Ricardo Cappelli: O domingo sangrento

O jornalista Ricardo Cappelli crava que ‘o PT prefere correr o risco de perder liderando do que ganhar liderado’ e destaca ‘a impressionante força de Lula’ que subjugou PDT, PCdoB e PSB no ‘domingo sangrento’.

O domingo sangrento

Ricardo Cappelli*

O dia 5 de agosto de 2018 poderá ficar marcado na história da esquerda brasileira. Entretanto, se alguma força do campo eleger o próximo presidente da República, o dia ficará no passado.

Vitórias têm o poder de confortar os corações. Se vier a derrota, as relações na esquerda nunca mais serão as mesmas.

Na guerra, quando a diplomacia falha a infantaria é instada a entrar em campo. Sobrepujar o outro através das armas faz parte do jogo. Deixa sangue pelo caminho, mas o que conta é o resultado final.

Economia

Quando a força bruta entra o que vale é o número de divisões que possui cada exército. Todo mundo faz conta. Quem reconhece sua fragilidade prefere se render de olho na sobrevivência e pensar num possível amanhã.

Não existem vilões ou mocinhos, culpados ou inocentes. Existe confronto de força objetiva em movimento. Só os românticos ingênuos acreditam em amor e simpatia na guerra e na política.

Reviravoltas e viradas de mesa, coligações consagradas rompidas à canetada, candidaturas cassadas, convenção anulada na justiça, muitas ameaças e todo tipo de chantagem marcaram a batalha de domingo. Um cavalheiro pode virar um assassino cruel quando o assunto é poder.

Lula exerceu sua força, utilizou o nordeste como quartel general de suas tropas e impôs sua estratégia. Tem uma popularidade espantosa na região. Todos os governadores querem ou necessitam estar ao seu lado.

Ciro ousou questionar a linha definida pelo ex-presidente. Acabou isolado.

Carlos Siqueira, presidente do PSB, expôs a dureza da situação ao Estadão. Responsável pela decisão que retirou Marília Arraes do caminho do governador Paulo Câmara e decapitou Márcio Lacerda em Minas, Siqueira reclamou no jornalão do “sentido exclusivista do PT”.

Se não concorda, por que tomou a decisão de levar seu partido à neutralidade, esfacelando sua identidade nacional? Simples. Emparedado por Lula, não lhe restou alternativa.

O PCdoB viveu situação semelhante. O partido lutou pela unidade. Tinha como resolução a construção de uma Frente Ampla. Acabou compondo uma “frente” com o PT, o PROS e o exótico PCO.

Os comunistas, premidos pelo fantasma da cláusula de barreira e pela força de Lula no nordeste, foram alvo de artilharia de toda sorte. Acabaram obrigados a cuidar da própria sobrevivência apostando na “unidade possível” com as melhores condições para seus objetivos partidários. Tudo legítimo e compreensível.

No recuo imposto, um feito. A vice de Haddad para Manuela, quando Lula for impugnado. O PT não admite que um não petista fale como vice do ex-presidente.

Com movimentos em direção a Ciro e candidatura própria, PSB e PCdoB não agiram por “antipetismo”. Partiram de uma leitura da conjuntura. A mesma que orienta o PDT.

Acreditavam que alguém de outra sigla, com o apoio do PT, teria mais chances. Não estiveram sozinhos nessa jornada. Vozes como Jaques Wagner, jornalistas progressistas, intelectuais e governadores do PT se levantaram na mesma direção.

O que houve de quarta feira para cá? Mudaram de opinião? Não. Acabaram todos subjugados pela impressionante força de Lula.

Para o PDT, o PCdoB e o PSB fica uma lição. Isolados jamais conseguirão liderar um projeto nacional. O PT prefere correr o risco de perder liderando do que ganhar liderado. É legítimo que pense assim. Provou ter força suficiente para impor sua vontade, qualquer que seja ela.

Lula dobrou a esquerda. Terá que provar que, com uma aliança esquálida, preso em Curitiba, consegue repetir a “fórmula Dilma” e levar o ex-prefeito de São Paulo ao Palácio do Planalto. Se obtiver êxito sairá de vez da vida, vivo, para virar uma lenda, um mito.

Se falhar, as gotas de sangue do “domingo sangrento” continuarão a pingar, infelizmente, por um longo tempo.

*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.