A reforma escravocrata do século 21

O deputado Enio Verri (PT-PR) afirma que dia 11 de novembro de 2017 entrará para a história como o dia em que a elite escravocrata brasileira retrocedeu as relações entre capital e trabalho a condições de mais de 100 anos atrás.

A reforma escravocrata do século 21

Enio Verri*

O 11 de novembro de 2017 entrará para a história como o dia em que a elite escravocrata brasileira retrocedeu as relações entre capital e trabalho a condições de mais de 100 anos atrás. Sob a falácia da modernização e da necessidade de se criar postos de trabalho, a camarilha que se adonou do Palácio do Planalto, com o golpe de 2016, do consórcio executivo-jurídico-parlamentar-midiático, expõe a classe trabalhadora à sanha da lucratividade do empregador.

Desde o advento do trabalho, chegando ao capitalismo, a relação de forças entre capital e trabalho sempre pendeu favoravelmente para o lado dos donos dos meios de produção. O exército de mão de obra sempre foi maior que a capacidade e necessidade de produção. E foi também diverso. À época em que transcorreram as décadas da Revolução Industrial, desde aproximadamente 1750, era normal que crianças, mulheres e idosos trabalhassem 18 horas por dia, em troca de remuneração miserável e sem assistência em caso de acidentes, por exemplo.

Entre outras funções desempenhadas pelas crianças, nas tecelagens mecânicas, uma era a de entrar nos teares mecânicos para destravar as engrenagens. Uma vez destravadas, não raro crianças ficavam mutiladas, quando não eram mortas pela violência do funcionamento do tear. O referido período tem início por volta de 1750 e se estende aos anos 1800 quando, na Europa, os trabalhadores se organizam e passam a conquistar direitos a melhores condições de trabalho e de remuneração.

Economia

Enquanto que na Europa, desde os anos 1820, havia greve e fortalecimento das mobilizações operárias, no Brasil vigia uma escravidão que durou, oficialmente, até 1888. Dentro dos 129 anos de República, a Consolidação das Leis do Trabalho tem apenas 74 anos e já foi reformada várias vezes, mas não de uma forma tão profunda e estrutural. Nem todas as categorias profissionais sempre estiveram protegidas, desde a CLT. A/Os empregada/os domésticas, por exemplo, tiveram direito a carteira assinada somente em 2015, durante o governo do Partido dos Trabalhadores.

A reforma trabalhista nada mais é que a brutal retirada de direitos da classe trabalhadora para atender à lucratividade do capital financeiro. A primeira proposta encaminhada ao Congresso continha alterações em seis artigos da CLT. Saiu de lá desfigurada em 117 artigos. Remuneração, jornada de trabalho, férias, plano de carreira, entre outros direitos conquistados com o suor e o sangue de quem produz a riqueza deste País, a classe trabalhadora, foram alterados de forma a favorecer o mercado financeiro.

Num país onde, em 2014, foram identificados mais de 200 CPFs e CNPJs que empregavam mais de 150 mil pessoas em condições degradantes, análogas à da escravidão, o Ministério do Trabalho, em 2017, baixou uma Portaria que se tornaria impossível caracterizar trabalho escravo no Brasil. Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter cassado os efeitos da Portaria, ela foi encaminhada por Temer para comprar os votos da bancada ruralista do Congresso Nacional a fim de livrá-lo de uma cassação.

Entre os vários prejuízos à classe trabalhadora, que cabem em vários livros, chamamos a atenção para o negociado sobre o legislado, a contratação de trabalho intermitente e a terceirização de todas as atividades. Sindicato, Férias, 13º salário, FGTS são coisas que desaparecerão do universo trabalhista. Os sindicatos são dispensados de proteger a classe trabalhadora, ao mesmo tempo que é asfixiado financeiramente. Os trabalhadores passarão de empregador em empregador, sem completar tempo suficiente. O mesmo para o FGTS, serão contratos eternamente temporários e terceirizados.

Com negociado sobre o legislado, sem um apoio sindical, trabalhadores estarão sujeitos aos interesses dos maus empregadores, que podem diminuir salários e impor condições degradantes de trabalho. Com a terceirização indiscriminada, professores não terão vínculos com as escolas onde prestarão o serviço, pois serão contratados por uma empresa terceirizadora dessa mão de obra. Não apenas os profissionais, mas os estudantes, os pais, a escola e a comunidade em geral vão perder com a falta de ligação com os professores. É uma reforma que degrada todas as relações sociais.

O trabalho intermitente decreta o fim da possibilidade dos pobres estudarem. Uma pessoa com esse tipo de jornada de trabalho não tem condições de planejar um crescimento intelectual e profissional. O valor da remuneração não será suficiente para se organizar, ela terá de escolher entre comer ou estudar. Ainda que a remuneração lhe permita, não terá tempo para se enquadrar a uma grade horária de algum curso que lhe exigirá frequência e produtividade para aprovação.

A referência para legitimar esse tipo de contratação é a propalada modernidade das relações trabalhistas na Europa e nos EUA. Na Alemanha e na Itália, por exemplo, esse tipo de contratação é restrito a empresas de hotelaria e de alimentação, como restaurantes e lanchonetes. Na Itália, a empresa só pode contratar o trabalhador por 400 dias, a cada três anos. Na Alemanha, o período mínimo de contratação é de três horas diárias e 10 horas por semana.

Em Portugal, o contrato não pode ser inferior a seis meses, dos quais, quatro meses devem ser consecutivos. Quanto ao valor da hora paga, a referência dos empresários modernizantes brasileiros, com certeza, não é a Europa. O valor médio da hora, no Velho Continente, é de 8€, mais de R$ 30,00. No Brasil, o mercado está pagando R$ 4,00. Para piorar, caso o trabalhador falte a um dia de serviço, ele será obrigado a ressarcir o empregador com metade do valor que receberia naquele dia. Não há esperança para o pobre vencer e mudar de vida trabalhando.

Esses são apenas alguns dos aspectos danosos à classe trabalhadora, causada pela desfiguração dos mais de 100 artigos da CLT. Há outros, tão nefastos quanto esses. As mulheres, por exemplo, que tradicionalmente já ganham menos que os homens, agora poderão ser submetidas, ainda que grávidas, a condições insalubres de trabalho. É dessa maneira que Temer cuida das novas gerações de brasileiros. É uma reforma que humilha a/os trabalhadora/es e escancara o conceito que a elite tem da classe trabalhadora, de ferramenta dispensável.

É preciso resistir e denunciar. Somente as ruas podem combater o atraso civilizatório a que foi jogado o Brasil. É urgente ocupar as ruas desta nação, em nome da pretensão de uma autodeterminação de desenvolvimento, com soberania e justiça social.

*Enio Verri é deputado federal pelo PT do Paraná.

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