Milton Alves: Bolsonaro ressuscita o ‘porão’ da ditadura na Presidência da República

O ativista social Milton Alves, que integrou a Comissão da Verdade no Paraná, avalia que as provocações de Jair Bolsonaro (PSL) se inserem no marco de uma ofensiva contra a democracia e o Estado de direito. Segundo o articulista, seria uma tentativa de instalar um porão da ditadura militar na Presidência da República.

Bolsonaro ressuscita o ‘porão’ da ditadura na Presidência da República

Milton Alves*

As estarrecedoras e criminosas declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobre o desaparecido político Fernando Augusto Santa Cruz chocaram o país e a consciência democrática. Bolsonaro ainda ofendeu a memória de Santa Cruz que integrava a organização política de esquerda Ação Popular, que combatia a ditadura e não participou da luta armada.

“Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio desaparecer no Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro numa referência ao pai do atual presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz.

Após as declarações de Bolsonaro, inúmeras lideranças políticas, jornalistas e personalidades do mundo jurídico contestaram as criminosas e infames afirmações do presidente.

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Felipe Santa Cruz rebateu no Twitter e disse que os comentários de Bolsonaro são “inqualificáveis” e que demonstram “mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia”.

“É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão”, disse o presidente da OAB. “Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro — e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos”, disse.

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Ainda na tarde de segunda-feira (29), Bolsonaro em uma transmissão ao vivo numa rede social afirmou que Fernando Santa Cruz foi assassinado por outros integrantes da Ação Popular. Ou seja, Santa Cruz foi “justiçado” por seus próprios companheiros. Uma infâmia e uma mentira construída nos porões dos assassinos da ditadura.

“O pessoal da AP no Rio de Janeiro ficou estupefato. ‘Como pode vir esse cara vir do Recife aqui se encontrar com a gente aqui?’ O contato não seria com ele, seria com a cúpula da Ação Popular no Recife. E eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz. Essa é a informação que eu tive na época”, afirmou Bolsonaro.

As declarações do presidente não encontram nenhum respaldo e são levianas e criminosas. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, Fernando Santa Cruz Oliveira foi visto pela última vez em 23 de fevereiro de 1974, quando foi preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi. O militante da Ação Popular (AP) tinha vida legal e era funcionário público em São Paulo.

A Comissão Nacional da Verdade reconheceu em relatório oficial de 2014 que Fernando Augusto Santa Cruz foi morto por agentes do estado brasileiro. E que foi mais um crime da ditadura militar contra opositores políticos do regime.

As provocações de Bolsonaro se inserem no marco de uma ofensiva contra a democracia e o estado de direito. Cada vez mais autoritário e prepotente, o governo Bolsonaro tentar criar um clima de intimidação e violência, forjando as condições para implantação de um estado policial.

Nos últimos dias, a escalada antidemocrática prosseguiu com a edição da portaria 666/2019 do ministro da Justiça Sergio Moro, com a invasão pela Policia Federal de reunião sindical em Manaus e do acompanhamento por arapongas da Abin de uma plenária da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Além da montagem da farsa dos “hackers de Araraquara” e da ameaça de prisão do jornalista Glenn Greenwald (The Intercept) feita em público por Bolsonaro.

É hora de deter a escalada antidemocrática do governo da extrema-direita! E mais do que nunca é necessária a unidade das forças populares e democráticas para impedir novos crimes de Bolsonaro.

*Milton Alves é ativista político e social, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Integrou a coordenação do Fórum Paranaense pelo resgate da Verdade, Memória e Justiça. Autor do livro “A Política Além da Notícia”.