Requião: Cadê as forças armadas para defender a integridade do Brasil?

O senador Roberto Requião (MDB-PR), presidente da Frente Nacional da Soberania Nacional, cobrou posicionamento da Aeronáutica e das Forças Armadas na defesa da integridade territorial do Brasil. Em vídeo e em artigo (assista e leia abaixo), o parlamentar afirma que a política de “Céus Abertos” manda a soberania para o espaço. “Este governo não governa o Brasil. Entrega, doa, vende baratinho.”

A Soberania foi para o Espaço

Este governo não governa o Brasil. Entrega, doa, vende baratinho. Como todo governo neoliberal, terceiriza a gestão de tudo ao “mercado”. Como um Pilatos, lava as mãos no óleo sujo e pegajoso das transações suspeitas e entrega o Brasil à turba voraz do capital financeiro, sem se importar com o país, seu patrimônio e seu povo.

Vai-se tudo. Pré-sal, gasodutos, refinarias, indústria naval, hidrelétricas, construção civil pesada, indústria de defesa, Petrobrás, Eletrobrás, Embraer, reservas minerais, águas, terras e tudo o mais que puder ser vendido e desnacionalizado.

Nesse maelstrom entreguista e desnacionalizante o céu era o limite. Não mais. Até o nosso céu se foi.

Economia

Ante um plenário com meia dúzia de senadores, com suspeita inversão de pauta e total ausência de debate, foi aprovado o novo acordo de serviços aéreos entre Brasil e EUA, contra meu voto e meu pedido regimental de verificação de quórum, solenemente ignorado pelo senador que presidia a trágica sessão. A pressa injustificada, a inexistência de uma discussão mais aprofundada e o atropelo cínico das regras regimentais do Senado Federal denunciam que se aviou encomenda política de instâncias superiores. Coisa muito suspeita, para dizer o mínimo.

Com efeito, basta ler com cuidado o texto do acordo, coisa que o Senado não fez.

O texto do novo acordo difere bastante do antigo acordo pactuado entre Brasil e Estados Unidos da América, em março de 1989, o qual foi baseado no modelo tradicional de concessões recíprocas para tráfego internacional de aeronaves, com fixação, pelo Estado nacional, de algumas rotas, limitação da quantidade e frequência de voos e tipo de aeronaves, entre outras restrições, incluindo até a especificação de parâmetros para cobrança de tarifas dos passageiros.

Já o novo acordo enquadra-se na categoria dos novos compromissos internacionais na área da aviação civil, aproximando-se da política de “Céus Abertos”, que busca reduzir restrições à operação das empresas aéreas dos países signatários em voos internacionais, baseando-se na “livre concorrência”, “liberdade tarifária”, e menor (se alguma) interferência governamental.

Dessa forma, este novo acordo pactuado pelo Brasil com os Estados Unidos é baseado totalmente em “regras de mercado” e permite “ampla flexibilização” para a operação de empresas aéreas americanas em vô os internacionais, com tráfego no território das Partes. No tocante a tal “flexibilização”, há de se destacar, em especial, o artigo 11 do ato internacional aprovado, o qual tem a seguinte redação:

Artigo 11

2. Cada Parte permitirá que cada empresa aérea determine a frequência e a capacidade do transporte aéreo internacional que oferece com base em considerações comerciais do mercado. Em conformidade com esse direito, nenhuma Parte limitará unilateralmente o volume de tráfego, a frequência ou a regularidade do serviço, ou o tipo ou tipos de aeronaves operadas pelas empresas aéreas da outra Parte, ………………

3. Nenhuma Parte imporá às empresas aéreas da outra Parte um requisito de primeira-recusa (direito de opção), proporcionalidade de número de voos, taxa de não objeção ou qualquer outro requisito relativo à capacidade, frequência, ou tráfego que possa ser inconsistente com as finalidades deste Acordo.

4. Nenhuma das Partes exigirá o registro, para aprovação, de horários, programação de voos charter, ou planos operacionais pelas empresas aéreas da outra Parte………………………

No que tange especificamente aos voos charter, destacamos o que diz o parágrafo 5 do Artigo 2, o qual tem a seguinte redação:

5. Cada Parte autorizará operações não regulares (charter) de passageiros, carga e combinadas sem limitação quanto ao número de voos.

Perceberam?

O sentido geral do novo acordo é o de impedir que o Estado nacional brasileiro, considerando o bem público e a proteção de suas empresas de aviação, possa, de qualquer modo, limitar ou regular a atuação de empresas norte-americanas, no tráfego aéreo bilateral. São as empresas norte-americanas que decidirão, sozinhas, quantos voos farão, para onde farão e quanto cobrarão pelos serviços. E isso vale tanto para os voos regulares quanto para os voos charter. De passageiros ou de carga.

Os mais desavisados poderão argumentar que o acordo prevê reciprocidade. Mas tal reciprocidade é apenas formal e ilusória. Na prática, quem vai se aproveitar das “flexibilizações” são as empresas norte-

americanas de aviação, muito mais poderosas que as empresas formalmente constituídas aqui.

Há uma enorme assimetria entre os dois lados dessa equação bilateral. Tal assimetria se reflete no número de voos atualmente operados, respectivamente, por companhias brasileiras e por companhias norte-americanas entre os dois países. Hoje, as empresas formalmente brasileiras operam 72 voos semanais entre os dois países. Já as norte-americanas operam 130, quase o dobro. Com a crise brasileira, é provável que tal assimetria se aprofunde. Obviamente, o novo acordo, com sua lógica de “mercado”, na qual o Estado brasileiro não terá participação alguma, deverá contribuir decisivamente para o aprofundamento dessa assimetria e para a progressiva desnacionalização desse setor estratégico.

Ressalte-se que essa desnacionalização se aprofundou bastante nos últimos anos. As pouquíssimas empresas de vulto aqui constituídas já têm, pelo que se sabe, participação majoritária de capital estrangeiro. A tendência, portanto, é que essas empresas “nacionais” façam acordos com empresas norte-americanas e acabem virando sócias minoritárias, no tráfico aéreo bilateral.

Esse quadro se agravará ainda mais, caso o Congresso Nacional aprove o projeto de lei que permitirá que estrangeiros possam deter 100% do capital de empresas aéreas que operem no Brasil. Atualmente, estrangeiros só podem ter, formalmente, 20% do capital dessas empresas.

Tal limitação tem uma sólida razão. Em quase todo o mundo, o serviço aéreo é considerado estratégico para a segurança de um país, pois é através dele que se integra o espaço nacional e se faz a comunicação com o exterior. Observe-se que, num país continental como o Brasil, com grandes problemas de infraestrutura de transporte, a importância dos serviços aéreos para a integração nacional é muito maior. Afinal, o que seria da Amazônia, por exemplo, sem o transporte aéreo de cargas e passageiros?

Assim, entregar o serviço aéreo a estrangeiros significa criar uma grande vulnerabilidade para o país, pois empresas internacionalizadas vão obedecer, prioritariamente, aos interesses de suas matrizes.

Atualmente, já é grande a reclamação da população com os preços absurdos das passagens e com a escassez de linhas áreas em regiões onde a demanda é menor. Esse quadro de abandono deverá se ampliar com a abertura ao capital estrangeiro, pois os investidores desejarão recuperar seus

investimentos rapidamente, e não terão qualquer compromisso com a integração do espaço nacional.

Mas, além de favorecer os interesses de empresas norte-americanas de transporte e contribuir para a desnacionalização do setor, o ato internacional aprovado à solapa pelo Senado também avança nas regras relativas à segurança da aviação.

Ele assegura o direito da realização de visitas técnicas de segurança aeroportuária no território da outra Parte para verificar se as medidas de segurança fixadas pelo Anexo 17 da Convenção de Chicago estão sendo implementadas.

Por favor, não vão imaginar que a Anac e a Polícia Federal irão aos EUA para fazer inspeções de segurança. Caso nossas autoridades tenham o topete de fazê-lo, serão escorraçadas a pontapés. Porém, é fácil imaginar autoridades norte-americanas andando por nossos aeroportos e distribuindo instruções a granel. Desse modo, embora o Estado brasileiro não venha a ter mais nenhuma ingerência no tráfico aéreo bilateral, o Estado norte-americano terá, inclusive em nosso território.

A Anac que hoje nada fiscaliza, nada regulamenta e nada mais é que uma presa inerte nas mãos do setor aeroviário, não terá forças sequer para dar palpite no cardápio das empresas aéreas, já que o acordo, por prevenção, elimina a possibilidade de a Agência, no futuro, sob um governo sério, de fiscalizar e regulamentar.

Assim sendo, a política de “céus abertos” contida nesse acordo escancara nosso espaço aéreo para os interesses comerciais das grandes companhias aéreas norte-americanas e para os objetivos de segurança do Estado dos EUA, em detrimento do bem público e do interesse do país.

E a soberania nacional? Bem, essa já foi para o espaço aéreo. Literalmente.