Na dura travessia, precisamos sobreviver

Rodrigo Maia, líder oculto do Centrão, chora depois de ferrar com a aposentadoria dos trabalhadores.
Três votações dão sinais da atual situação política da esquerda. Muito mais do que a matéria votada, espelham o processo que se desenvolve no país há algum tempo.

No impeachment, Dilma contou com parcos 137 votos. Todo o centro político votou contra a ex-presidenta. Apenas PT, PSOL e PCdoB defenderam integralmente seu mandato. Houve defecções no PDT. O PSB votou pela sua deposição.

Na votação sobre a transferência do COAF para o ministério da Justiça, a esquerda se dividiu novamente. Não se tratava de uma questão meramente técnica. No simbólico, estavam em julgamento os ataques da Lava Jato ao Estado Democrático de Direito.

Na esquerda, apenas PT e PCdoB votaram unidos contra Moro. No PSOL, três abstenções pró-Moro. O PDT encaminhou contra, mas parte da bancada votou a favor. No PSB, a maioria dos deputados desautorizou a orientação do líder e votou com o ex-juiz.

Quem garantiu a derrota de Moro no Congresso foi o “famigerado” Centrão.

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Na votação da previdência, os contrários somaram parcos 131 votos, resultado muito parecido com o de Dilma. Integralmente contra a reforma, novamente apenas PT, PCdoB e PSOL. Defecções no PDT e no PSB se repetiram, apesar das orientações partidárias contra a reforma.

Se não consegue nem a unidade de seus partidos em votações estratégicas – onde estiveram em jogo a questão democrática e direitos consagrados -, como a esquerda pretende construir um pólo que volte a polarizar o país?

A população se dividiu no apoio à reforma que lhe retira direitos. A derrota do campo popular e democrático foi estratégica. A defensiva ideológica é imensa. E a leitura equivocada da correlação de forças abre brecha para todo tipo de ilusões. Não haverá a esperada guinada fantástica à esquerda.

Prestem atenção no discurso de Rodrigo Maia comemorando a vitória. Possui algumas dicas da disputa real. Ele ignora solenemente a esquerda.

O presidente da Câmara demarca como uma vitória do Centrão, diz que os ataques do Planalto à política devem cessar e que um novo padrão de relacionamento deve ser inaugurado.

É duro reconhecer, mas a verdadeira disputa no país hoje é entre a extrema-direita e a centro-direita democrática. O eixo da política brasileira foi deslocado radicalmente.

A vitória da reforma da previdência alimenta o programa dos dois. A visão liberal os aproxima, mas não é exatamente a mesma. Próceres bolsonaristas amanheceram atacando o Congresso, dizendo que a politicagem desqualificada fez concessões demagógicas que reduziram a tal “potência fiscal” de 1 trilhão para pouco mais de 700 bilhões.

Se existe proximidade na economia, um abismo se abre na questão democrática. Bolsonaro não fecha o Congresso porque não tem força para isso. Ficou claramente constrangido e contrariado explicando a liberação de emendas. Todos viram.

Acusar os deputados do Centrão de “comprados” é o caminho correto para quebrar o isolamento? Execrar deputados de partidos do campo progressista que votaram pela reforma é a saída para reunificar a esquerda? Na atual quadra política, estamos em condições de prescindir de alguém?

O desafio do campo progressista é sobreviver, apenas sobreviver, não se afogar na avassaladora onda conservadora que se formou em 2013. O risco de um naufrágio sem sobreviventes é imenso.

O momento exige frieza, firmeza, muita paciência, generosidade, menos verdades, mais inteligência política e o principal, a capacidade de compreender a centralidade de alianças amplas em torno da questão democrática.

Não se iludam, a travessia será longa e tortuosa.