Gleisi Hoffmann: Fome e Esperança na Argentina

A presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), escreve o obituário do presidente da Argentina, Mauricio Macri, que sofreu acachapante derrota nas eleições primários do último domingo.

Fome e Esperança na Argentina

Gleisi Hoffmann*

Há aqueles que se surpreendem com o óbvio. Por exemplo, a acachapante derrota de Macri nas eleições primárias da Argentina parece ter colhido muitos “analistas” de surpresa. Eles parecem não entender o que está acontecendo lá e se mostram preocupados com o “futuro” do nosso parceiro do Mercosul.

Deveriam se preocupar com o presente.

O governo Macri, aquele que eles juravam que era uma promessa de modernidade, que iria salvar a Argentina das garras do “atraso kirchnerista”, submergiu o país num poço sem fundo e sem esperança de retrocessos econômicos e sociais.

Economia

De fato, havia gente no Brasil e na Argentina que achavam que o governo neoliberal de Macri faria a Argentina crescer muito e satisfazer as necessidades básicas da população. Lá e cá, a ultrapassada fórmula do neoliberalismo foi vendida, novamente, como a modernidade redentora. O governo Macri, seria, assim, um governo de grandes feitos. Mais significativo deles tenha foi transformar um país de abundância de alimentos num país de forme.

Hoje em dia, de acordo com dados oficiais, cerca de um terço da população da Argentina (32%) está abaixo da linha da pobreza. Apenas no ano passado, a pobreza aumentou 6,3%, levando 2,7 milhões argentinos a cair numa pobreza aviltante. Isso mesmo, quase 3 milhões de novos pobres num ano, em uma população de 44 milhões. No Brasil, proporcionalmente, seriam 11, 45 milhões de novos pobres em um ano. Façanha histórica!

O número de indigentes aumentou quase 40%, em 2018. O pior é que esse aumento brutal da pobreza e da indigência afeta mais as crianças. Ainda conforme os dados oficiais do Indec, na população entre 0 e 14 anos quase a metade (46,8%) é de pobres.

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A inflação de 47% ao ano, a mais alta das últimas três décadas, outra grande façanha de Macri, somada à recessão, faz com que alimentos que a Argentina produz em abundância, como leite, queijos e carnes, se tornem proibitivos, mesmo para a classe média baixa.

O leite, por exemplo, quadruplicou de preço desde que Macri assumiu o governo. O resultado é que quase a metade das crianças argentinas enfrenta dificuldades para se alimentar adequadamente.
Há fome na Argentina.

Há também frio. O preço do gás, essencial para a calefação, que foi liberado por Macri, subiu cerca de 1.000%.

É assim que o neoliberalismo assegura o futuro? Privando crianças de alimentos e de condições básicas de vida?

No reino encantado do neoliberalismo de Macri, apenas 42,3 % da população economicamente ativa tem emprego regular com todos os direitos. O resto da população ou está totalmente desempregada (10,1%), ou subocupada (11,8%), ou são ocupados precários que demandam outro emprego (17, 5%).

Ressalte-se que essas grandes façanhas do neoliberalismo na Argentina foram obtidas com total apoio do FMI, pois o governo Macri, face ao descalabro econômico e cambial por ele mesmo criado, teve de se socorrer, de novo, como no passado, a essa instituição dedicada a reproduzir políticas fracassadas e lesivas à soberania nacional e à população.

Mas o governo Macri, assim como o governo Bolsonaro, insiste em apresentar seus erros óbvios como equívocos alheios. Mesmo depois de 4 anos de mandato, Macri não reconhece o desastre que criou, preferindo botar a culpa nos governos anteriores e até no provável futuro governo que ainda nem começou. Acredita piamente que os investidores e o mercado estão ao seu lado.

Contudo, os investidores sérios não acreditam e nunca acreditarão, na prática, em governos que aumentam a pobreza, o desemprego e a desigualdade social e, por consequência, diminuem o consumo e o dinamismo dos mercados internos. Esse tipo de governo só atrai especuladores de curto prazo, abutres que se nutrem da desgraça da população mais pobre. São esses que fazem cair as bolsas.

Bolsonaro, demonstrando mais uma vez seu total despreparo para governar, afirmou que, muito em breve, a “esquerdalha” da Argentina fará com que o Rio Grande do Sul se converta em Roraima, e passaria a receber muitos imigrantes argentinos.

Com essa declaração agressiva e tosca, Bolsonaro interferiu indevida e grotescamente numa eleição em um país vizinho e soberano. Caso Fernández ganhe, e tudo indica que isso irá acontecer, o Brasil ficará em situação difícil, em suas relações bilaterais com a Argentina.

Demonstrou também, mais uma vez, sua proverbial ignorância. Mal sabe ele que quando a “esquerdalha” governava a Argentina, o país viveu momentos de crescimento econômico com distribuição de renda e eliminação progressiva da pobreza. E sem tutela do FMI.

Foi, como mostram os dados oficias, o governo Macri que conduziu a Argentina ao desastre atual, assim como foram o governo Temer e o governo Bolsonaro que submergiram o Brasil em seu período histórico mais tenebroso pós- ditadura militar. É importante registrar também que Macri recebeu apoio de Bolsonaro, que pratica as mesmas políticas no Brasil.

Alberto Fernández, um político de centro-esquerda, representa a esperança numa Argentina soberana, que poderá voltar a crescer distribuindo renda e oportunidades. Uma Argentina sem inflação, desemprego e fome. Um Argentina amiga do Brasil e do Mercosul. Uma Argentina na qual as crianças voltem a comer adequadamente. Uma Argentina capaz de sonhar com dias melhores.

Já Bolsonaro, apenas uma “conjuntura” na vida do Brasil, como bem definiu Alberto Fernández, uma conjuntura muito infeliz, representa um pesadelo econômico, social e político. Um pesadelo que, como indicou Alberto Fernández, não resistiria a Lula livre.

Na Argentina, a maioria da população já percebeu quem fez o melhor governo e quem aposta realmente em dias melhores para todos.

No Brasil de Bolsonaro, o mesmo processo acontecerá. É inevitável.

Inevitável como um novo dia.

*Gleisi Hoffmann é presidenta nacional do PT, deputada federal pelo Paraná.