Requião: Nazismo teve mais consideração com desempregados que o usurpador Temer

requiao_economiaO senador Roberto Requião (PMDB-PR), ao criticar o neoliberalismo econômico, em polêmico artigo, afirma que “o nazismo teve mais consideração com a população de desempregados do que nossos governos” — sobretudo em comparação do usurpador Michel Temer (PMDB).

“Se rompêssemos com a ditadura da austeridade fiscal, recorrendo a déficit produtivos, poderíamos a curto prazo recuperar o emprego, o investimento e o crescimento econômico”, diz o senador.

Para o parlamentar, há uma capitulação geral dos políticos e dos capitalistas ao neoliberalismo pelo que se concederam de forma supostamente excessiva, no passado, a trabalhadores, pobres e minorias.

Abaixo, leia a íntegra do artigo de Roberto Requião:

Golpe, Ajuste Fiscal, Soberania e Paz Mundial

Roberto Requião[1]

Economia

O cenário internacional no qual se movem nossas economias e nossas políticas, abrangendo igualmente a América Latina e a Europa Ocidental, está dominado por nuvens excepcionalmente densas de ameaças com raros precedentes na História.

Esse cenário tende a afastar ainda mais as possibilidades de retomada do desenvolvimento econômico em grande parte do mundo, pondo em risco, por outro lado, a própria a paz mundial.

Devemos, como políticos, assumir a responsabilidade pelas raízes dessa crise e pelo imperativo inadiável de buscar saídas. Do contrário todos, e sobretudo os pobres, serão submetidos a sofrimentos ainda maiores do que os que lhes tem sido impostos.

O Brasil, como sabem, passou por uma experiência política dramática, com o afastamento de uma Presidenta sem que ficasse provado qualquer crime de responsabilidade por parte dela, pré-requisito de impeachment segundo nossa Constituição. Entretanto, não me alongarei aqui a respeito dessa questão política interna, ainda em pleno desdobramento.

Acontece que a crise brasileira deve ser vista no contexto de crises similares em outros países da América Latina onde, por artifícios diversos, presidentes democraticamente eleitos foram apeados do poder. Não deve ser surpresa que todos esses presidentes afastados fossem do campo progressista. Não é surpresa que todos, sem exceção, tentaram evitar se submeterem às regras explícitas do neoliberalismo, como é o caso da privatização de bens públicos em larga escala.

A crise pela qual passam América Latina e Europa Ocidental tem uma dupla origem:

(1) a derrocada prática e da credibilidade do capitalismo neoliberal a partir de 2008, do qual a maioria dos países ocidentais não se livrou, e

(2) a insistência com que a maioria dos países desenvolvidos insistem em salvar o neoliberalismo na marra pela imposição do credo neoliberal a si mesmos e a outros Estados mais fragilizados economicamente.

É preciso ressaltar, a esse respeito, que o Governo norte-americano não tomou o veneno que receitou, através do FMI, do Banco Mundial, do BID e da OCDE, tanto para as nações europeias quanto para as nossas nações sul-americanas.

Adotaram, sim, uma política tipicamente keynesiana no campo fiscal e monetário, com déficit de 1,4 trilhão de dólares em 2009, 1,3 trilhão em 2010, 1,2 trilhão em 2011, 1,1 trilhão em 2012, 1,0 trilhão em 2013. Só a partir de 2014 o déficit ficou abaixo da casa do trilhão de dólares, assim mesmo em nível elevado. Como resultado os Estados Unidos recuperaram algum crescimento, embora não muito grande, mas de qualquer forma suficiente para uma melhora sensível do mercado de trabalho.

A Europa, ao contrário, mergulhou fundo no receituário neoliberal. Seus sacerdotes, sediados sobretudo na Alemanha, em torno do BCE, obrigaram os países do sul do continente a trocarem a salvação de seus bancos superendividados como consequência da orgia financeira pré-crise de 2008 pelo estrangulamento fiscal.

O Banco Central Europeu ofereceu crédito a zero por cento, sim, aos bancos dos países mais desenvolvidos. “Em contrapartida”, a esses pacotes de refinanciamento da dívida bancária, o Banco Central exigiu uma contenção fiscal extrema aos países mais pobres. Isso contrai o setor estatal e impediu novos investimentos públicos.

Nega-se, assim, o que o mundo sabe desde os anos 30, com John Maynard Keynes, ou seja, que a curto prazo nenhuma nação capitalista pode romper uma crise de demanda sem recorrer a investimento público deficitário. É o que fizeram os EUA para sair da crise mais rápido que a Europa. Mas os EUA não deixam que outros o façam.

O desemprego atingiu níveis catastróficos em alguns países da Europa Ocidental, e, agora, também no Brasil. O Estado do bem estar social, símbolo do mais elevado estágio de civilização do planeta, está sendo corroído velozmente pelas políticas neoliberais.

Ouvi, espantado, há anos, do presidente do BCE – um burocrata, claro, sem mandato popular – que para sair da crise a Europa teria de liquidar com seu Estado de bem estar social.

Surpreende-me que nenhum líder político, representante do povo do continente, tenha reagido a essa declaração. Há uma capitulação geral ao neoliberalismo, uma espécie de “consciência pesada” dos capitalistas e políticos pelo que se concederam de forma supostamente excessiva, no passado, a trabalhadores, pobres e minorias. Os ricos, beneficiários da maior concentração de renda dos últimos 40 anos, dos quais 1% já detém a maior parte da riqueza do mundo, querem mais, muito mais.

Esse tipo de economia política nos faz pensar que a Europa, mãe de revoluções, está apenas dormindo, inconsciente de sua própria tragédia. Em breve, vamos descobrir que foi rompido, em razão da avareza do capital, o pacto social básico que possibilitou, durante décadas, a convivência do capitalismo com o Estado de bem estar social. A hegemonia definitiva de Mamon – o dinheiro, como lembrado pelo Papa Francisco – nos levará a um novo ciclo de convulsões sociais alimentas por uma luta de classes refundada, alastrando-se pelo mundo.

Na América Latina, a tragédia tem uma peculiaridade: a crise econômica toma logo formas políticas, e uma das indicações é fazer da crise um simulacro de razões legais para derrubar presidentes da República legitimamente eleitos.

A crise recomeça quando Europa e EUA descartam G20

Não precisava ser assim. Em 2008, logo na eclosão da crise, o G-20 se reuniu em Washington e a decisão unânime dos líderes mundiais foi no sentido de expandir vigorosamente as políticas fiscais e relaxar as políticas monetárias. A mesma orientação comum foi tomada nas reuniões seguintes de Londres e Pittsburg, ambas em 2009.

Não havia nenhuma surpresa. Todos sabiam que, com a economia em depressão, era fundamental ampliar os gastos públicos deficitários para reverter a queda da demanda agregada e estimular o crescimento do investimento, do emprego e da renda. Entretanto, com a mudança do governo na Grã-Bretanha e a reconversão da França ao neoliberalismo, a Alemanha, junto com ambos, impôs aos países do euro uma contração geral da política fiscal sob a legenda metafórica de “exit strategy”, ou estratégia de saída das políticas expansivas.

É importante assinalar por que a Alemanha pôde tomar esse rumo sem ferir os próprios interesses. É que a Alemanha é uma economia chamada “export led”, ou seja, comandada por exportações. Tem anualmente gigantescos superávits comerciais e na balança de conta corrente, já que o euro, para ela, representou uma desvalorização. Isso significa que a ação comercial externa alemã supre as necessidades de liquidez para o financiamento da expansão da economia sem necessidade de políticas fiscais expansivas.

Entretanto, como é óbvio, isso não se aplica aos demais países do euro, submetidos, além disso, às duras restrições do Pacto de Estabilidade e Crescimento. São economias externamente deficitárias. E seus grandes déficits comerciais, sem dúvida contracionistas internamente, são justamente em relação à Alemanha.

O comércio é um jogo de soma zero. Se um país tem superávit, outro deve ter déficit para compensá-lo. É um absurdo lógico recomendar que todos os países tenham superávits comerciais ao mesmo tempo. A recomendação – diria, a imposição – alemã para os demais países do euro recorram a políticas de melhora de eficiência e de produtividade para superarem a crise através do aumento de exportações é um contrassenso.

Na verdade, alguém tem que bancar a saída: no pós-guerra, foi o Plano Marshall, do qual a Alemanha foi a grande beneficiária. Agora caberia a ela, como líder econômica da Europa, fazer sua parte.

Contudo, ela não faz sua parte. Ela é um centro de formulação ideológica da regressão econômica e política do mundo, dados os efeitos que a crise na Europa irradia para o resto do planeta. O resultado da “exit strategy”, formalmente apoiada pelo BCE, pela Comissão Europeia e pelo FMI, foi a recidiva da crise em toda a Europa, particularmente nos países do sul. E a situação continua ainda hoje.

No Brasil, o presidente Lula tomou inicialmente a sábia decisão de seguir as recomendações de expansão fiscal do G-20 logo no início da crise. Através do BNDES, o governo brasileiro injetou na economia, em 2009 e 2010, R$ 180 bilhões para investimentos. Ao lado disso, aumentou os valores do salário mínimo e da Bolsa Família, o que teve, conjuntamente, grande impacto favorável na demanda agregada e o investimento. Em consequência, a economia cresceria 7,5% em 2010, depois de contração no ano anterior.

Infelizmente, em fins de 2010, seguindo a linha da “exit strategy” do FMI, as autoridades econômicas brasileiras se curvaram à ortodoxia neoliberal, como aconteceu com a Europa, e a economia voltou ao ritmo lento.

O resto da América Latina padece da mesma doença neoliberal. Como exportadora de commodities agrícolas e minerais, sua economia segue o compasso da economia chinesa, a qual mantém um ritmo ainda forte de crescimento do produto, a despeito de pequena queda nos últimos anos.

Entretanto, no campo do emprego, todos estamos impondo a nossas populações sofrimentos terríveis, sem necessidade. Se rompêssemos com a ditadura da austeridade fiscal, recorrendo a déficit produtivos, poderíamos a curto prazo recuperar o emprego, o investimento e o crescimento econômico. Basta coragem para confrontar a ortodoxia com seus slogans de suposta responsabilidade fiscal.

Permita-me uma rápida divagação sobre isso, citando o pensamento de Randall Wray, um notável economista norte-americano que escreveu o clássico “Understanding Modern Monday”. As economias, qualquer delas, avançam sempre em ciclos. Ora estão em expansão, ora em recessão. Isso se reflete nos orçamentos públicos, que nunca estão exatamente equilibrados. Nas fases de expansão, é razoável que o governo retire da economia mais dinheiro, na forma de impostos, do que lhe devolve, sobre a forma de gastos e investimentos, a fim de controlar a expansão monetária e a inflação. Nessa fase, com o excesso de dinheiro, paga alguma coisa da dívida pública. Entretanto, em recessão, o governo deve retirar da economia menos do que lhe devolve sob a forma de gastos públicos deficitários, a fim de expandir o poder de compra da sociedade e favorecer o investimento e o emprego. É o gasto autônomo do governo. Nesse momento, a dívida pública aumenta, mas logo ela cairá, em relação ao PIB, por conta do crescimento deste e do aumento da receita pública.

Recorro a esse argumento técnico para confrontar o principal argumento político de economia da ortodoxia neoliberal: “nunca, jamais e em circunstância alguma, o governo deve gastar mais do que arrecada.” Isso é um absurdo. Na verdade, em recessão, não existe nenhuma possibilidade de retomada do crescimento econômico a não ser pela via do investimento público deficitário. Isso ficou evidente no New Deal do presidente Roosevelt e na retomada da economia brasileira por Getúlio Vargas. Mas ficou evidente também no Novo Plano alemão dos anos 30, feito por quem foi considerado posteriormente como o mago de Hitler, Hjalmar Schacht. Qual foi a mágica desses governos? Investimentos públicos fortemente deficitários que depois se pagaram com o crescimento econômico.

No que se refere à economia política, o nazismo teve mais consideração com a população de desempregados do que nossos governos. Dessa forma, não é de se estranhar a imensa popularidade dos políticos de extrema direita e até de fascistas na Europa e mesmo no Brasil.

O Brasil conseguiu manter uma baixa taxa de desemprego até 2014, mas desde então ela aumenta aceleradamente. Ainda sob o comando da presidenta Dilma, sofremos o duplo impacto da chamada operação Lava Jato e do ajuste fiscal do ministro neoliberal Joaquim Levy, inacreditavelmente nomeado pela presidenta.

Com isso fomos à depressão inédita de 3,85% do PIB, que deve repetir-se este ano e se projeta forte para 2017. Nossa saída é, insista-se, o investimento público deficitário, mas o governo usurpador faz a política oposta de mais contração, propondo inclusive o congelamento em termos reais do orçamento público por 20 anos.

Vivemos na América Latina e no resto do Ocidente uma situação perturbadora. Não aprendemos as lições de 2008. A legislação para a regulação de derivativos e para separar bancos comerciais de bancos de investimento, apontada como essencial para a maioria dos especialistas a fim de impedir as crises ou suavizar uma nova depressão, tornou-se uma falácia, dada a profusão de possibilidades de exceções e vazamentos. Os Estados Unidos não estão cumprindo suas responsabilidades como líderes da economia mundial; em última instância, é Wall Street que governa o mundo, o que coloca o mundo sob o governo da ganância e da soberba.

Admiro a nação norte-americana. Admiro seus líderes históricos, como Washington, Hamilton e, sobretudo, Lincoln e Roosevelt. Admiro também Kennedy e Carter. Mas como todo cidadão do mundo fico apreensivo quando a nação mais poderosa da terra decide intervir em outros países para mudar regimes políticos a partir de um conceito de bom e mau regime por ela própria forjado.

As intervenções militares dos Estados Unidos nas últimas décadas resultaram em desastre político e levaram – na verdade, tem levado – sofrimento a muitas populações, multidões de refugiados, fome e desabrigo. Destruíram o Iraque, destruíram a Líbia, estão destruindo o Afeganistão, virtualmente dividiram a Ucrânia, quase destruíram o Egito, e tem provocado extrema instabilidade na Síria. Nesse caso, a intenção explícita de mudança de regime, suportada por bilionários em conluio com o Departamento de Estado, chega ao ponto de colocar em risco a própria paz mundial tendo em vista a posição da Rússia, favorável ao governo legítimo de Assad.

Respeito, sim, os Estados Unidos. Entretanto, cito uma frase de Vladmir Putin, o presidente da Rússia, em entrevista recente: “Os Estados Unidos são uma grande superpotência. Talvez sejam a única superpotência do mundo. Mas não podem continuar com essa mania de intervir em nossos países.”

Felizmente, há uma luz no fim do túnel no jogo econômico e geopolítico. Ela se chama China. Dada a forte interação entre a economia norte-americana e a chinesa há esperança para a paz. Além disso, a China se aproxima da Rússia, Índia, África do Sul e Brasil para estabelecer uma nova rede de relações econômicas e financeiras pacíficas que não passam por Wall Street, através do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos BRICS. E isso é bom para o mundo inteiro. Para a Europa, África e América Latina e para o próprio EUA, porque mais pluralidade implica em mais tolerância, mais democracia, menos arrogância, mais liberdade e mais criatividade.

O aspecto mais relevante do banco dos BRICS é romper, nos financiamentos de infraestrutura, com as condicionalidades impostas pelo Banco Mundial e pelo FMI na tomada de recursos multilaterais e privados. Ou seja, é uma carta de alforria para as políticas monetária e fiscal vinculadas ao desenvolvimento, e não à ideologia neoliberal.

Infelizmente há fundadas suspeitas de que os Estados Unidos e as forças internas brasileiras com eles alinhadas estiveram por trás do golpe do impeachment no Brasil. Com seu apego à hegemonia absoluta, Washington considera um desafio inaceitável a aproximação econômica e, finalmente, geopolítica do Brasil com a China e a Rússia. Para eles, não importa as vantagens efetivas para o Brasil nessa aproximação. Como dizem os pais da diplomacia: “países não tem escrúpulos”, e os Estados Unidos, que não tiveram escrúpulos em promover as revoluções coloridas que levaram à destruição de mais de uma nação. Eles não têm demonstrado limites na busca de realização dos próprios interesses, inclusive no campo do domínio do pré-sal brasileiro.

Aos países da América Latina, e a meu próprio, meu conselho é: busquem atender aos interesses dos mais fracos. Se fizermos isso, a despeito de recuos circunstanciais, consolidaremos a democracia, que é o que importa na política. Pela democracia, chegaremos a uma economia justa e protegida do domínio de potências pretensamente hegemônicas.

Embora não possamos ficar de costas para os EUA, a China tornou-se também nosso parceiro fundamental na economia. Muitos temem a China por sua força comercial, impondo perdas concorrenciais a seus parceiros. Se prestarem atenção, a China mudou. Na visita que fez ao Brasil, o premiê chinês, Li Keqiang, anunciou os quatro princípios que, enfeixados sob o propósito explícito da cooperação, passaram a pautar as relações econômicas externas chinesas: “orientação empresarial, manejo comercial, participação social e promoção governamental”. Creio que ninguém se oporia a tais princípios. E notem, finalmente, que cooperação foi a palavra mais repetida nos comunicados das três reuniões do G-20 depois da crise de 2008. Infelizmente, nos encontros seguintes, ela quase desapareceu dos comunicados.

A arrogância neoliberal vai novamente retroceder em razão dos seus reiterados fracassos. Chegará a hora em que todos nós, o Planeta inteiro perceberá que a cooperação econômica, a solidariedade e a busca da paz deverão e serão as linhas mestras das relações internacionais.

[1] Roberto Requião é senador da República em seu segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação. É oficial do exército brasileiro, na reserva.

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