brasil é oriundo da agricultura familiar.

Verri afirma que o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), parece nada interessado na questão do leite porque governa somente para a elite.

“Até o momento, os pequenos produtores não sabem se terão assistência técnica do governo, que é uma das partes caras para essas famílias, quando decidem investir em tecnologia”, escreve o deputado.

Leia a íntegra do texto:

Não jogue o leite fora, governador

Enio Verri*

Economia

As Instruções Normativas, 76 e 77, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), são dois passos importantes no sentido de consolidar o Brasil como o 4º produtor mundial de leite. Em linhas gerais, elas pretendem harmonizar a um padrão de condições do leite, tanto do ponto de vista do produto em si, quanto dos métodos do processo de ordenha. Agregando mais tecnologia, valoriza-se as marcas e isso é muito bom para o Brasil de uma forma geral. E esse processo é desejável por todos os produtores, desde os maiores aos menores. Entretanto, a exigência da adoção imediata dos padrões será um duro golpe da economia do estado. De acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 60% do leite produzido no Brasil é oriundo da agricultura familiar. Produzem de 50 a 100 litros por dia, às vezes, um pouco mais. O MST produz mais de 800 mil litros por mês.

Trata-se de um problema muito mais político do que técnico, apesar de os tê-lo, também. Um governo preocupado com os pequenos produtores já os teria reunido e estabelecido um processo de instalação de tecnologias mais avançadas, com planos de financiamento do estado. A medida, como está, vai arruinar a economia de municípios brasileiros com até 20 mil habitantes, pois 90% deles são profundamente dependentes da agricultura familiar. O desastre será em escala. Os pequenos produtores se verão obrigados a mudar de área, assumindo um rol de prejuízos, como financiamentos, desfazimento de equipamento e aprendizado de área que ainda não domina. Com a saída dos pequenos produtores, o valor do produto será controlado pelos 40% restantes que permanecerão no mercado, concentrando ainda mais a riqueza e a produção dela. A sociedade pagará mais caro por menos diversidade. Já quem não conseguir mudar de área, ou se manter como produtor semiartesanal, que será considerado, venderá sua propriedade para engrossar as estatísticas dos grandes centros, como mais um banido do seu meio de produção.

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Essa é a grande tragédia que se anuncia. Essas pessoas não começaram a atividade na semana passada, governador. São famílias que, desde a conquista da terra, até chegarem ao atual nível tecnológico alcançado para a atividade, investiram décadas de sangue e suor. As condições para superar os problemas técnicos são determinados pela vontade política. Pelo andar da carruagem, o governador Carlos Massa Ratinho Júnior parece nada interessado nessa questão, a não ser satisfazer os desejos da elite, para quem governa. Até o momento, os pequenos produtores não sabem se terão assistência técnica do governo, que é uma das partes caras para essas famílias, quando decidem investir em tecnologia. Os custos de uma consultoria técnica para esses investimentos estão muito além das condições dessas famílias, cuja renda da produção é revertida na manutenção da família, compra de insumos para a produção e investimentos de reparos, não sobrando o suficiente para o pagamento de uma consultoria. Sem uma linha de financiamento para a aquisição dos equipamentos, será o fim da possibilidade de essas famílias de manterem na atividade.

De um lado, temos uma ótima oportunidade para melhorar a qualidade do leite brasileiro. Porém, a imediata adoção da medida, sem levar em consideração a desigual condição de produção, levará a um caos na economia do estado. Se o governador não enxerga o óbvio, é preciso saber porquê. Das duas uma, ou Júnior está mal assessorado e não ideia do desastre econômico e social que se anuncia, ou Ratinho está mais interessado em ver os grandes produtores açambarcarem o mercado. Deixar os pequenos produtores à própria sorte e fingir não ver o problema é uma opção política. Nesse sentido, ressalta-se a Audiência Pública realizada pela deputada estadual Luciana Rafagnin, na segunda-feira (9), que trouxe mais luz à questão. A institucionalização pública do debate é fundamental para reforçar a responsabilidade do governador. A reação dos municípios produtores deve ser inversamente proporcional ao desinteresse político de Ratinho. A sociedade não pode permitir que os agricultores familiares, aqueles que abastecem nossas mesas, sejam abandonados por um governo plutocrata. Reagir é defender a economia de todo o estado.

*Enio Verri é deputado federal do Paraná.