Carli e Yared

Marcelo Araújo*

Um dos casos mais emblemáticos quando se fala em tragédias no trânsito é o do ex-deputado Carli Filho, que nessa semana ganhou um ingrediente que até então parecia improvável, que foi entrar no debate público que até então não contava com sua participação. No debate jurídico do caso não ousarei entrar a fundo, por não advogar no caso e em respeito aos profissionais de um e outro lado, Ministério Público e assistência de acusação de um lado, e de outro advogados de defesa, todos qualificadíssimos o que garante igualdade de armas em juízo.

O caso extrapolou em muito o debate jurídico e entrou diretamente no campo político, que se iniciou com a perda de um mandato no parlamento estadual e assunção de um mandato no parlamento federal. Ainda no campo político o caso motivou e motiva diversos debates acerca de mudanças na legislação e ao meu ver uma completa deturpação dos conceitos de dolo e culpa, causando uma grande confusão na opinião pública.

O ingrediente que mencionei acima foi a manifestação pública de Carli Filho, numa gravação, na qual busca o perdão, relata seu sofrimento e se dispõe a participar de campanhas educativas sobre seu arrependimento, seu caso, etc. Aliás, estaria disposto em participar das campanhas do IPTRAN – Instituto Paz no Trânsito, que justamente foi criada pela deputada como instrumento e meio de acalentar a dor de famílias que sofreram tragédias no trânsito.

Críticas a postura e ao vídeo de Carli não faltaram, desde que estaria lendo um texto preparado, que estaria maquiado para destacar suas cicatrizes e vitimizá-lo, bem como que seria mera estratégia de defesa. Lembro que em dezembro de 2015 a notícia era de que a deputada Christiane Yared havia encontrado Carli Filho num vôo, e que sua assessoria de imprensa havia se encarregado de informar a imprensa para que houvesse uma recepção no aeroporto. Naquela oportunidade me pareceu que a deputada esperava uma manifestação dele, que fosse aberto um diálogo, que houvesse encontro nos olhares.

O que deve ter deixado muita gente confusa foi a reação da deputada àquilo que parecia o fim de uma expectativa, que era aguardada. Sete dias, sete meses ou sete anos, independente de qualquer significado cabalístico, não me parecia até então que a oportunidade tinha tempo de validade. Naquilo que o encontro no vôo transparecia que o tempo não havia passado para a reação de dizer que houve atraso para o enterro do filho me pareceram comportamentos antagônicos.

Economia

Nem me arrisco em adentrar na questão religiosa que tanto é pregada pela pastora sobre o perdão, por relevar que quando a pregação é para os fiéis pode assumir reação diferente quando em causa própria. Quanto à possível profissionalismo do depoimento (leitura de texto, maquiagem, iluminação) apenas me parece que ele entrou no jogo para o qual está sendo convidado nos últimos anos. Para avaliar a sinceridade, montagem ou qualquer outra avaliação da atitude de Carli Filho, creio que basta que a deputada aceite um encontro, sem assessorias ou apoios técnicos, olho no olho, e me parece que haverá interesse de ambas as partes na convocação da imprensa.

De tudo isso, e como falamos no início, sendo um caso emblemático que tem gerado debates de toda natureza, me parece que esse inesperado ingrediente seja o marco para que se possa separar com clareza o que é e será o debate jurídico seja no Tribunal do Juri seja numa Vara de Delitos de Trânsito, do debate legislativo sobre alterações na atual legislação, e por consequência outros enfoques políticos que vêm na esteira do debate, e da situação pessoal das partes envolvidas.

De multa eu entendo!

*Marcelo Araújo é advogado, especialista e professor de direito de trânsito, ex-presidente da Comissão de Trânsito, Transporte e Mobilidade da OAB/PR. Escreve nas terças-feiras para o Blog do Esmael.

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