Reinaldo de Almeida César*
A prisão do Delegado Rubens Recalcatti mexeu com corações e mentes, ocupando significativo espaço na mídia impressa tradicional, nas redes sociais e nas rodas de palitinho na Boca Maldita.
Por dever de consciência, registro aqui uma palavra de estímulo e solidariedade, sem prejuízo do reconhecimento do trabalho muito técnico levado a efeito, uma vez mais, pelo Gaeco.
O delegado Recalcatti é um dos mais extraordinários profissionais que conheci. Competente, dedicado, muito vocacionado para a atividade investigativa e incansável para o trabalho. É verdadeiramente, um líder admirado na sua instituição.
Ao tempo em que ocupei a SESP, só tenho boas lembranças e as melhores referências e elogios a lhe fazer, dizendo isso sem favor algum ao Recalcatti, que nunca me pediu nada, nunca foi meu assessor direto, mas sempre apresentou ótimos resultados no combate à criminalidade.
Fico na torcida, então, que pela ampla defesa e exercendo o contraditório, ele possa rapidamente dissipar os fatos que motivaram sua privação de liberdade.
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Já disse várias vezes e em tantas outras fui irritantemente repetitivo ao escrever que o policial – militar ou civil – é uma categoria diferenciada no funcionalismo.
Não é nem melhor, nem pior que as outras. Mas, é diferenciada.
A começar pelo fato de que os policiais formam a única categoria do serviço público (ao lado do efetivo das Forças Armadas, é óbvio), que ao tomar posse juram solenemente exercer a função entregando a própria vida, se preciso.
Vivem sob constante tensão, em stress permanente, com adrenalina a mil.
Muitos sucumbem à embriaguez, acabam tendo desajustes familiares, cometem suicídio.
Não raras vezes, policiais militares evitam tragédias em família e fazem parto em viatura a caminho do hospital. Bombeiros retiram crianças quase já em óbito no mar revolto, para recuperá-las para a vida, nas areias da praia.
Tente imaginar viver a rotina diária em um quartel, um batalhão, uma delegacia abarrotada de presos, uma ronda em local ermo, um confronto aberto com criminosos.
Procure dimensionar o que é acolher, nos braços, um colega gravemente ferido ou tombado morto bem ao seu lado.
Peço permissão a um grande guerreiro, o líder Alencar Furtado, para, em adaptação livre, me apropriar de sua expressão, dita no contexto político do combate à ditadura. Filhos de policiais são “órfãos do talvez”, pois despedem-se de seus pais pela manhã, sem a certeza do reencontro no final do dia.
Por isso mesmo, o Estado deve assegurar a todo policial uma remuneração muito digna que lhe proporcione segurança e conforto para si e sua família, estímulo permanente na carreira e perspectiva de uma sólida aposentadoria.
Muitos policiais erram, falíveis como humanos que são, no calor dos acontecimentos do dia-a-dia, na cobrança permanente da sociedade e da imprensa, naquela conhecida fração de segundo.
O simples exercício da atividade policial não os isenta de culpa por eventuais erros.
Mas, é certo que nos ajuda a compreender a falha pontual, agora enxergada por uma dimensão mais justa e humana.
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Na semana que passou, encontrei-me casualmente num restaurante, com um amigo em comum meu e do governador, que dizendo ter lido a última coluna e a considerando muito crítica, perguntou-me: Reinaldo, você está contra o Beto Richa?
Quase nem esperei ele terminar a frase, e emendei: não, eu estou a favor do Paraná.
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Fico pasmo em ver que, num século de vastíssimo conhecimento, repleto de luzes e com inaudita rapidez e profusão da informação, as pessoas ainda não entendam que o Estado é impessoal, organizado em favor e em nome da sociedade.
Apontar problemas na segurança pública, como falta de investimentos, queda brutal no nível salarial, o não chamamento de aprovados no concurso para a PM e Polícia Civil; apontar o dedo para a superlotação carcerária e para os temerários contratos de fornecimento de refeições para presos, escrever sobre viaturas paradas; enfim, dizer o óbvio, que todos assistem; esbravejar que sem consistentes recursos no setor nada mudará, deveria ser inafastável tarefa de toda sociedade e de todo cidadão.
Achar que as críticas objetivas sobre inação de governo miram o governador é voltar aos tempos dos Césares em Roma.
O tempo passa, governadores passam, branqueiam cabelos e tornam-se avôs.
Lembro-me que o primeiro governador que aprendi a dizer o nome foi Paulo Pimentel e o primeiro que apertei a mão, ainda na infância, foi Jayme Canet.
Governantes passam, alguns sem nenhum brilho e muita birra, mas o Paraná e suas instituições policiais – já quase bicentenárias – permanecem, para a glória dos tempos.
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Que bom recordar de Paulo Cruz Pimentel e de Jayme Canet Junior, honrados, íntegros, iluminados pelo espírito público, vocacionados para a gestão, que conduziram tempos áureos de realizações no Paraná.
De ambos, homens públicos por excelência, tinhamos sempre a palavra autêntica, sem falsidade, e o aperto de mão de gente de bem, simples, sem ostentação.
Nestes tempos de profunda anomia e de falta de referenciais em lideranças políticas, são exemplos que fazem muita falta.
*Reinaldo Almeida César é delegado da Polícia Federal. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná. Chefiou a Divisão de Cooperação Policial Internacional (Interpol). Escreve nas quartas-feiras sobre “Segurança e Cidadania”.
Jornalista e Advogado. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.