Coluna do Luiz Cláudio Romanelli: Independência e democracia

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Em sua coluna semanal, o deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli (PMDB) faz um breve histórico dos períodos de democracia da nossa república e analisa o momento atual, em que, segundo ele, a intolerância está se sobrepondo ao diálogo democrático. Romanelli também fala da necessidade da reforma política avançar, diminuindo o custo proibitivo das campanhas eleitorais que afastam quadros qualificados da atividade política. Leia, ouça, comente e compartilhe. 

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Luiz Cláudio Romanelli*

Pensem nas crianças mudas telepáticas, pensem nas meninas cegas inexatas,
pensem nas mulheres rotas alteradas, pensem nas feridas como rosas cálidas”
Vinicius de Moraes

Como não podia deixar de ser, o atual momento político do país induz a uma reflexão nesta segunda-feira, 7 de setembro, dos 193 anos da independência do Brasil. De todo processo histórico, e das análises que podem ser feitas, chega-se à filha mais nova da independência, a incipiente democracia brasileira.

A democracia, como sistema de governo, pode se dizer que começou a ser construída no país, no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1934), marcado pela conhecida revolução de 1930 que acabou com a República velha, com a derrubada do ex-presidente Washington Luís, e teve um corte abrupto e violento, que deixou sequelas na vida brasileira, entre 1964 e 1985. O meu primeiro voto para governador, por exemplo, foi para José Richa em 1982 e eu já militava na juventude do PMDB.

Desde então, foram nove eleições de governadores e sete eleições presidenciais. Neste período, de 1982 para cá, foram ainda nove eleições de deputados e senadores e oito eleições de prefeitos e vereadores. Eu participei de todas essas campanhas e de forma direta, como candidato a vereador e deputado, disputei seis eleições e venci cinco delas.

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Confesso que tenho certa saudade, de forma positiva, e vou explicar mais adiante, das primeiras campanhas, dos comícios, do engajamento da militância partidária e de setores da própria sociedade em todo processo político e até hoje levo a máxima que uma campanha se faz com muita sola de sapato e conversando diretamente com os eleitores, expondo suas ideias, apresentando propostas.

Fiz esse rápido passeio pelas eleições, uma contextualização, para chegar a atual quadra política do país em que as instituições funcionam perfeitamente, mas que precisam avançar e aperfeiçoar seus métodos para melhorar a democracia brasileira em todos os seus aspectos.

Vejo de forma clara o sentimento de todas as manifestações, nas ruas ou nos legislativos, e a vontade de setores mais engajados da sociedade de ter uma voz mais ativa no controle e uso dos recursos públicos e nos serviços prestados pelos agentes públicos. Há uma insatisfação e uma desconfiança generalizadas por tudo que é da coisa pública. O que cobram, o que pedem, o querem, é muito positivo para todos nós, políticos e sociedade.

E não por menos. A princípio pode ser até um contrassenso com a saudade que disse ter das primeiras campanhas, mas o país não pode mais conviver com a maneira que se fazem as campanhas eleitorais, ou como elas se impõem neste momento, e se desvelam agora nas investigações dos compromissos, antes inconfessáveis, com os doadores e seus interesses mais imediatos. Campanha, como já disse, tem quer ser feita gastando a sola do sapato e com boas ideias e propostas, com um custo mínimo. Acompanho, há anos, bons quadros da política nacional abandonando a vida pública, porque não se dispõe se submeter ao modelo e aos custos exorbitantes das campanhas atuais. As campanhas milionárias servem para interesses que não são compartilhados pela maioria dos cidadãos.

Tem-se ainda que avançar na prática política. Trocar o ramerrão do varejo e do compadrio, comum do século passado, por um diálogo transparente e propositivo com os mais diversos segmentos da sociedade. E é preciso entender que a tensão faz parte do processo da discussão e que não se faz necessário qualquer tipo de exasperação mais afrontosa.

Hoje a presidente Dilma Rousseff não fará o pronunciamento de 7 de setembro por receio de ser enxovalhada por panelaços. O ex-presidente Lula é ridicularizado através de um boneco com nome de Pixuleco. Ministros são hostilizados nas ruas e restaurantes. O mesmo aconteceu no Paraná nesta semana com um deputado, conhecido por sua postura ética e austera, e pela contundência crítica, de ser vaiado e xingado em Curitiba. Eu mesmo, fui vaiado e xingado por três meses, por pessoas que deviam educar. Nesta última semana, quando relatava na CCJ o projeto de lei que trata das eleições dos diretores, uma conhecida dirigente da APP, em voz alta repetia: mentira, mentira, mentira! Não há mais o mínimo de tolerância na convivência dos diferentes. É uma espécie de “Estado Islâmico” composto por segmentos sociais e setores da sociedade.

Isso precisa mudar e precisa-se contar com o desprendimento de todos os atores envolvidos nesse processo. Não se constrói um país, nem se fortalece a democracia, sem a liberdade de opinião. Não se pode também admitir o rito sumário e a lei do talião.

Em relação às eleições, de forma específica do que já apontei, há ainda pontos que estão na reforma política em discussão no Congresso Nacional e que serão votados pelos deputados e senadores. Entre eles, a cláusula de desempenho dos partidos, o fim das coligações, o financiamento de campanha, o sistema eleitoral, duração de mandatos, etc. A decisão em todos esses pontos têm que estar afinada com as vozes das ruas e com o desejo dos eleitores cada vez mais atentos.

Para encerrar, não posso deixar de citar a imagem do menino Aylan numa praia na Turquia. O horror mostrou, mais uma vez, sua crueza mais terrível na praia de Bodrum. O que podemos fazer? É a pergunta que não cala e que comove. Em pleno século XXI, a migração em todos os continentes se torna uma questão que coloca em xeque a civilização. Não podemos concordar como são tratados os imigrantes na Europa, pois são refugiados de guerras civis e do Estado Islâmico, que como todos sabemos é filho bastardo da intolerância.

*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do Trabalho, é deputado pelo PMDB e líder do governo na Assembleia Legislativa do Paraná. Escreve às segundas-feiras sobre Poder e Governo.

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