Coluna do Bruno Meirinho: Terra para quem precisa dela para viver

Bruno Meirinho*

“Erradicar o monopólio territorial” era uma das palavras de ordem do Panfleto nº 1 da Confederação Abolicionista, documento de divulgação do movimento pela abolição da escravidão em 1883 redigido por André Rebouças.

Para os melhores abolicionistas, a libertação dos escravos deveria ser acompanhada da “destruição do monopólio territorial”, como o movimento dizia o movimento para enfrentar a concentração de latifúndios nas mãos de poucos afortunados. Em síntese: o movimento reivindicava uma reforma agrária.

Até porque a escravidão e o latifúndio são duas faces da mesma moeda: o poder da elite rural. Sem enfrentar o poder dos grandes proprietários de terras, os efeitos da abolição da escravidão seriam reduzidos.

Como se sabe, a abolição da escravidão foi decretada sem ser acompanhada de uma reforma agrária. E mais de 100 anos depois da palavra de ordem dos abolicionistas, a reforma agrária não avançou quase nada, apesar das inúmeras reivindicações dos diversos movimentos que enfrentam essa realidade.

Com efeito, em 2015, segundo o “Altas da Terra Brasil 2015”, a concentração de terras no Brasil aumentou entre os anos de 2010 e 2014. Segundo os dados, 130 mil propriedades – quase nada perto dos mais de 5 milhões de imóveis rurais no Brasil – ocupam uma área de 318 milhões de hectares, que corresponde a quase 50% de toda a área cadastrada no INCRA, ou à soma dos Estados do Amazonas, Pará, Tocantins e Rondônia.

Economia

Além disso, metade das grandes propriedades é improdutiva, ou seja, não cumprem a função social. Mas a concentração de terras nas mãos de poucos grandes proprietários não representa apenas um problema social: é também um problema de soberania.

A mesma questão afeta área urbana. Com uma estrutura fundiária superconcentrada, as cidades brasileiras se destacam entre as mais desiguais do mundo, como foi noticiado no relatório elaborado pela ONU, “O Estado das Cidades do Mundo 2010/2011: Unindo o Urbano Dividido”.

O resultado são as favelas e o alto déficit habitacional. No Brasil, pelo menos 2 milhões de famílias pobres pagam mais de 30% de sua renda familiar com aluguel, fruto de um mercado imobiliário concentrado, um verdadeiro oligopólio.

Para enfrentar essa realidade nas cidades, movimentos sociais reivindicam a reforma urbana, que consiste em uma série de políticas voltadas para enfrentar a especulação imobiliária e promover a redistribuição dos recursos.

Por exemplo, o Fórum Nacional pela Reforma Urbana, que reúne diversos movimentos urbanos, lançou uma campanha pela função social da propriedade, que deverá resultar em manifestações nas várias cidades brasileiras para chamar a atenção para terrenos vazios em áreas centrais e para a regularização fundiária e os conflitos urbanos.

O problema do acesso à terra nas áreas rurais e na cidade tem, basicamente, a mesma origem: o monopólio territorial denunciado pelos abolicionistas. Não são apenas 100, mas 500 anos de concentração injusta de terras.

*Bruno Meirinho é advogado, foi candidato a prefeito de Curitiba. É o coordenador local da Fundação Lauro Campos, instituição de formação política do PSOL. Ele escreve no Blog do Esmael às sextas-feiras sobre “Luta e Esperança”.

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