Coluna do Bruno Meirinho: Para onde vai Curitiba

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Em sua coluna semanal, Bruno Meirinho (PSOL) fala do Plano Diretor recentemente aprovado em Curitiba. Segundo o colunista, a Capital perdeu uma boa chance organizar o espaço urbana e democratizar o acesso à cidade. Para Meirinho, a atuação dos principais órgãos municipais no processo de elaboração do novo plano foi pautada por uma ideologia autoritária e elitista. Leia, ouça, comente e compartilhe.

Bruno Meirinho*

O novo Plano Diretor (PD) de Curitiba, sancionado essa semana pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT), poderia ter celebrado a grande festa da democracia urbana, poderia ter sido um instrumento não só para organizar a cidade, mas também as novas e latentes forças políticas que depositaram nesta administração uma vontade de mudança.

No entanto, essas oportunidades foram desperdiçadas. O prefeito teve a faca e o queijo na mão, mas, ao deixar tarefa tão importante nas mãos de um IPPUC pouco preocupado com as tarefas importantes da cidade, permitiu que se realizasse um trabalho medíocre, insosso, sem orientação central.

De fato, o processo político de elaboração, discussão e votação do PD revela dois aspectos fundamentais do planejamento urbano contemporâneo de nossa cidade. Primeiro, que os principais agentes do planejamento não estão dispostos nem preparados a planejar a cidade de forma democrática. Segundo, a atuação técnica dos principais órgãos municipais − com destaque ao IPPUC − está consumida por uma ideologia autoritária e elitista que já morreu há muito tempo.

Enumeramos, por comodidade narrativa, os principais fatos pelos quais concluímos que o processo do PD foi excludente e autoritário:

1) Deveria o processo de revisão do PD, por força de lei, ter sido coordenado pelo Concitiba (Conselho da Cidade de Curitiba, formado por membros do executivo, legislativo e da sociedade civil), mas foi conduzido exclusivamente pelo IPPUC. O IPPUC deve ser órgão de assessoramento, mas é fonte de vontade política, de defesa de interesses consolidados, sobretudo dos capitais imobiliários e dos empresários do transporte coletivo. Em ambiente realmente democrático, o conhecimento técnico põe-se a serviço da vontade política, e não o contrário, como ocorre por aqui.

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2) Pois bem, como a Prefeitura apresentou sua proposta do PD apenas ao fim do processo, em janeiro de 2015, quando toda as audiências e eventos ocorreram durante o ano de 2014, as discussões e sugestões da sociedade civil ocorreram sem parâmetros concretos, sempre em relação ao antigo PD, e nunca em relação a propostas do IPPUC e demais órgãos, já que não estavam sendo divulgados. Neste sentido, tanto faz se foram 50 encontros ou 5000 com a comunidade, já que o objeto discutido era desconhecido. O debate ocorreu às cegas: a comunidade dizia o que queria, mas a prefeitura não. Não fosse isso, as propostas da sociedade civil foram sistematizadas e valoradas por critérios até hoje desconhecidos.

Ou seja, o IPPUC até ensaia dizer que não apresentou a sua proposta antes porque ela não existia. No conto de fadas, eles dizem que elaboraram as propostas a partir das reivindicações da sociedade. Mas não se sabe quem da sociedade teria sugerido que fosse criado um plano, aprovado por decreto do prefeito e que seria superior ao plano diretor, aprovado por lei, uma medida flagrantemente inconstitucional. Também não são claras as evidências de que a sociedade clamou para que os planos setoriais, de fundamental importância para dar sentido a um plano que não diz para onde se quer ir, seriam aprovados por resolução administrativa do IPPUC, e não por lei. Inúmeras reivindicações da sociedade, recorrentes nas regionais, por outro lado, ficaram de fora. Se o IPPUC tinha um plano, não poderia deixar de apresentá-lo no começo dos debates.

Quando o IPPUC apresentou seu texto, radicalmente distinto do texto produzido pelo Concitiba, a Prefeitura negou-se a promover um amplo debate com a sociedade, cancelando a Conferência do Plano Diretor e realizando uma vergonhosa plenária estendida do Concitiba, garantindo assim maioria de votos, haja vista a composição do conselho. Em síntese, diminuíram o espaço de participação, para poder controlar melhor.

E foi essa proposta redigida pelo IPPUC, com algumas emendas realizadas nessa plenária estendida, que foi enviado à Câmara Municipal, como uma proposta do poder executivo.

A maior prova do caráter alienado e sem direção da proposta do PD elaborada pelo IPPUC foi o número de emendas oferecidas pelos vereadores: foram 230 emendas! O fato de haver tantas emendas não é sinal de abertura democrática, pelo contrário, é prova que o texto base foi produzido de forma unilateral, em regime de segredo de estado, em alcovas, na penumbra dos porões do IPPUC, e suas propostas representavam apenas a visão burocrática da instituição.

Afinal, se fosse uma proposta ampla, representativa, a própria sociedade colocaria dúvidas nas emendas elaboradas pelos vereadores, e defenderia a proposta original. Diante da posição da prefeitura, o movimento foi oposto, a sociedade buscou os vereadores para propor emendas para que o plano diretor pudesse ter algum significado.

Quase uma centena dessas emendas foi aprovada e o texto, que continha 157 artigos, passou a ter 194. A lei virou uma colcha de retalhos, precária e contraditória, um reflexo da política municipal contemporânea. A lei do Plano Diretor, sancionada por Gustavo Fruet, foi o máximo que se conseguiu chegar, em virtude de uma prefeitura que perde oportunidades e se fecha para sugestões. De que adianta todo o arsenal técnico?

Mencione-se que as forças comunitárias e a sociedade organizada, por exemplo, na Frente Mobiliza Curitiba, tiveram alguma vitória, por meio das emendas aprovadas na plenária estendida e por emendas propostas por vereadores. Dentre as vitórias, destaco a previsão de bilhete único e a instituição de normas para regularização fundiária.

Há outros avanços, que merecem ser comemorados, porém, o resultado final é uma lei fraca, sem proposta de futuro, que esvazia as competências da participação direta das pessoas e delega qualquer coisa mais importante para planos que serão instituídos por decreto.

Ou seja, a parte objetiva, específica e aplicável do planejamento será realizada diretamente pelo Poder Executivo, elidindo-se o controle popular que se exerce no Conselho e na Câmara.

Quando não se sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve. Curitiba está desgovernada.

*Bruno Meirinho é advogado, foi candidato a prefeito de Curitiba. É o coordenador local da Fundação Lauro Campos, instituição de formação política do PSOL. Ele escreve no Blog do Esmael às sextas-feiras sobre “Luta e Esperança”.

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