A picaretagem na lava jato pode virar filme

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão bem que poderia ser o roteirista de um filme sobre a picaretagem na lava jato, onde a lei não é para todos.

Aragão escreve uma série de artigos para provar que o objetivo da força-tarefa é destruir Lula e o PT é “parar” a história.

“A destruição do PT e a de Lula, em especial, é a cerejinha no bolo da direita política. É o passo final para garantir a ociosidade permanente do capital e a reprodução perpétua do regime de rentismo e de apropriação de ativos pelos poderosos”, registra o ex-ministro.

Eugênio Aragão aponta ainda as condutas de Sérgio Moro, da patota da Lava Jato, e Rodrigo Janot como parte de uma estratégia só — alguns mais conscientes do que outros do papel que desempenham.

A seguir, leia a íntegra do artigo originalmente publicado na Agência PT:

Eugênio Aragão: A ilusão da direita política – destruir Lula e o PT é parar a história

Economia

No quarto artigo da Série Em Defesa de Lula, ex-ministro Eugênio Aragão fala que a destruição do PT e de Lula é a “cereja do bolo da direita”. A série será publicada até 13 de setembro

Vivemos tempos difíceis de obscurantismo na política. Há pouco mais de ano experimentamos um golpe protagonizado por trombadinhas travestidos de parlamentares, muitos, como agora vai se comprovando aos poucos, regiamente pagos para tanto.

Derrubaram uma presidenta séria e honesta, eleita com 54 milhões de votos. Suas lideranças se encontram hoje presas ou prestes a ingressar no rol dos culpados por corrupção.

Entrementes o governo golpista, composto de maioria branca, masculina e sexagenária, derrogou direitos, passou a tratar com indiferença o discurso de ódio, reprimiu manifestações e destruiu políticas públicas em todos os setores.

O país está com sua economia no chão, com taxas recordes de desemprego e com perda de liderança internacional. A política externa se resume a hostilizar governos vizinhos de esquerda e a chaleirar Tio Sam. Os ativos do país estão sendo dilapidados sem qualquer retorno para a sociedade. Povos indígenas e quilombolas são desrespeitados nos direitos mais comezinhos, como, de resto, toda a população de baixa renda, que sofre o impacto de um enorme retrocesso nos investimentos sociais.

Vivemos também um caos institucional. Com o escândalo produzido pelo Procurador-Geral da República na quinzena que se encerra, vem à tona o que já há muito se adverte: o desvio ético de agentes estratégicos do Estado, mais preocupados em bater clara, fazer marola, para chamar a atenção da sociedade para si e se alavancar para valorização corporativa.

Induzem-se delatores premiados prospectivos a gravarem interlocutores de alto calibre político e a estimularem-nos a revelar versões comprometedoras de tratativas nada republicanas com empresários.

Depois, entregam-se as gravações à curiosidade pública, antes mesmo que possam ser avaliadas pelo judiciário no tocante a sua aptidão probatória. Ferem-se os princípios da presunção de inocência e do devido processo legal.

Destroem-se reputações e interfere-se gravemente no processo político, indispondo a sociedade com o parlamento e o governo da vez. Não é preciso ser constitucionalista para saber que esse tipo de procedimento é incompatível com o Estado democrático de direito.

Entrementes juízes se dão o direito de posar de heróis nacionais, festejando o modo como atuam em seus processos criminais e de improbidade administrativa. Dão entrevistas, palestras pagas mundo afora, se empenham para a produção de longa-metragem sobre suas façanhas jurisdicionais.

Outros magistrados, mais cínicos, dão decisões claramente seletivas, pela cara do freguês, sem se portarem com a evidente contradição entre seus votos e com o estrago a sua própria reputação. Há, ainda, os que se gabam de sua posição política em perfis de Facebook. O dano que esse modo de proceder está a causar à credibilidade do judiciário é incalculável e se refletirá por gerações na insegurança jurídica no país.

A falta de um projeto nacional de direita e seu desespero de vê-lo mais competentemente desenhado e implementado por governos populares levou atores políticos inescrupulosos, a elite brasileira e as carreiras privilegiadas do serviço público, com forte apoio da mídia comercial, a mobilizarem falsa agenda moralista de combate à corrupção, com alvos bem identificados à esquerda do espectro político e em que tudo vale.

É uma guerra sem regras de engajamento, sem respeito mínimo a standards humanitários. O objetivo é claramente fulminar os governos populares e seu projeto nacional, para todo o sempre, ainda que não tenham nada para colocar em seu lugar.

Numa democracia consolidada, o convívio entre projetos distintos de país é um fato amplamente aceito. O governo da vez implementa o seu e, na virada eleitoral, a oposição feita governo, o muda, para adequar melhor a seus objetivos políticos.

Há adversidade com respeito, porque o revezamento no poder é a rotina saudável das democracias representativas. No Brasil estamos longe disso. Há verdadeira aversão mortal pelo projeto da esquerda, que a direita sempre tentou solapar. Há várias razões para isso.

Existe, antes de mais nada, algo de atávico, ancestral, no desprezo conservador pelo verdadeiro bem comum. A elite brasileira não se vê como uma parte de um todo, mas como segmento social diferenciado, incomodado com a péssima vizinhança dos pobres, tidos como feios, porcos, violentos e preguiçosos. Se pudesse, essa elite lançaria mão de uma política de extermínio dessa “ralé” abusada, que quer disputar espaço com ela. Bem que tentou, na segunda metade do século XIX, quando se pôs a “embranquecer” a população do país com uma política de imigração de europeus. Mas os tempos eram outros.

Em segundo lugar, há os ganhadores do modelo espoliatório do Estado brasileiro. Rentistas, especuladores, atores políticos que vivem da extorsão de facilidades e o capital financeiro de um modo geral têm acumulado ativos num vulto nunca antes visto na história do Brasil. Trata-se de um capital ocioso, à falta de tecnologia e disposição de risco dos empreendedores.

É esse enxame de dinheiro que pede ser investido para se multiplicar que tem sido responsável por más práticas na política. Os atalhos de agentes econômicos, sempre buscando o caminho mais curto para o enriquecimento pessoal, são o mais grave sintoma do ócio do capital. A mudança para uma cultura do investimento produtivo e transformador é trabalhosa e mexe com os interesses daqueles que se fizeram no ócio.

Por isso, uma vez voltados ao poder, tratam de destruir toda a infraestrutura que fora alocada para a transformação econômica. São essencialmente antinacionais esses ganhadores do modelo espoliatório. Acabam-se os projetos sociais e ambientais, os avanços na educação e na pesquisa, a implementação de uma matriz energética soberana e a política externa altiva, na busca de oportunidade de negócios competitivos.

A destruição do PT e a de Lula, em especial, é a cerejinha no bolo da direita política. É o passo final para garantir a ociosidade permanente do capital e a reprodução perpétua do regime de rentismo e de apropriação de ativos pelos poderosos.

Para levar adiante seu plano – já que golpes militares com intimidação, tortura e desaparecimentos forçados teriam um custo de imagem muito grande – instrumentalizam as instituições do Estado constitucional em seu favor. A instrumentalização se faz pela captura das corporações, dando-lhes o brio que tanto almejam. Comportam-se feito burro a seguir uma cenoura estendida a sua frente com uma vara de pescar. Quem a estende é a mídia, eternamente servil aos interesses dessa direita do capital ocioso.

É assim que se explicam condutas como a de Sérgio Moro, da patota da Lava Jato e de Rodrigo Janot. Fazem parte de uma estratégia só, alguns mais conscientes do que outros do papel que desempenham.

A Justiça política nada mais é que a Justiça a serviço dessa demolição do projeto nacional da esquerda brasileira. Depois de desmontar a indústria da construção civil, da engenharia naval e nuclear, do setor de produção petrolífera, passam à perseguição daqueles que têm potencial de reverter o cenário de terra arrasada.

Não se espere, por isso, um processo equilibrado, com respeito às regras do julgamento justo e do devido processo Legal. A persecução criminal se converteu numa arma de destruição em massa, na ilusão de erradicar a corrupção, como se esta conseguisse ser vencida com o estímulo ao capital ocioso. Mas a mensagem criminalizadora cola, de tanto que é repetida em redes sociais, na televisão, nas rádios e nos periódicos.

A maior ilusão dessa direita política é, porém, pensar que destruindo Lula e o PT consegue parar a história a seu favor. Consegue atrasá-la, com certeza, porque ambos têm sido poderosos instrumentos de transformação social e política no Brasil e reconstruir a base de atuação para dar seguimento a um projeto nacional dilacerado pelos interesses rasteiros da elite antinacional tem um custo político e temporal enorme.

Mas as contradições de nossa sociedade não morrem com a aniquilação temporária dos sonhos da maioria dos brasileiros. Os excluídos continuam aí, perdedores do processo de desapropriação de ativos do Estado e não deixarão de existir com a derrocada de Lula e do PT.

Pelo contrário, as contradições se acirram e preparam o terreno para a inevitável luta encarniçada que se seguirá. Lula e o PT são o caminho para a transformação democrática e os que contra eles abusam do poder de intimidação do Estado estão, mesmo que alguns tolinhos o façam involuntariamente, apostando no caos e na guerra social. Por isso que lutar para obstar a perseguição de Lula e do PT é defender a democracia e o projeto de um Brasil soberano que desponte produtivo e competitivo no mundo global.

Brasília, 9 de setembro de 2017

**Esse é o quarto artigo da série Em Defesa de Lula. A cada dia, até o 13 de setembro, publicaremos artigo sobre Lula e a construção de um Brasil soberano e democrático.

*Eugênio José Guilherme de Aragão foi Ministro da Justiça do Governo da Presidenta Dilma Rousseff

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