Gleisi: Não à vaquejada! “Cultura nacional” não pode causar dor aos animais

gleisi_vaquejadaA senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), em sua coluna desta segunda (7), faz lobby pelo veto presidencial ao projeto aprovado no Senado, em regime de urgência, que eleva o rodeio e a vaquejada à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial no Brasil. “Nós, humanos, ainda temos chances de ser um pouco menos bárbaros!”, diz a parlamentar após relatar que essa “brincadeira” causa sofrimento e dor aos animais.

Não à vaquejada! “Cultura nacional” não pode causar dor aos animais

Gleisi Hoffmann*

O dia 1º de novembro foi de particular tristeza para mim. Uma manobra regimental permitiu que o Senado aprovasse, em regime de urgência, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 24/2016, que eleva o rodeio e a vaquejada à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial, apesar de nossos protestos.

Foi um retrocesso para os direitos dos animais permitir elevação tão importante dessa prática que envolve crueldade e dor. Recentemente, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional uma lei do Ceará que regulamentava a vaquejada, por ser cruel com os animais. Apesar de a decisão servir de referência para todo o país, o Senado ignorou a vontade da Suprema Corte e prestou esse desserviço à evolução humana.

Infelizmente, o projeto já foi encaminhado à Presidência da República para sanção, mas ainda há chance de derrubá-lo. Por isso, na última sexta-feira, iniciamos uma campanha junto a organizações de proteção dos animais e outras entidades, para que pressionem a Presidência da República a vetar o PLC 24/2006. A pressão pode ser feita com envio de mensagens eletrônicas aos órgãos do Palácio do Planalto que assessoram a Presidência na decisão pela sanção ou veto de um projeto de lei: casacivil@presidencia.gov.br; se.casacivil@presidencia.gov.br; gustavo.rocha@presidencia.gov.br; saj.gabinete@presidencia.gov.br; gm@cultura.gov.br e ivan.nunes@cultura.gov.br.

Economia

O tempo é curto, não deixe de encaminhar seu protesto e seu pedido pelo veto. O Brasil não pode dar esse vergonhoso passo atrás, exemplo negativo para o mundo.

Tal proposta não condiz com os tempos em que vivemos, com o avanço que temos tido na causa animal. Eu não consigo concordar com os argumentos rasos dos defensores da vaquejada e do rodeio. Eles alegam que essas práticas, além de tradicionais, são de grande importância para a economia regional, principalmente a nordestina. Se há um poder econômico importante envolvido nessas manifestações, por que não procuramos outros caminhos para também mudar a base da economia? Nós já aperfeiçoamos tantas coisas na nossa história. Já nos livramos de tanta crueldade. O fato de a maioria das pessoas se alimentar dos animais, natural na dieta humana, não quer dizer que tenhamos o direito de submetê-los a tratamentos cruéis para nossa diversão. Devemos respeitar aqueles que dão a vida para continuarmos a nossa.

Os defensores chegam a dizer ainda que a vaquejada e o rodeio são práticas que vêm se aperfeiçoando, reduzindo significativamente os possíveis sofrimentos dos animais. Isso não é verdade!

Sou do Sul do País, onde o rodeio é muito comum. O meu avô foi “patrão” de CTG (Centro de Tradições Gaúchas), responsável pelos rodeios. Eu, menina, via como se fazia rodeio; eu sabia como se montava em um boi para fazer ginete, em um cavalo para fazer laço, como se derrubava um bezerro laçado. Sabia também o quanto esses animais sofriam, como eles eram carregados, como eram transportados, ainda que se tivesse todos os cuidados com essas ações.

A ciência já mostrou que o sistema nervoso de um boi é semelhante ao sistema nervoso de um ser humano. Portanto, a sensação de medo, de dor, de terror é a mesma que sentimos quando somos acuados, perseguidos, derrubados, submetidos à execração e levados a lugares desconhecidos.

Já viram como se derruba um boi na vaquejada?! Emparelha-se a ele com cavalos montados, derrubam-no empurrando e puxando pelo rabo. Para quê? Com qual motivo? Não é para se alimentar, é para se divertir. Aliás, brincadeira sem graça! A única alternativa de um boi na vaquejada é entrar na arena e cair, como também a única alternativa de um boi nas touradas é entrar na arena e morrer.

Não é possível que sustentemos uma atividade cultural em cima de uma crueldade, em cima da dor. Não é possível! Há que haver na humanidade alternativas! Eu não posso achar que é cultural uma situação dessas e que ela nos é benéfica. Por muito tempo também foi cultural no mundo romano colocar os escravos para lutarem entre si. Também era “natural”, cultural, a escravidão no Brasil. Nós não precisamos desse patrimônio imaterial.

Tramita no Senado projeto de minha autoria que propõe a implantação de um amplo sistema para garantir a proteção e o bem-estar dos animais. Entre outras iniciativas, o projeto cria o Sistema Nacional de Proteção e Defesa do Bem-estar dos Animais, com o objetivo de integrar ações dos órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais.

Esse mecanismo serviria para potencializar programas e ações que protejam a vida e o bem-estar dos animais, sua utilização pelo homem e sua interação com o meio ambiente e com a população humana.

Penso que defender os animais e protegê-los de abusos é defender uma vida digna para homens e mulheres e contribuir para uma sociedade mais evoluída. Do alto de sua sabedoria, Mahatma Gandhi considerava que uma civilização pode ser julgada pela forma com que trata seus animais.

Nós, humanos, ainda temos chances de ser um pouco menos bárbaros!

*Gleisi Hoffmann é senadora da República pelo Paraná. É presidenta da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). Foi ministra-chefe da Casa Civil e diretora financeira da Itaipu Binacional. Escreve no Blog do Esmael às segundas-feiras.

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