Como o STF ajudou no impeachment

O economista e jornalista J. Carlos Assis, em artigo especial, afirma nesta sexta (17) que as sentenças a la carte do Supremo — a favor de Moreira Franco e contra o ex-presidente Lula, em situação idêntica — é prova de que a corte ajudou no impeachment de Dilma Rousseff. “[Com a nomeação de Lula] poderia ter havido uma mudança de rumo.”

A sentença a la carte nas decisões do Supremo

J. Carlos de Assis*

O Supremo Tribunal Federal acaba de inventar a sentença a la carte, ou sob medida. A lei que se aplica a Lula não é a mesma que se aplica a Moreira Franco. Os fatos fundamentais são os mesmos, ou seja, uma suposta tentativa de fugir da justiça de primeira instância e ganhar foro privilegiado como ministro de Estado, mas a decisão difere em razão da personalidade do paciente da ação. Os detalhes jurídicos são de menor importância. Para a opinião pública, estamos diante de um esbulho do sistema jurídico hipertrofiado.

O que impressiona em tudo isso é que a decisão relativa a Moreira Franco parece bem fundamentada. O chefe do Executivo tem todo o direito de nomear seus ministros independentemente de sua condição jurídica. É uma prerrogativa. A Justiça que se vire para transformar o acusado em réu, e réu em condenado. Um simples indiciado em processo criminal merece, em todos os sistemas civilizados, o benefício da presunção de inocência. O grande problema é: por que esse mesmo princípio não se aplicou a Lula?

É claro que, no caso do ex-Presidente, o Supremo cometeu um ingerência espúria em outro Poder da República. Pessoalmente, não acredito que a nomeação de Lula teria alterado muito o curso da história tendo em vista as forças formidáveis que se juntaram em favor do impeachment. Contudo, pelo menos em tese, poderia ter havido uma mudança de rumo. Nessa hipótese, uma decisão ilegal do Supremo favoreceu descaradamente o impeachment em favor de um partido, concorrendo para a instabilidade em que ainda nos encontramos.

Economia

O que fazer quando a Suprema Corte viola as bases constitucionais que deveria proteger? Se o derretimento de sua credibilidade se acrescenta ao derretimento inequívoco da credibilidade do Executivo, do Legislativo, do Ministério Público, estamos diante de uma situação que, nos livros textos, prenunciam uma revolução. É uma perspectiva terrível, pois nada seria pior para o Brasil do que uma nação fisicamente dividida, sem perspectiva de regeneração das instituições republicanas e totalmente afastada de um pacto nacional.

Anos atrás escrevi um livro, “O Atentado da Nova Era”, no qual considerava que na era nuclear a única estratégia possível para países nuclearizados era a busca da paz, tendo em vista os efeitos da dissuasão. E afirmava, no que diz respeito a conflitos internos em nações com elevado grau de industrialização, que neles havia uma espécie de segundo nível de dissuasão, tendo em vista os terríveis estragos domésticos que o armamento dito “convencional”, aplicado no conflito, poderia causar a pessoas e propriedades.

A despeito disso, quando nos confrontamos com a ruptura institucional de cima para baixo, muitos tem uma espécie de nostalgia revolucionária. Entretanto, temos que resistir a isso. A revolução líbia instigada pelos Estados Unidos (Hillary Clinton) mostrou que um país, mesmo armado de fora para dentro e sem uma estrutura industrial interna, pode ser totalmente destruído em situações revolucionárias. O mesmo aconteceria com o Egito, não fosse a reação dos militares; e o mesmo acontece com a Síria, a despeito da intervenção russa.

O Supremo atual é o escárnio, assim como o Executivo e o Legislativo. Nossa única salvação é a busca de legitimidade do poder civil que seja capaz de restaurar as instituições republicanas. Falo em eleição direta em 2018, mas falo também na possibilidade, ainda que remota, de uma eleição indireta antes disso, ancorada num processo que garanta a plena legitimidade do que vier a ser eleito para completar o mandato de Dilma mediante um grande pacto político. Não é nada fácil. Mas o pior seria uma intervenção militar ou uma guerra civil.

*J. Carlos de Assis é jornalista e economista, doutor pela Coppe/UFRJ, do Movimento Brasil Agora.

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