Coluna do Luiz Cláudio Romanelli: O retrocesso da “Escola Sem Partido”

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Em seu artigo desta segunda-feira (9), o deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli fala do projeto de lei “escola sem partido” que tramita na Assembleia. Para o deputado, o projeto é um retrocesso, pois agride a democracia e o direito à livre expressão dos professores, além de ser inconstitucional. Romanelli vai além e afirma que a tal  “ideologia de gênero” não existe, e seria um termo criado para desqualificar a abordagem educacional da diversidade. Leia, ouça comente e compartilhe.

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Luiz Cláudio Romanelli*

“O que foi feito, amigo, de tudo o que a gente sonhou”
Fernando Brant/Milton Nascimento

Nesta semana, começa a tramitar na Assembleia Legislativa, o projeto de lei do deputado Gilson de Souza (PSC) e de outros 18 parlamentares que pretende instituir, no âmbito do sistema estadual de ensino, a proposta da “Escola Sem Partido”.

Não é um projeto original – está sendo apresentado nas assembleias legislativas de todo o país – e faz parte de um movimento ideologicamente de direita que prega a “descontaminação” e “desmonopolização” política e ideológica das escolas – o que quer que isso seja – e denuncia a “instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários”.

Respeito todos que assinaram o projeto, mas o texto merece uma reflexão mais profunda. O nome pode até parecer bonito – “escola sem partido” – e a princípio, simpático. Ao se ler o conteúdo do projeto, é altamente preocupante do ponto de vista daquilo que entendemos como uma escola, um espaço plural de liberdade de expressão do pensamento e de manifestação.

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O projeto é uma afronta à Constituição. A manifestação e liberdade de expressão são asseguradas a todos os brasileiros, professores ou professoras, da rede pública, privada, da educação básica ou do ensino superior.

Além de inconstitucional, o projeto é obscurantista e retrógrado. Como disse o deputado Péricles de Mello, parece ter sido feito por encomenda do Tribunal do Santo Oficio – os tribunais de inquisição da Idade Média que lavaram a fogueira milhares de cientistas, filósofos e pensadores contrários aos dogmas da Igreja. Quem assistiu ao filme ou leu o livro “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, sabe muito bem de como eram os tribunais religiosos da época.

O projeto é um retrocesso e vai contra a tudo com que já lutamos e defendemos na reconstrução da democracia brasileira e na construção do nosso processo civilizatório. Estamos em pleno século XXI, o ano é de 2015 e não podemos compactuar com a pauta conservadora que toma conta das casas legislativas e do Congresso Nacional.

Já no parágrafo único do artigo 1º, revelam-se algumas das intenções. Vejamos o que ele diz: “o Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero”.

Traduzindo: o projeto diz que a escola não deve “induzir” o aluno a ser homossexual. Como se isso, em sã consciência, pudesse acontecer!

Novamente, coloquemos os pingos nos “is”: a tal “ideologia de gênero” não existe, é um termo criado para desqualificar as questões de gênero, especialmente em relação a políticas educacionais e claramente revela uma visão equivocada de que jovens e crianças seriam incentivadas ao homossexualismo ao discutir esses temas. Quanta ignorância!

A “escola sem partido” é uma ação de grupos conservadores que pretendem interromper a consolidação de valores básicos, no ambiente escolar, como o respeito à diversidade e pluralidade. O que a “escola sem partido” defende é uma escola sem pensamento. Ou talvez, sem alguns pensamentos que eles julgam inconvenientes.

A escola deve, sim, discutir a questão de gênero e estimular os estudantes ao debate de assuntos como a igualdade dos indivíduos, independente de suas singularidades, seja de orientação sexual, racial ou religiosa. Deve promover a discussão sobre a violência contra a mulher e contra homossexuais, negros e pobres, deve ensinar o respeito, a tolerância. A escola deve ser um espaço de respeito aos direitos iguais universais, deve combater a exclusão e marginalização.

A escola é, por natureza, um ambiente essencialmente político, assim como todas as nossas relações também são políticas. Não adianta suprimir do debate e da discussão a questão de gênero ou qualquer outra.

Nós sabemos que a escola não é espaço da doutrinação política e nem religiosa. A escola é laica, e é também política. Não é política partidária. É um espaço para a disseminação do pensamento crítico. Indiscutivelmente, quem escreveu este projeto foi muito além do que seria sobre apenas doutrinação partidária e política no âmbito escolar.

O projeto é totalmente contrário ao interesse da educação e da formação da cidadania. Entre outros equívocos, pretende que as escolas confessionais e as escolas particulares obtenham autorização dos pais para “veiculação de conteúdos identificados com seus princípios e valores”.

Outra excrescência: o projeto incentiva o denuncismo vazio e criminaliza a atividade docente ao determinar que a comunidade escolar deve denunciar anonimamente às secretarias de educação, o professor que ousar emitir suas opiniões, concepções ou preferências, sejam morais ou políticas, em sala de aula.

E se tudo isso não bastasse, o projeto ainda prevê que sejam afixados cartazes com os “deveres do professor”, uma lista do que os docentes não podem fazer. É um descabimento sem tamanho, digno de um estado de exceção.

Seria mais adequado afixar uma lista com a Declaração dos Direitos Humanos ou, então, apenas o artigo XIX, que diz: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

É no ambiente escolar que podemos ter de fato as primeiras noções sobre o que o mundo vai nos trazer à frente. E são os professores que mais instigam o raciocínio e pensamento, os responsáveis pelo despertar de todos para o processo de aprendizagem. E é dali que tiramos as bases para o crescimento e o amadurecimento, junto com os valores que recebemos de nossas famílias.

Todos temos um professor inesquecível. Na sétima série, tive um professor de ciências que foi essencial para meu entendimento sobre o mundo em que vivíamos e também no reconhecimento da diversidade e das questões que envolvem a política, por exemplo.

O ambiente escolar do Paraná é um espaço de amor, de respeito, de acolhimento, de reconhecimento das diferenças. A escola é um espaço absolutamente plural de pensamento.

Se o professor cometer excessos ao tratar de algum tema, esse é um assunto para ser tratado no âmbito escolar, pela equipe pedagógica, direção, professores e pais. Não será uma lei que criminaliza a livre manifestação, que patrulha o pensamento, que vai evitar eventuais abusos.

Acredito que o legislativo deve também reafirmar as liberdades e os direitos há muito assegurados. Não cabe a nós, legisladores, contrariar a Constituição Federal tentando restringir aquilo que é a liberdade da pedagogia, da cidadania, do debate, do espaço e da discussão.

A escola é, e deve ser cada vez mais, o espaço da liberdade e da democracia.

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PMDB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.

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