Coluna do Rafael Greca: Como é bonito o Natal do Brasil

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Na sua coluna desta quarta-feira, Rafael Greca fala sobre as origens do Natal, as tradições do natalinas trazidas para Curitiba pelos imigrantes europeus, e as belezas do Natal no Brasil. Greca também manda uma mensagem em forma de vídeo substituindo o áudio normalmente publicado junto com as colunas. Leia, assista, comente e compartilhe.

Rafael Greca*

No final da Primavera, às portas do verão, a chuva benfazeja derrama-se sobre as matas nativas e torna tudo mais verde e mais novo.

O Natal do Brasil tem o travo verde da folha madura. Da folha nova que trás a esperança e a renovação.

Não dá para invejar o “White Christma’s” do hemisfério norte, imersos no verde absoluto das florestas do Brasil. O Paraná, neste ano de tantas chuvas, está com o verde musgo tão profundo quando o que aninhava os druidas de Avalon na longínqua Inglaterra.

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O Natal do Brasil, percebo no jardim sob as araucárias em São Rafael das Laranjeiras, é pra espantar todo mau olhado, toda desesperança, toda tristeza.

É a verdadeira festa deste Jesus que diz a seus filhos: + Vinde a Mim vós todos que estais sobrecarregados que Eu vos aliviarei. Eu vos darei o Poder de serem chamados “Filhos de Deus”.

Com fé, vamos largar para trás tudo de ruim que passou, olhar pra frente:alegria e novas energias.

“És precária e veloz Felicidade. Custas a vir e, quando vens, pouco demoras. Pra te medir os homens inventaram o tempo, pra tentar te aproveitar eles criaram as horas”…recordo o soneto da imortal Cecília Meireles.

É genial esta ideia de dividir em frações o tempo, criar portais que sinalizem os anos de vida, as nossas voltas dadas em torno do sol.

A Sabedoria dos egípcios e dos gregos já definiu assim a liturgia da festa do Solis Invictus,no solstício do inverno, a Memória da Luz, depois sacralizada pelos cristãos.

Documentos muito antigos da Biblioteca Vaticana asseguram que já em 138 d.C o papa Telesphoro prescreveu rituais para celebrar e proclamar o Evangelho do Nascimento de Jesus.

A data de 25 de dezembro, lua décima sexta do ano, como dia de Natal foi fixada na Igreja Católica pelo Papa Júlio I, no quarto século depois de Cristo.

É deste tempo o canto das “Kalendas”, que ainda hoje abre a missa do Galo no Vaticano.

Ali se proclama que — “muitos séculos depois da Criação do mundo e de Deus ter encerrado o dilúvio traçando o arco-íris, como sinal de Aliança entre o Céu e a Terra; 21 séculos depois que Abraão partiu de Ur, na Caldéia, obedecendo as ordens de Deus de buscar Terra Prometida; 13 séculos depois da saída de Israel do Egito; 5 mil anos depois da unção de David como rei de Israel; na 650ª semana das profecias de Daniel; na época de 194ª Olimpíada; no ano 752 da fundação de Roma ab urbe condita; no 42º ano do império de César Otaviano Augusto; quando ,em todo o mundo, reinava a Paz; Jesus Cristo, Filho do Padre Eterno e Deus Eterno, querendo santificar a Terra e a Humanidade, nasceu em Belém de Judá, feito homem no seio da Virgem Maria”.

A igreja latina celebrava o Natal em dezembro, as igrejas grega e egípcia a 6 de janeiro, casos havia de quem celebrasse o Natal a 20 de abril, seguindo antiga tradição oriental de que o Cristo nasceu no mês de Nisan, por que Deus só poderia nascer na primavera.

Aqui em Curitiba por quase 200 anos, o Natal limitou-se às liturgias da igreja matriz de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, e à obrigação da Câmara comprar óleo de peixe, para acender os 4 únicos lampiões da Cidade, e dos moradores colocarem luminárias nas suas acanhadas janelas de gelosias.

Era um Natal português, sertanejo e singelo, com os fiéis indo ao presépio adorar o Menino Jesus, dando-lhe “um beijinho no pé”, como diz a canção lusitana da ceia de Consoada.

A festa desdobrava-se por muitos dias, com zambumbas e reisados nas ruas. A Congada de São Benedito, batida pelos negros às portas da sua Igreja do Rosário, já no dia 26 de dezembro; as Folias de Reis, percorrendo casas onde havia presépios, a cantar: “— Ó de casa, nobre gente, perguntai e ouvireis, lá das bandas do Oriente,são chegados os 3 Reis…”

É do jornal 19 de Dezembro, o primeiro do Paraná, na edição de 24 de dezembro de 1862 que pincei dois anúncios que falam da importação de costumes mais refinados para o Natal curitibano:

Diz o primeiro: “Chegou à rua das Flores, esquina com travessa da Matriz, sortimento de superiores amêndoas de estalo, caixas de figo de comadre, ditas passas de Alicanti, nozes, amêndoas, avelãs, peixes em lata, bacalhau, crachnells e biscoutos ingleses, em latas e meias latas & assim como outras miudezas próprias para as festas.”

Estampa o segundo anúncio de jornal: “Balões aerostáticos em papel de seda colorida, com combustível, vendem-se no Largo da Matriz nº23 para luminárias deste Santo Natal”.

A partir de 1833 até a metade do século 20, o desembarque das grandes imigrações europeias, coloriu de usos e costumes peculiares o Natal das famílias curitibanas.

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Alemães nos trouxeram Santa Klaus, o bispo católico oriental São Nicolau, que – mercê da Reforma Protestante – foi transformado em Papai Noel. A partir de 1820, já em desenho publicitário, perdeu as vestes talares, ganhou bombacha e arminhos, e terminou ícone da Coca-Cola, bebida de origem norte americana.

Capa da revista “Ilustração Paranaense”, no Natal de 1890, recorda o costume de armar o “Tannembaum”, ou Pinheirinho de Natal, enfeitando-o com cordões de miçangas, bolas de vidro espelhado, neves de algodão, filetes de gelo de lâminas de metal prateado, e pequenos castiçais com singelas velinhas torneadas, acesas com fósforos Fiat Lux, feitos em Curitiba. Era normal um pequeno incêndio doméstico, sinal de que o Paraíso é doutro mundo.

Conheci seu Normando Schebest, no Ahú, soprador de bolas de Natal, com sua original fábrica funcionando até os idos de 1985.

A mesma revista “Illustração Paranaense” – ainda em edição de dezembro de 1890, fala em cartões de Santa Klaus, vendidos nas Casas Amhof e João Haupt, na rua de São Francisco, em vitrines que também ofereciam presépios de papelão,bonecas de porcelana, bolas de couro legítimo, brinquedos mecanizados ou de corda, trazidos do reino da Prússia.

Os alemães contribuíram para o Natal de Curitiba, com suas receitas de “pekulaten” e ”zimtsternes”,  pães de mel, amêndoas e avelãs, recortados em estrelas e corações, pequenas efígies de Papai Noel pintadas com açúcar colorido.

Trouxeram também as “Stolen”,pães de massa tenra recheada de frutas cristalizadas e especiarias orientais, e o adorável Baumkuchen – doce em forma de árvore, receita da frau Mela Kroenner, estabelecida à rua Lourenço Pinto em frente ao Hospital Paciornick.

Corra, com sorte, ainda os há para consumo, nas gulosas vitrines da Padaria América,comércio dos Engelhardth na rua Trajano Reis, ou no quiosque do Oratório Bach, produtos assinados pela chef Erika, no meu querido Bosque Alemão.

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Poloneses e Ucranianos trouxeram ao Natal de Curitiba, suas tradições eslavas. Algumas delas, reminiscências de antigos ritos pagãos para espantar  espíritos malignos de um Inverno, terrivelmente escuro e frio, lá donde vieram.

A Árvore de Natal dos poloneses, arrematada por anjinhos de ouropel e uma vistosa estrela na copa, é tradicionalmente enfeitada com recortes de papel, caprichosamente executados, os “Wicinanki”,e contornada por festões em correntes de papel, as “Lancochy”.

A ceia de Natal dos ucranianos tem 12 pratos,”vareneke” – pastel cozido ; “perohe” – pastel assado; “borch” – sopa de beterraba, “holopti” – charuto de folha de parreira ; “reba” – peixe frito, “oceleti”- sardelas; “kapusniak” – sopa de repolho, “paupke” – um tipo de sonho; “oherke” – pepino azedo, “kompota”– compota mesmo; “zapraxka” – molho de cebola.

A celebração termina com sobras deixadas para os mortos da família, lembrados num pão cerimonial encimado por vela acesa, que arde a noite toda.

Na casa de meus avós italianos, o Natal era em torno do presépio, criação de São Francisco de Assis na celebração do Natal de 1223, numa gruta de Greccio, na Úmbria.

Depois reproduzi o meu presépio napolitano em escala gloriosa, tomando toda a fachada da Universidade Federal do Paraná. Nos anos em que fui prefeito, o presépio era animado por um Auto de Natal – escrito por mim e por Margarita – onde Anjos dourados, do balé da Dora Paula Soares – dançavam entre as figuras bíblicas, em meio às colunas da UFPr. O evento Natal de Luz, somado às serenatas do Palácio Avenida, na rua XV muito limpa e bem decorada, gerava emprego e renda e animava a arrecadação da cidade e das feiras de Natal.

Nos nossos Natais de antigamente , na casa dos Greca de Macedo, as tias preparavam delícias de bacalhau, consumido com vinho tinto, para a ceia.

No almoço patriarcal, com os mais velhos da família à cabeceira da mesa imensa que ainda conservamos na Chácara São Rafael das Laranjeiras,eram servidos macarrão feito em casa com molho de tomates e sálvia, assado de cordeiro novo, com ervas amargas e molho de hortelã.

À sobremesa, “canulettis” e “grustollis”, biscoitos de trigo sarraceno, grano duro, esculpidos com fios de massa de macarrão feito em casa. Servidos imersos em mel e açúcar, vinho adocicado de Marsala, e grappa,fortíssima aguardente de bagaços de uva.

Ali, ainda pequeno, aprendi a fazer o presépio, devoção que conservo.

O nosso presépio deste ano tem o Menino Jesus nascendo sob uma araucária cenográfica, junto a uma casinha de tábuas e ripas, para recordar aos Céus, as bênçãos que Curitiba necessita e merece.

Cresci numa Cidade onde se podia andar nas ruas. Nas vitrines da rua XV, o Papai Noel mecanizado da Casa Londres,vestido à moda antiga, com arminhos e veludos, batia sua varinha de marmelo na vitrine. Eu dizia, no colo da minha mãe, que o Velhinho murmurava: – “Entrem, entrem, venham comprar seus presentes”. Era logo advertido: “– Só para as crianças que se comportam bem, fazem seus deveres”.

Antes do alargamento de 1966, de um lado pro outro da rua Marechal Deodoro, Herr Böllinger, da Casa Suíça de Eletricidade, instalava um Papai Noel com monociclo, que pedalava equilibrando-se num tênue fio de arame. Uma bandinha desafinada,os músicos vestidos de anões medievais, executava canções natalinas para a multidão que, arrebatada, aplaudia.

Na rua Barão do Rio Branco, prodígio do comércio do Rio Grande ao Grande Rio, as Lojas Hermes Macedo, erguiam seu coruscante Arco de Natal sobre o passo dos automóveis, chamando o distinto público para o Presépio mecanizado e a gruta encantada de Papai Noel, instalada no subsolo da grande loja. Ali, pessoa de confiança do proprietário, dona Cacilda dava os melhores descontos.

O programa continuava com corso motorizado entre a Pracinha do Batel, onde se apreciava a decoração natalina da residência do casal Hermes Macedo, e o Cajurú, onde brilhavam as modernas vitrines envidraçadas dos Móveis Cimo.

Aquele era um tempo em que, com o pai e a mãe,os tios, tias e primos, entrávamos em 7 igrejas, visitávamos 7 presépios,alguns mecanizados, pedindo copiosas bençãos para o ano que nascia. O ritual, que começava no bairro de Umbará e terminava na Catedral,  entre 25 de dezembro e 6 de janeiro.

Piá curitibano, filho da Luz dos Pinhais, mesmo tendo crescido com tanta oferta cultural, de um Natal que passa pelas tradições de muitos países, eu ainda prefiro louvar o Natal do Brasil. Imerso em verde profundo, como disse no começo deste texto.

Como é bonito o Natal do Brasil.

Que tanto verde nos propicie proverbial otimismo, capaz de nos tornar mais fraternos e mais  fortes do que as atuais dificuldades. Feliz Natal.

*Rafael Greca, ex-prefeito de Curitiba, é engenheiro. Escreve às quartas-feiras no Blog do Esmael sobre “Inteligência Urbana”.

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