Quem apertou o gatilho?

“Quem apertou o gatilho?”, pergunta o jornalista Ricardo Cappelli ao afirmar que a execução bárbara de Marielle e Anderson é um duro e dramático choque de realidade. “A barbárie contra a vereadora do PSOL não foi um crime premeditado por uma central golpista. É muito pior. É afronta às instituições democráticas”, escreve.

Por Ricardo Cappelli*

Um soco no estômago. Não me lembro de uma noite tão perturbadora. Difícil ver expostas as vísceras da cidade onde nasci. A frase que Flávio Dino pronunciou no auge da luta contra o impeachment ficou martelando na minha cabeça durante a madrugada: “Tiraram o gênio do fascismo da garrafa”.

A execução bárbara de Marielle e Anderson é um duro e dramático choque de realidade. Discurso ideológico mata.

No almoço de ontem ainda em Brasília, o deputado federal cearense que nos fez companhia, relatou que no seu estado, quando Lula sai da pesquisa, Bolsonaro assume a liderança com impressionantes 32% dos votos. Disse ainda que pelo interior as pessoas dizem que estão à espera do rifle que o fascista prometeu a todos.

O Rio hoje amanheceu mudo. O sol triste brilha fosco em respeito à memória das vítimas da irracionalidade que tomou o país. Um Golpe de Estado de uma elite irresponsável abriu a caixa de pandora liberando nossos piores demônios.

Economia

Rasgou a nossa nacionalidade. Ao invés de nos unirmos, transformamos o outro na causa de nossos insucessos supostamente individuais. Quando o irmão vira o inimigo a ser combatido somos todos enterrados vivos.

Nossas instituições estão esfarelando.

A criminalização da política dinamitou qualquer possibilidade de mediação. Fazer política virou coisa “mau cheirosa”. Um presidente carente de legitimidade e acuado por sucessivas denúncias. Um Congresso Nacional esfacelado.

Temos onze Supremos Tribunais Federais. Vossas Excelências trocam tapas em praça pública. Alguns, traindo a Constituição, se arvoram Deuses iluministas, “neopositivistas”, a própria encarnação do certo e do errado acima dos simples mortais. Leis em movimento desmoralizam nossa Carta Magna. O contrato social que nos une virou peça de ficção.

O interventor Braga Neto, general usado pelo Planalto em sua pirotecnia, afirma após uma reunião com os comandos da polícia militar e civil do estado do Rio que “não sabe como eles não se matam”. O taxista que me leva à reunião no centro da cidade diz que não adianta nada pegar os autores da execução, “se prenderem, em dois anos no máximo já estarão soltos”.

Estamos cada vez mais no fundo do poço, e caindo. A barbárie contra a vereadora do PSOL não foi um crime premeditado por uma central golpista. É muito pior. É afronta às instituições democráticas.

Completo desrespeito por tudo e por todos. Desprezo pela vida. É o gene do fascismo se espalhando pela sociedade de forma endêmica. A brutalidade desafiando à civilização.

Onde fomos parar? Deixei a cidade em 2003 para trabalhar no governo Lula. Primeira experiência de governo da esquerda depois de décadas. Nunca um homem genuinamente do povo havia chegado tão longe. Olho para meus filhos hoje e reflito sobre a situação atual. Saí cheio de esperança. O que deu errado?

Não é hora de procurar causas ou culpados.

Executam uma hoje. Prendem outro amanhã. Enquanto disputamos o nada, o fascismo vai caçando todos, um a um. Nossa divisão é a antessala de um suicídio coletivo e inacreditável. O sangue do Brasil vai escorrendo até não restar mais nenhum vermelho. O futuro vai virando medo e apreensão.

Mãos poderosas apertaram o gatilho. Destruíram nossa economia. Implodiram o tecido social. Manobram e zombam de nossas instituições.

Eles estão marchando. Mais balas virão. O povo está assustado: “se fizeram isso com uma vereadora, imagina o que farão comigo?” Bravatas não vão nos livrar dos próximos atos de barbárie. Que tal sacarmos a bala que pode derrotá-los? Ela é curtinha e poderosa. Atende pelo nome de UNIDADE.

*Ricardo Cappelli é jornalista e secretário de estado do Maranhão, cujo governo representa em Brasília. Foi presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) na gestão 1997-1999.