Paraná se levanta contra a ‘Lei da Mordaça’ na educação; vem aí a campanha “Fora Beto Richa”

mordacaO Paraná continua se levantando e se manifestando em repúdio contra o Projeto de Lei do deputado Gilson de Souza (PSC), que proíbe os professores de falarem sobre política, religião e sexualidade em sala de aula. O parlamentar é do time de Ratinho Júnior e da base de sustentação do governador Beto Richa (PSDB).

Pois bem, a União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES) adiantou fará oposição cerrada à chamada Lei da Mordaça e será uma das principais bandeiras no 52ºCongresso da entidade. Os estudantes deverão aprovar uma ampla campanha pelo “Fora Beto Richa”, em virtude disso e do fechamento de escolas no estado.

O Congresso da UPES será realizado neste fim de semana em Pontal do Paraná, Litoral, com transmissão ao vivo pelo Blog do Esmael em parceria com a TV 15.

Paralelamente, o Conselho do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, a Unioeste, se reuniu no começo deste mês quando elaborou um documento científico repudiando a tentativa de instituir-se censura prévia na educação paranaense (leia o manifesto abaixo).

Segundo o documento, o projeto “despreza toda formação e competência dos educadores(as) e dá direito aos deputados de intervir de forma arbitrária nos conteúdos que podem ou não ser desenvolvidos em sala de aula”.

E vai além ao sustentar que “as práticas de ensinar e aprender somente se tornam efetivas quando realizadas em liberdade, com participação ativa da sociedade e não com retaliações e perseguições.

Economia

Leia a seguir a íntegra do documento do CCHS:

A ideologia da ‘Escola sem Partido’ e a ‘Lei da Mordaça’ nas escolas do Paraná

O Conselho do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus de Toledo, reunido no dia 03 de novembro de 2015 decide manifestar-se publicamente contrário ao Programa Escola Sem Partido e, especificamente, ao Projeto de Lei N.º 748/2015 que institui, no âmbito do Sistema de Ensino do Estado do Paraná, o referido programa.

O PL N.º 748/2015 parte do pressuposto acusativo de que “professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral — especialmente, moral sexual — incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”. Esta acusação é altamente questionável uma vez que despreza toda formação e competência dos educadores(as) e dá direito aos deputados de intervir de forma arbitrária nos conteúdos que podem ou não ser desenvolvidos em sala de aula. A proposta, por exemplo, não observa que a Constituição Brasileira já determina, no Art. 205, que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Famílias, Estado e sociedade já estão, portanto, permanentemente convidados a colaborar de forma complementar e diferenciada na construção de uma educação pautada pelos valores republicanos. A legislação educacional brasileira prevê a participação da comunidade escolar e da sociedade em geral nos planejamentos, discussões e deliberações no que diz respeito ao papel da escola, metas e conteúdos a serem desenvolvidos. Para isso, é fundamental o fortalecimento dos mecanismos de participação na escola, como é o caso dos Conselhos Escolares, APMs, Grêmios Estudantis, Conselhos de Classe dentre outros. Fortalecer a educação pública pressupõe, portanto, a qualificação e ampliação destes espaços de participação comunitária e democrática e não a interferência arbitrária externa.

O Projeto de Lei, além de ser contraditório com outras legislações educacionais vigentes também o é internamente, o que revela suas verdadeiras intenções. Ao mesmo tempo em que aparentemente defende a pluralidade de ideias, propõe a proibição de “atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”. No mesmo sentido, observa-se que o Art. 1º da proposta parece garantir a liberdade de ensinar e apreender, mas no restante do texto o esforço visa silenciar o ensino e discussão de teorias que, na visão dos autores da PL, vão contra os interesses dos alunos e familiares. Não suficiente, o projeto abre espaço para que pais e alunos denunciem anonimamente os professores, direto para as Secretarias de Educação, caso julguem que tenha sido lecionado qualquer conteúdo não compatível com suas concepções religiosas e morais, retirando a autonomia e segurança jurídica da gestão escolar, garantida na Constituição e na LDB (Art. 12, 14 e 15) e instigando um clima de permanente censura, tensão e perseguição. Com a eventual aprovação deste PL a escola deixaria de ser um espaço de debate e de construção do saber legitimamente definidos em seus Projetos Político Pedagógicos, passando a ser tutelada por uma ideologia restritiva e punitiva: a interferência política, moral e religiosa da ideologia dos autores da PL, que passariam a impor suas concepções como sendo as únicas verdadeiras. Será que seus autores têm mesmo legitimidade para se autodelegar tal tarefa? Será que não existem formas mais adequadas de contribuir com a educação do que impor mais restrições e ameaças aos educadores?

Entre os problemas apresentados no PL 748/2015 destaca-se o esforço em silenciar as reflexões produzidas ao longo do desenvolvimento humano sobre as relações políticas, religiosas e de gênero. Tal projeto se coloca como um obstáculo para o diálogo e para o avanço da própria ciência e da democracia. Segundo o PL, “o Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica do sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero”. Ou seja, tudo o que aqueles que estiverem no poder político compreenderem por ideologia de gênero não poderá mais ser tratado em sala de aula. Com isso, busca-se a proibição de uma discussão necessária nas nossas escolas, que interfere diretamente no avanço nos direitos humanos e na superação de formas de preconceito como machismo, racismo, violência contra a mulher, homofobia, etc. Não permitir que estas questões sejam discutidas, significa não querer que sejam superadas. Como se não bastasse ainda, temas como Evolucionismo, Educação Sexual, Identidades, Movimentos Sociais, Reformas Agrária e Urbana e até mesmo a própria Reforma Protestante poderiam sofrer com retaliações e censuras.

Diante de todo o conteúdo contido no projeto e considerando que as práticas de ensinar e aprender somente se tornam efetivas quando realizadas em liberdade, com participação ativa da sociedade e não com retaliações e perseguições, o CCHS repudia qualquer tentativa de censurar autoritariamente os professores ou controlar as discussões que fazem parte do cotidiano da comunidade escolar. O entendimento da individualidade e da diversidade é possível quando se discute com a individualidade e com a diversidade, da mesma forma que a superação das contradições sociais existentes somente é possível por meio da historicização e da problematização de tais contradições. Não há liberdade sem garantia do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (LDB, Art. 03)! O Projeto de Lei N.º 748/2015 é expressão do Programa Escola Sem Partido que não tolera nada além de sua própria ideologia particularizada: não quer uma escola sem partido, mas uma escola de doutrinação onde ela seja o partido único. A PL é uma LEI DA MORDAÇA que interfere de forma fundamentalista e prepotente nas convicções e liberdades morais, políticas e democráticas da comunidade escolar e da maioria da população.

Não à LEI DA MORDAÇA e à ideologia autoritária da suposta Escola Sem Partido! Sim à participação cidadã nas escolas! Sim à liberdade e alegria da construção do conhecimento na pluralidade democrática!

Toledo/PR, novembro de 2015.

Conselho do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS) da UNIOESTE.

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