Oito pecados capitais no 1° ano da gestão de Rafael Greca, em Curitiba

O gestor público Milton Alves, em artigo especial, destaca que o antigo catolicismo romano ensinou sete pecados capitais, merecedores de duro castigo, quais sejam: orgulho, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. A lista já foi modificada algumas vezes e até ampliada, porém os pecados continuam sendo praticados por parcelas significativas da humanidade. Na gestão pública, a liberdade para classificação de “pecados” é menos rígida e um balanço inicial do governo Greca ultrapassa a marca do heptapecador tradicional. No entanto, escreve Milton, “não desejo que o prefeito seja condenado ao fogo do inferno”. Greca terá, em 2020, o severo e implacável julgamento das urnas. Como bom cristão e veterano político, ele sabe, que ao lado do crime, a prática usual de “pecados capitais” contra a vontade do eleitor não compensa.

Milton Alves*

O prefeito Rafael Greca (PMN) eleito para a prefeitura, em 2016, por 461 mil votos, ou seja, não contou com o apoio de praticamente dois terços do eleitorado curitibano, iniciou sua gestão anunciando um pretenso e ilusório retorno de grandes e monumentais obras para embelezar a cidade e re-encantar a população. Ao mesmo tempo, alegou a existência de um mega rombo fiscal deixado pela gestão anterior, fato apresentado à imprensa por um mal ajambrado e duvidoso powerpoint (lembram?) em que os números nunca foram divulgados com exatidão e clareza.

Às vésperas de completar o primeiro ano de gestão, o prefeito iniciou uma narrativa triunfalista e vazia, de recuperação da cidade e que tudo vai bem, apesar da crise econômica e da devastação social em curso no país. Nada mais falso e inconsistente. O discurso do prefeito de balanço de um ano de gestão feito aos vereadores na Câmara Municipal (semana passada) foi o velho e surrado palavrório de uma verve já envelhecida, rançosa.

Mas vamos aos fatos substantivos sobre o primeiro ano de Greca na Prefeitura. O que estamos chamando de oito pecados capitais:

1. Falta de diálogo, gestão antidemocrática

Economia

Uma das marcas mais negativas da atual administração, é a completa ausência de debate com a sociedade. Apoiado numa base parlamentar majoritária na Câmara Municipal, o prefeito tem aprovado projetos sem consultas à população: foi assim na aprovação do pacote de ajuste fiscal, na majoração de impostos (ISS, desvinculação da taxa de lixo do IPTU) e na proposta de revisão da Planta Genérica. Não há debate e interlocução com os movimentos sociais e com as organizações da sociedade civil. Tampouco a gestão desenvolveu instrumentos de transparência e controle social. A Ouvidoria foi um órgão esvaziado e não tem autonomia operacional. O Serviço 156, burocratizado, apresenta sinais de saturação.

2. Ajuste Fiscal, a conta nas costas do povo e dos servidores

Para enfrentar problemas orçamentários, uma das prioridades da gestão de Greca foi a realização de um brutal ajuste fiscal, que congelou salários e carreiras, modificou o sistema previdenciário municipal e afetou a qualidade dos serviços públicos. O pacote de ajuste fiscal foi uma opção política que retirou direitos e revelou uma face truculenta da gestão. O chamado “pacotaço” foi aprovado numa sessão realizada fora do espaço do parlamento municipal e com forte aparato repressivo contra os protestos dos servidores. Segundo a vereadora oposicionista, Professora Josete (PT), os grandes contratos com os fornecedores da prefeitura são reajustados acima da inflação, penalizando na ponta a população. Ela afirmou, por exemplo: “Que a Risotolândia (alimentação) teve um acréscimo de 14,58% no período aproximado de um ano, a passagem do transporte coletivo teve um acréscimo de 12,12%. Além disso, outros grandes contratos como limpeza, tecnologia foram renovados sem licitação”.

3. Uma gestão contra os artistas e a juventude: repressão e baixo astral

As recorrentes intervenções e medidas de força da gestão Greca contra os artistas e, especialmente, contra a juventude se tornaram também uma das marcas da administração. O último episódio repressivo no circuito Trajano Reis, no São Francisco, foi um brutal ataque de força policial contra músicos e frequentadores da região, que resultou em prisões e feridos. Operações repressivas, com apoio e suporte de força policial, como a “Balada Protegida” e a famigerada AIFU (Ação Integrada de Fiscalização Urbana), foram verdadeiras expedições punitivas que fecharam bares e conduziram para prisão dezenas de jovens. Isto ocorreu nas ruas São Francisco e na Vicente Machado, na área central da cidade. E no início do ano, tivemos o estúpido cancelamento da Oficina de Música, um evento tradicional da cidade.

4. Transporte e mobilidade urbana

Curitiba tem a tarifa mais cara do país, um decreto de Greca, logo que tomou posse, elevou o preço da passagem para R$ 4,25, sem a exigência de nenhuma contrapartida do cartel que controla o transporte coletivo da cidade há mais de quatro décadas. Segue em circulação uma frota velha e sucateada. A URBS continua a serviço do cartel do transporte coletivo e uma nova licitação é uma demanda sem resposta. O esgotamento do modelo de transporte formatado por Jaime Lerner nos anos 70 – vias exclusivas e estações tubo – exige uma nova política para o setor, principalmente depois da conurbação ocorrida na Região Metropolitana de Curitiba. O debate estratégico para a construção de novos modais de transporte – metrô e VLT são apenas bandeiras de campanha em períodos eleitorais -, foi abandonado. O trânsito na região central segue caótico e não há um estímulo oficial para o uso de bicicletas.

5. Saúde, salve-se quem puder

As críticas ao serviço público de saúde só aumentaram neste primeiro ano de Greca no comando da prefeitura. Há problemas generalizados no atendimento, falta de medicamentos e redução de investimentos. Além de problemas de gerenciamento e manutenção de equipamentos. O fato é que a qualidade do serviço piorou em comparação à gestão de Fruet.

6. Moradores e pessoas em situação de rua, uma crise humanitária

Uma dos maiores erros da administração Greca, é o tratamento dispensado aos moradores e pessoas em situação de rua. A FAS (Fundação de Assistência Social) não maneja dados confiáveis e um cadastro atualizado sobre a situação. A abordagem do problema pela prefeitura foi desastrosa: com o fechamento de equipamentos de apoio e suporte aos moradores de rua, como o do guarda-volumes da Praça Osório; o retorno à políticas antiquadas, que não oferecem autonomia e a recuperação da autoestima das pessoas em situação de rua. O mais grave: foi o retorno de ações com a guarda municipal para recolher das ruas as pessoas e seus pertences, uma prática de caráter higienista e conservadora. Segundo estimativa do Movimento Nacional de Moradores de Rua são mais de cinco mil pessoas que vivem nas ruas e praças da cidade. Ficou evidente que a prefeitura não tem uma política pública para este segmento excluído da população e não há, até o momento, a disposição para uma atuação conjunta e concertada com movimentos sociais e demais instituições que tratam dessa demanda social.

7. Falta de políticas de geração de renda e emprego

A crise econômica e social que afeta o país não teve nenhuma ação de enfrentamento organizado pela gestão de Greca. Se é verdade que temos necessidade um novo pacto federativo, acompanhado por uma Reforma Tributária, a Prefeitura de Curitiba teve uma atuação nula na defesa dessas bandeiras. Aliado do governador Beto Richa (PSDB), Greca fez o mais do mesmo seguindo as diretrizes econômicas e fiscais regressivas dos governos federal e estadual. Não adotou nenhuma política estruturada de geração de emprego e renda, que incentivasse na cidade o pequeno negócio com linhas de créditos e isenção de impostos municipais; também não adotou políticas compensatórias como o passe livre para os trabalhadores desempregados; a abertura de novos restaurantes populares ficou só na promessa; a criação de frentes públicas de trabalho temporário e a exigência de contrapartidas sociais para os grandes fornecedores da prefeitura, por exemplo, seriam políticas que contribuiriam para mitigar os efeitos da atual crise.

8. Uma gestão a serviço dos mais ricos! Pelo direito à cidade!

A visão da atual gestão é elitista e excludente. O prefeito Greca realiza um governo a serviço das grandes corporações que controlam os serviços urbanos, da indústria da posse e do uso do solo e de grandes empresas que operam na cidade em detrimento das reais demandas da maioria da população – sem acesso a serviços públicos de qualidade de saúde, infraestrutura social (creches, caps, abrigos), transporte, habitação, cultura e lazer. Basta recordar que uma das medidas iniciais de Greca foi acabar com a singela “domingueira”, que subsidiava o preço das passagens de ônibus aos domingos. A medida é a expressão de um tipo de olhar para cidade. No léxico político do prefeito não existe o “Direito à Cidade”. Os movimentos populares e sociais e as forças políticas que demandam um projeto alternativo de cidade precisam unificar ações e construir uma plataforma em defesa dos direitos da população, que humanize a vida e garanta cidadania para a maioria pobre de Curitiba.

Para concluir este balanço, numa chave política, podemos caracterizar a gestão de Greca como conservadora no terreno político, antidemocrática na condução da gestão e excludente no campo social.

*Milton Alves é ativista social, graduado em gestão pública pela UFPR. Editor do blog Milton Com Política.

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