Advogado dos Pobres: “127 anos depois do fim da escravidão, ainda há preconceito e desigualdade”

negros

O advogado Mesael Caetano dos Santos, conhecido como Advogado dos Pobres, presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Paraná, em artigo especial para o Blog do Esmael, afirma que “127 anos depois do fim da escravidão, ainda há preconceito e desigualdade”.

“Não há como negar que ainda há um abismo social muito grande, fruto da escravidão”, observa o Advogado dos Pobres.

A seguir, leia a íntegra do artigo em alusão a data de 13 de Maio:

127 anos depois do fim da escravidão, ainda há preconceito e desigualdade

Mesael Caetano dos Santos*

Economia

O Brasil sempre sustentou a imagem de um país cordial, caracterizado por um povo pacífico, sem preconceito de raça e religião. No entanto, passaram-se 127 anos após a escravidão e percebe-se que o Brasil nunca foi uma democracia racial como pregavam historiadores e sociólogos.

No Brasil sempre existiu um racismo camuflado, disfarçado. Pessoas são vítimas todos os dias do racismo e de preconceito em razão da cor. Basta ver as notícias na imprensa.

Fazer uma reflexão sobre o processo de escravidão em qualquer sociedade não será valido, se não colocar a pessoa humana acima de qualquer valor. Entendo que, o ser humano em sua dignidade pela condição de humano, está acima dos bens do comércio e qualquer bem econômico.

Digo isso por que a escravidão foi legitimada no passado, por se colocar os valores do comércio acima de bens maiores como: vida, liberdade e dignidade da pessoa humana; renegando uma etnia a condição de ser humano, era legal escravizar e tratar as pessoas como coisa, para delas tirar proveito econômico. Foi isso que ocorreu na América e o no Brasil; legitimou-se uma barbárie relegando pessoas a cosias, o que é muito triste.

Com o fim da escravidão no Brasil em 13 de maio 1888, venceu-se uma etapa nefasta. No entanto, até hoje o período escravocrata marca a história de nosso país. Da escravidão os negros foram libertos, todavia, um mal os persegue até e hoje, que é o preconceito e o racismo de parte da sociedade brasileira.

Por isso, é preciso discutir racismo, preconceito e outras formas de discriminação sem medo, para que possamos avançar na busca pela igualdade, como preconiza a Constituição de 1988. Essa é uma luta de todas as pessoas de bem, se quisermos um Brasil melhor.

Pesquisa nacional por amostras de domicílios, divulgada em setembro do ano de 2013, mostra que 104,2 milhões de brasileiros são negros e afrodescendentes, o que corresponde a mais da metade da população do país (52,9%). A mesma pesquisa traz um número assustador: a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior do que a de um jovem branco. A maioria dos homicídios que ocorre no Brasil atinge pessoas jovens: do total de vítimas em 2013, cerca de 50% tinham entre 15 e 29 anos, jovens em sua grande maioria negros.

Apesar de formarem 50,7% da população brasileira, os autodeclarados negros ainda são minoria entre os formados no ensino superior. Na carreira de medicina, apenas 2,66% dos concluintes em 2013 eram pardos ou pretos. Na carreira pública, a presença de negros é baixa entre as áreas mais concorridas, em especial as de âmbito Federal. Na diplomacia, por exemplo, os pardos e negros representaram apenas 5,9% dos que ingressaram entre 2007 e 2012, contra 94,1% de brancos e outras etnias (amarelos e indígenas).

É bom lembrar que desde 1989, após a redemocratização do país, novas legislações importantes foram sancionadas no Brasil. Cito o Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.228/2010, que tem o objetivo maior de garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades. Destaca-se ainda, a lei 10.639/2013, que determina diretrizes para que todas as escolas do Brasil incluam no currículo o ensino da “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Contudo, há resistência das escolas em fomentar o tema, é preciso vontade politica. Deve haver uma maior intervenção do Ministério da Educação para esse processo avançar.

Finalizo asseverando que, 127 anos do fim da escravidão no Brasil se passaram; no entanto, é preciso avançar na garantia da igualdade entre os brasileiros. A atual Constituição vigente no Brasil, cidadã, tem como primazia maior a igualdade, mas é preciso fomentar a cidadania no Brasil.

A Constituição elevou a dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade e os direitos fundamentais, como direitos de primeira geração, ainda definiu objetivos para serem perseguidos por quem for titular do poder. Ela definiu o racismo como crime e repudiou sua prática, afirmando que o racismo e crime inafiançável e imprescritível.

Enfim, o desafio de quem estiver no poder é fomentar políticas públicas para busca da igualdade. Só assim vencermos o processo de exclusão social que ainda recai sobre os negros desse país. Não há como negar que ainda há um abismo social muito grande, fruto da escravidão.

* Mesael Caetano dos Santos é Advogado, Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/PR.

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