100 dias, sem esperança: Fora Temer, já!

enio_golpe_temerO deputado Enio Verri (PT-PR), em sua coluna desta terça (23), afirma que os 100 dias do interino Michel Temer (PMDB) foram marcados pela desesperança sobretudo para a jovem democracia brasileira.

Segundo o colunista, partindo do pressuposto do que está ocorrendo com Dilma Rousseff, qualquer cidadão comum poderá ser julgado e condenado sem que tenha cometido crime algum.

“O Brasil e o mundo, há pouco mais de 100 dias do processo do golpe, testemunham o desmonte do Estado, a revogação de direitos constitucionais e a submissão da sétima economia do mundo aos interesses do mercado financeiro”, diz um trecho da análise de Verri.

100 dias, sem esperança

Enio Verri*

A jovem e ainda não muito bem consolidada democracia brasileira tem apenas a lamentar por esses dias. O primeiro e mais grave retrocesso foi a instalação da insegurança jurídica. A Constituição Federal de 1988 foi rasgada e não há mais lei no País. Infelizmente, o espaço não é suficiente para apresentar todo o conjunto de desastres perpetrado por Temer, desde o dia 12 de maio.

Economia

Quando poderes da República, como o Legislativo e o Judiciário, distorcem a Lei e referendam a primazia da forma de tramitação de um processo sobre o seu conteúdo, para justificar a condenação e o afastamento de uma presidenta legitimamente eleita e sem um único crime contra si, todos os cidadãos comuns correm o risco de serem acusados, julgados e condenados sem cometimento de crime algum. A soberania do voto está sendo institucionalmente usurpada.

A foto da posse deixa claro a que veio o golpismo. A composição inicial do ministério de notáveis foi, essencialmente, de homens, brancos e investigados por corrupção. Devido à má repercussão internacional do quadro, Temer nomeou uma mulher para um ex-ministério, reduzido por ele mesmo a uma secretaria sem poderes deliberativos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), anualmente, no Brasil, cerca de um milhão de mulheres são vítimas de violência.

Em cerca de 30 dias, Temer perde quatro ministros. Dois deles foram flagrados articulando a consecução do golpe e a paralisação da operação Lava Jato. Numa das conversas, fica clara a participação do Supremo Tribunal Federal (STF), da Procuradoria Geral da República (PGR) e de “generais, comandantes militares”. A divulgação foi em maio, já é agosto e, até o momento, não se tem notícia de satisfação à nação.

A demissão de um outro foi em virtude de críticas à Lava Jato e aulas a advogados de denunciados, de como se defender da operação. O autoritarismo, marca registrada de um governo golpista, exonerou um ministro que deu carteirada, demitiu ilegalmente e peticionou contra o legítimo advogado da presidenta Dilma Rousseff, ex-AGU.

O Brasil e o mundo, há pouco mais de 100 dias do processo do golpe, testemunham o desmonte do Estado, a revogação de direitos constitucionais e a submissão da sétima economia do mundo aos interesses do mercado financeiro. É a aplicação da teoria da soberania via submissão, preconizada pelo oráculo do PSDB, Fernando Henrique Cardoso.

Quando Temer extinguiu a Controladoria Geral da União (CGU), criada, fortalecida e autônoma nos governos Lula e Dilma, a população brasileira compreendeu, definitivamente, que corrupção está longe de ser o motivo da espúria cassação da presidenta. No início de julho, Temer retirou a urgência da tramitação do projeto anticorrupção, que Dilma enviou em março de 2015.

O SUS foi apontado pela OMS e a OPAS, em 2012, como um exemplo de acesso à saúde pública a ser seguido por outros países. Em 2013, o Banco Mundial lança o livro “20 anos de Construção do SUS”, no qual faz uma análise crítica de um sistema que não deve sofrer interrupção, mas sim ser aperfeiçoado na justiça e na sustentabilidade.

Temer determinou a criação do Plano de Saúde Acessível, escrito, em maior número de votos, pela iniciativa privada de saúde. O que é publicamente acessível, porque já está pago, será privatizado. Por outro lado, A PEC 241/16 cria um teto de investimento público, pelo qual será impossível manter o funcionamento do que já está instalado e, muito menos, investir em desenvolvimento, asfixiando, diminuindo e privatizando o Estado.

Com a Educação não é diferente. O governo diminuiu o acesso aos programas, FIES, PROUNI e Pronatec, barrou graduandos ao programa Ciências sem Fronteira e cortou 45% da verba para as universidades federais, a partir de 2017. O Ministério da Educação (MEC) recebeu, Alexandre Frota, que entregou os fundamentos do projeto Escola sem Partido, uma abjeção educacional condenada pelo conjunto do campo de educadores progressistas do Brasil.

Seria impossível, apesar do generoso espaço para o franco debate, discorrer aqui o que é intentado contra a população e o Brasil, desde o 12 de maio. Temer anunciou a suspensão do contrato de aproximadamente três mil, dos pouco mais de 11 mil médicos cubanos, dos 18 mil do Programa Mais Médicos.

Fora de sintonia com a progressista política externa mundial, mas em harmonia com a decisão de suspender o contrato dos médicos cubanos, Temer desconsiderou mais de 10 anos de construção de alianças culturais e econômicas com a América Latina. Por meio do Itamaraty, o Brasil ofendeu os irmãos latinos, tanto com palavras quanto com a tentativa de suborno para interferir na condução do Mercosul. As palavras e o vexaminoso gesto foram rechaçados pelos líderes latinos.

O resultado do caminho imposto pelo golpe é a recessão e o inaceitável retrocesso de conquistas políticas, econômicas e jurídicas. Em conluio com interesses financeiros, nacionais e internacionais, Temer conduz um país da dimensão do Brasil como se conduzisse um clube particular. Para conter as manifestações de insatisfação contra os retrocessos, os golpistas usarão da força. O golpe de estado no Brasil instalou um governo temerário.

*Enio Verri é deputado federal, presidente do PT do Paraná e professor licenciado do departamento de Economia da Universidade Estadual do Paraná. Escreve nas terças sobre poder e socialismo.

Comments are closed.