Coluna do Reinaldo de Almeida César: “O debate sobre a segurança pública e a maioridade penal”

reducaoReinaldo de Almeida César*

Fomos dormir ontem e acordamos hoje cedo com as discussões sobre maioridade penal reverberando em nossos corações e mentes.

Mesmo com o resultado legislativo que rejeitou por poucos votos a PEC 171, mantendo as coisas do jeito que estão, continua o intenso debate que movimenta jornalistas, líderes políticos, ativistas e, de quebra, contamina a opinião pública, infestando a rede social com posições de defesa ou contrárias à tese de redução da maioridade penal.

Gosto de assistir as sessões plenárias transmitidas pela TV Câmara, TV Senado e, confesso sem pudor, até mesmo pela TV Sinal, mostrando (algumas vezes, desnudando) nossos bravos parlamentares no exercício do mandato. Estranho gosto esse meu, mas, tenho com meus botões que quanto menos as pessoas acompanharem a vida parlamentar, pior fica a nossa representação.

A indiferença da sociedade com as coisas da política só faz descer ladeira abaixo a qualidade da nossa representação.

Assisti ontem, pela TV Câmara, desde discursos histriônicos daqueles que a imprensa classifica como integrantes da “bancada da bala” até testemunhos melosos de deputada que nasceu e foi criada no morro Chapéu Mangueira no Rio.

Economia

Não vou aqui expressar minha opinião sobre o tema da maioridade penal.

Os meus prezados seis ou sete leitores já possuem material de debate suficiente e à exaustão para aclarar suas ideias.

Apenas vou lamentar o Brasil.

A proposta legislativa que tencionava rebaixar a idade penal tinha um sugestivo número de tramitação: 171, que até mesmo na linguagem fora do direito é conhecido por todos como estelionato.

Gastamos, pois, dezenas de dias e infindáveis horas de debate no parlamento, no noticiário, nas redes sociais e em mesas de bar, na doce ilusão de que, adotada a idade de 16 anos para fins penais, tudo estaria resolvido, pois seria, agora, prontamente estabelecida uma coação psicológica a impedir a realização de crimes, pela severa punição.

Triste país este nosso.

De tempos em tempos, assistimos um movimento legislativo brusco, quase inesperado, com medidas de impacto na mídia e que arrebatam discussões na sociedade, do qual resulta uma “legislação de pânico”, saída do forno para satisfazer a percepção de insegurança dos grandes centros.

No dia seguinte, com a adoção desta “legislação de pânico”, todos seguem confiantes que, agora sim, a criminalidade violenta foi contida e o sol surgiu radiante.

Foi assim na lei dos crimes hediondos e na lei do desarmamento, apenas para ficar nas mais conhecidas.

Pergunto-lhes, volvendo a pergunta a mim mesmo: o que mudou em nossas vidas a partir destas novas leis ?

Melhor proveito na energia que agora está sendo dragada no intenso debate sobre a maioridade penal seria o governo, as lideranças políticas, o Parlamento, os partidos políticos, a sociedade organizada e a imprensa, terem todos se debruçado num vigoroso projeto de estruturação da segurança pública e da questão prisional no país, enfrentando a necessidade do financiamento público da segurança (que não tem garantia orçamentária constitucional, ao contrário da educação e saúde), piso de remuneração mínimo para os policiais, alterações de fundo na legislação penal, processual e de execução penal, desenhando uma política nacional de real integração e planejamento da segurança (observando-se as características de cada região do país, com ênfase em fronteiras), além de se estabelecer mecanismo legal que tornasse obrigatória a aplicação dos recursos do fundo penitenciário nacional na construção e reforma de presídios.

Por fim, mas não por último, seria de todo desejável que as políticas sociais estivessem em posição de prevalência nesta discussão, para que fossem, de fato, aplicadas em locais conflagrados e entregues à criminalidade praticada por maiores e menores de idade, onde populações inteiras são subjugadas pelo crime, em face da absoluta ausência de serviços públicos mínimos que lhes são negados pela omissão do Estado.

Mas, isso já é querer demais, a começar pelo nosso Paraná, cujo governo abandonou o projeto das Unidades Paraná Seguro – UPS.

Encerro a coluna de hoje sugerindo a leitura do mais lúcido texto que li nos últimos dias, de autoria de Gregorio Duvivier, publicado na FOLHA, em 29 de junho.

O texto é um sacolejo e um chute em nossas consciências. As mesmas consciências que nos fazem pensar que a redução da maioridade penal será a panacéia para todos os males e a nossa, enfim, chegada ao estado de graça chamado Nirvana.

Lendo o genial artigo de Duvivier, você vai entender porque é que nos países em que você lava a própria privada, ninguém mata por uma bicicleta.

*Reinaldo Almeida César é delegado da Polícia Federal. Foi secretário da Segurança Pública do Paraná. Chefiou a Divisão de Cooperação Policial Internacional (Interpol). Escreve nas quartas-feiras sobre “Segurança e Cidadania”.

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