Coluna do Bruno Meirinho: Uma cidade refém dos empresários do transporte coletivo

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Em sua coluna semanal, Bruno Meirinho (PSOL) volta a falar do imbróglio do transporte público municipal e metropolitano de Curitiba. Para ele, a cidade é refém dos empresários que exploram o transporte com contratos irregulares e sem transparência. Estamos diante de mais uma chantagem para o aumento dos repasses às empresas, e consequente aumento da tarifa, enquanto a prefeitura age com passividade e conivência. Leia, ouça, comente e compartilhe.

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Bruno Meirinho*

A atual situação da gestão do transporte coletivo em Curitiba é emblemática: de um lado, temos todos os elementos demonstrando a absoluta irregularidade dos contratos com as empresas, dos benefícios indevidos aos empresários e uma tarifa abusiva; de outro, os empresários dizendo o funcionamento é “deficitário” e que a tarifa precisa aumentar mais ainda.

Talvez nenhuma outra conjuntura teria permitido dizer, com tanta clareza, como essas empresas de transporte formam uma verdadeira máfia. E o mais grave: talvez nunca sentimos de forma tão evidente como a cidade é refém dessa máfia.

Por um lado, o prefeito Gustavo Fruet (PDT) faz muito pouco para enfrentar o esquema das empresas do transporte. É vergonhosa a resistência meramente cenográfica da prefeitura e da Urbs frente às empresas. Simulam “enfrentamentos”, entram com ações perdidas na justiça, mas ignoram a parte mais importante: as pessoas na rua. Diante das manifestações de 2013, Fruet preferiu a passividade, desperdiçando a energia de todos que naquele momento se indignaram contra o cartel.

Por outro lado, é preciso ter clareza de como a cidade é refém das empresas de transporte coletivo. Mesmo que tivéssemos uma prefeitura mais corajosa e disposta a enfrentar as empresas, seguramente as consequências do enfrentamento seriam os locautes frequentes e outras condutas criminosas dos empresários do transporte coletivo.

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É claro que condutas criminosas dos empresários poderiam ser punidas, mas isso levaria tempo, e, ainda que durassem apenas alguns dias, o maior dano já teria sido causado à cidade: o caos no transporte coletivo.

O mais trágico é que já não estamos muito longe do caos. Com a desintegração metropolitana, as tarifas abusivas, o descumprimento dos itens contratuais pelos empresários (como a renovação da frota), a burocracia kafkiana do cartão transporte, entre outros elementos do bizarro serviço de transporte coletivo da cidade, como ainda podemos temer o caos? Tem como ficar pior?

Já foi notado por muita gente, na CPI do transporte coletivo – com a atuação corajosa dos vereadores Bruno Pessuti (PSC) e Jorge Bernardi (REDE) – e na investigação do Tribunal de Contas do Estado, que a licitação do transporte coletivo de Curitiba teve uma série de absurdos. Entre eles, o episódio em que a cidade pagou, “voluntariamente”, uma “indenização” aos empresários do transporte coletivo que ganharam a licitação.

Há dois modelos de concessão de serviços públicos a empresas privadas, um deles prevê a competição entre empresas que ofereçam a menor tarifa, outro modelo prevê a competição entre as empresas que pagam a maior “outorga”, uma espécie de compra do direito de prestar o serviço.

No modelo da outorga, o poder público recebe uma grana pela concessão. Ajuda a pagar as contas públicas no curto prazo, mas não controla o valor da tarifa no futuro. Já no modelo da menor tarifa, o poder público não ganha nada, mas garante ter escolhido a opção mais barata para o usuário.

Em Curitiba, a opção em 2010 era basicamente de unir a pior parte das duas opções, ou seja, a concessão foi feita na modalidade da outorga, deixando de lado a opção pela menor tarifa, mas a prefeitura também não recebeu a outorga, porque assumiu que tinha o direito de indenizar as empresas que prestaram o serviço de transporte coletivo nas décadas anteriores. O valor da indenização foi estimado na casa dos milhões de reais, aproximadamente o mesmo valor da outorga. Como as empresas vencedoras foram justamente aquelas que já prestavam o serviço anteriormente, ficaram quites.

Em síntese, o município adotou um procedimento que, mudando “tudo”, preservava o essencial: as empresas continuavam prestando o serviço de transporte coletivo.

Mas por que a cidade é tão dependente dessas empresas? Em parte, por acordos entre as empresas e os políticos, mas também porque não existem alternativas. Hoje, se o poder público rompesse o contrato com essas empresas, não haveria nenhuma solução que viabilizasse a frota operante hoje na cidade em curto prazo. A cidade sofreria com menos ônibus circulando até que a frota pudesse estar plenamente instalada. O racionamento no transporte coletivo poderia durar anos, fomentando a desordem na mobilidade.

Diante disso, o fato é que nós fomos sequestrados pelas empresas de ônibus. O nosso direito de ir de um lugar a outro depende totalmente de um conjunto de empresas dominadas por um seleto grupo de famílias, e que têm o pacto de não concorrer entre si. Por isso, é urgente que a cidade tome medidas para fugir desse cativeiro.

As medidas imediatas envolvem o enfrentamento judicial e administrativo do contrato de licitação das empresas, que foi assinado no governo Beto Richa. Essas medidas podem minar os ganhos excessivos das empresas sobre o sistema, retendo, por exemplo, parte do valor da tarifa ou, até mesmo, reduzindo a tarifa. A medida é importante para conter a sangria do subsídio ou, mantendo o subsídio, tornar a tarifa mais barata. Isso exigiria uma postura mais ativa da prefeitura, o que não vemos hoje.

Mas o caminho definitivo para deixarmos de ser cativos dessas empresas exige um plano de médio prazo, pelo menos. É preciso que o município tenha uma política de “frota pública”, ou seja, o município deve adquirir ônibus próprios – públicos – para a operação do sistema de transporte. Com o tempo, o município teria condições de operar uma parte das linhas, pelo menos, de forma alternativa às empresas, anulando o efeito de um eventual locaute ou de uma suspensão do contrato por iniciativa da empresa.

Se realizado de uma maneira continuada, uma política dessa natureza poderá permitir, em um prazo inferior ao prazo dos contratos das empresas, que o município realize uma nova concessão do transporte, que seja selecionada na modalidade da menor tarifa, sem nunca abrir mão da política de frota pública, que é a principal ferramenta para não deixar a cidade refém das empresas de transporte.

*Bruno Meirinho é advogado, foi candidato a prefeito de Curitiba. É o coordenador local da Fundação Lauro Campos, instituição de formação política do PSOL. Ele escreve no Blog do Esmael às sextas-feiras sobre “Luta e Esperança”.

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