O deputado Requião Filho (MDB), advogado legalista, recomenda reflexão e luta ao recitar o “No Caminho, com Maiakóviski” nas vésperas do julgamento do ex-presidente Lula pelo TRF-4. “Na primeira noite eles se aproximam/ e roubam uma flor/ do nosso jardim. E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem:/ pisam as flores,/ matam nosso cão, e não dizemos nada./ Até que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa,/ rouba-nos a luz, e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer nada”, diz um trecho do poema.
No Caminho com Maiakóvski
Requião Filho*
Na luta pela manutenção da Democracia, e só por ela, trago hoje para nossa reflexão o poema “No Caminho, com Maiakóviski”. Foi escrito durante a ditadura – uma época em que não tínhamos voz, pelo brasileiro Eduardo Alves da Costa. Um texto que durante muitos anos teve sua autoria atribuída ao Poeta Russo.
Reflitam!
No Caminho com Maiakóvski – Eduardo Alves da Costa
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rótulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!
In: COSTA, Eduardo Alves da. No caminho, com Maiakóvski. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. (Poesia brasileira).
*Requião Filho é deputado estadual pelo MDB do Paraná.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
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